sexta-feira, 1 de junho de 2018

Puto com a porra da vida, fodido, não pago, mas sobrevivendo nesse mar de giletes!


Puto com a porra da vida, fodido, não pago, mas sobrevivendo nesse mar de giletes!

Alguns leitores — sugestionados, talvez, pelo meu passado de aparências, mulheres bonitas, festas banais, roupas de marca e bons restaurantes — não imaginam as batalhas diárias da minha existência, lutas inglórias e solitárias que arrosto contra a miséria, nesses tempos de escritor.

Poucos se dão conta do que sinto, no corpo e na “alma”, ao escutar: — “procure um emprego!” Porra, o meu emprego é escrever! Eu acordo às quatro da madrugada todos os dias da semana, inclusive aos domingos e feriados; escrevo sem interrupções, por horas a fio, mas dizem que que eu não trabalho.

O toque da alvorada sempre me alcança escrevendo, e o crepúsculo nunca me surpreende com os dedos pousados no ócio. Nos instantes mais sublimes da criação, quando, já vencido pelo cansaço, eu começo a perder o fio das palavras, surgem-me, misteriosas, as narrativas que busquei, embalde, ao longo do dia. Elas brotam, aflitas, das profundezas da minha mente atormentada, penetrando, a pouco e pouco, os esconderijos da noite. Perdido entre delírios, eu vou construindo os diálogos mais sórdidos, tecendo as tramas mais sombrias, as narrativas mais burlescas, mesmo sem recompensas palpáveis; nada além do imenso prazer que tenho de escrever, o único que me resta nessa vida de desterros, voluntários e involuntários, a que me reneguei. Sem embargo do meu labor extenuante, ainda me dizem para procurar emprego, como seu eu fosse inimigo do trabalho. Até o meu ócio é criativo, se você não sabe! Escrever por dez, doze horas a fio é para poucos. Tente, mas escolha o silêncio! Eu sei a resposta que você, em pouco tempo, haverá de dar ao meu repto...

Depois que abandonei o Direito e a Advocacia, para me dedicar exclusivamente à literatura, eu comecei a desfazer, lentamente, as infinitas memórias da minha vida, tentando transformar as experiências traumáticas em maturidade, um saudável exercício para quem se aproxima do flanco descendente da escalada, aquele instante em que começamos a descer a ladeira e se inicia o lento e inexorável declínio do vigor físico, quando o corpo já não acompanha os devaneios da mente.

Mesmo sem muitos leitores, eu continuarei nas trilhas do bom e velho Rocinante, lutando contra moinhos de vento imaginários, como fazia o engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha em seu amor por Dulcinea del Toboso. Ser pobre, dir-se-ia miserável, e ainda escrever — nesse mundo de seres vazios, que não cultivam o hábito da leitura — é bem pior, talvez, do que desafiar moinhos de vento.

Apesar das forças invisíveis que me levam a desistir de escrever — e a falta de remuneração é a maior delas —, eu continuarei sendo essa “metamorfose ambulante”, indefinível, meio louco, por vezes insensato, que mistura Machado com Proust, mas não se esquece de Sartre; que almoça com Victor Hugo e janta com Kafka; que sonha com Freud e se alimenta de Saramago, mas celebra com Vinícius a “Receita de Mulher”, e ainda sonha com aquela “Mulher sem Pecado”, de Nélson Rodrigues, trajando, quem sabe, o seu lindo “Vestido de Noiva”.

 Acreditem, amigos leitores, mas eu realmente sobrevivi ao “Ulisses”, de James Joyce; fui ao “Inferno” e ao “Purgatório”, com Dante; conheci o amaldiçoado “Doutor Fausto”, de Goethe, e o doce “Menino de Engenho”, do tristemente esquecido José Lins do Rego.

 Confesso, porém, que aprendi a ler nos gibis e nos contos de Perrault, de Andersen e de Grimm, para viajar com o “Pequeno Príncipe”, nas asas do “Correio do Sul”, na doce companhia de Saint-Exupéry e seu pequeno avião. Na verdade, só queria passar “Cem Anos de Solidão” com os Buendía, de Gabriel García Márquez.

Com ou sem leitores, eu continuarei a expiar os meus “crimes”, para, quem sabe, receber o merecido castigo, com Dostoiévski. Não quero ser pretensioso, nem arrogante, mas eu gosto mesmo é da “Ilíada” e da “Odisseia”, e não do Instagram ou das fotos da última balada, que só revelam, na aparência de beleza e sucesso enganoso, o vazio de mentes obscuras, o narcisismo de quem nada encontra, em si mesmo, para alimentar o autoamor.

A culpa — bem o sei! ­— é do meu pai e da minha mãe, que me enfiaram nos livros ainda criança, “punindo-me” com educação e cultura! Agora é tarde para esquecê-los.

Eu quero mesmo é me deliciar com a “Divina Comédia”, aprender, com Ivan Fiodorovitch Karamazov, que sou “plenamente mortal”, que não existe ressurreição, para poder, enfim, aceitar a morte com altivez e tranquilidade. Compreender, finalmente, que não há razão para reclamar que a vida é um só instante e que, por isso, eu devo amar de verdade, sem esperar recompensa. Amor é jogo de sedução, e não de poder!

Prefiro viver as angústias de “Guerra e Paz”, com Leon Tolstói, a perder tempo com as “delícias” do Michel Teló. Amo Baudelaire e Rimbaud, não tolero mexericos de aldeia e desprezo quem procura a minha alma nos tênis que eu calço, imaginando que os caminhos da minha existência foram traçados pela Nike, em alguma fábrica da China.

Que me perdoe o Rei Roberto Carlos, mas “esse cara sou eu”, ser humano cheio de falhas, quase sempre solitário, permanentemente insatisfeito, que nasceu nos livros e vai morrer entre eles! Estou longe da beleza de Apolo, não tenho a força de Hércules, nem conheço os caminhos do coração feminino e, muito menos, os segredos da sedução! Não tenho respostas, e mal comecei a descobrir as perguntas! Mas “esse cara sou eu”: miserável, mas não escravo; torturado e fatalista, mas não iludido.

Assim, taciturno e azedo, doce a amargo, triste em alguns dias, alegre em outros, seguirei escrevendo, mesmo que as minhas palavras não encontrem leitores, como acontece quase todos os dias, nesse tempo de memes e pequenas mensagens de 140 caracteres.

A minha página pública do Facebook (“Contos e Crônicas do Araken”), até aqui um completo fracasso (tem apenas 217 seguidores), permanecerá viva até o meu derradeiro suspiro, ainda que seja eu mesmo o meu único leitor.

Em que pese andar desestimulado, agradeço aos 217 amigos que a curtiram, não com a intenção de me lisonjear, algo que definitivamente não mereço, mas para acompanhar os meus escritos e mal escritos.

De tempos em tempos, eu faço um “retiro sabático” e paro de publicar (não de escrever, porém!). Depois de alguns meses de silêncio virtual, eu reencontro o fio da meada, que se perde, aqui e ali, na gravíssima depressão que me acomete. Se essa doença insidiosa se curou? De modo algum! Na verdade, eu comecei a tratá-la, mas desisti da cura. As minhas resistências em buscar, novamente, a ajuda especializada de que necessito — e só um psiquiatra resolveria — são bem maiores do que a vontade de curar a depressão. Escrevo para liberar a peçonha e não morrer envenenado. Só escrevendo, porém, eu não desisto de viver.

Por mais difíceis e obscuros que sejam os caminhos que escolhemos trilhar, a vida só chega ao seu fim, triste e inexorável, quando nos acomodamos ao tédio e vivemos na varanda, sentados em velhas cadeiras de balanço, abandonados pelos parentes e amigos, esperando o nosso próprio cortejo fúnebre passar. Eu sinto que estou próximo desse ponto de dilaceramento. Luto todos os dias contra o meu abismo existencial, faço de cada passo uma lenta agonia, tentando encontrar a esperança que ficou pelo caminho. As minhas noites são especialmente difíceis e torturadas. Os espaços vazios da minha existência — dias de recolhimento, noites de ascetismo e insônia — estimulam o salto no abismo. Para os depressivos, como eu, sempre existe uma ponte para pular, um jeito criativo de morrer. A função da literatura, na minha vida, é dar-me asas para voar. Por ela e através dela, eu resisto e insisto em ficar vivo, mesmo sem motivos para lutar, mesmo cheio de razões para desistir.

Vagabundo, porém, eu não sou! O que eu faço para sobreviver? Escrevo! Por que não sobrevivo, então, do que escrevo? Porque sou escritor, e não agente literário! Por que não contrato um agente literário? Porque não tenho dinheiro; apenas palavras... e palavras não seduzem os homens que saberiam vender o meu peixe...

E, contudo, você ainda diz que eu não faço nada!... Ora, tente fazer o que eu faço: escreva todos os dias do ano, sem receber um só centavo por suas criações literárias, se você for capaz! Escreva quase dois mil textos e os publique em um Blog. Ah, que pena! Você não sabe escrever? É fácil tecer o fio das palavras. Comece da infância, lendo os contos de Andersen, dos irmãos Grimm e de Perrault; na adolescência, passe para os clássicos, até penetrar, timidamente, no reino das palavras. Um escritor não se cria do nada, com um simples estalar dos dedos; ele se constrói ao longo da vida, não com inteligência sobre-humana, mas com milhares de horas de leitura e centenas de livros. Para forjar um escritor, não bastam “memes” e textículos! Elas servem para adestrar ignorantes, palermas e beócios, mas não para criar literatura. Desista, amigo: 140 caracteres jamais o transformarão num escritor! Sem “textão”, não existe arte literária. Dedique-se, mesmo assim, à literatura; faça-o sem recompensas pecuniárias, antes de me reputar vagabundo ou, pior ainda, antes de me recomendar algo que você, em sua infinita boçalidade narcísica, aceite como trabalho.

Sobrevivente, meu caro detrator imaginário, é quem se dedica a desconstruir paradigmas, nesse mundo de "memes" e leituras confortáveis; é quem faz da literatura a ilusão do sustento digno; é quem sobrevive de migalhas lançadas ao vento e, ainda assim, persiste em sonhar com a arte literária; é quem sobrevive, todos as noites, à pulsão de morte, mas não se curva diante dos caprichos e veleidades do leitor; é quem cria personagens, para —  matando-os — não matar a si próprio...

Posso até morrer no processo de me tornar escritor — e essa é uma possibilidade real e até tentadora —, mas não me renderei jamais!  Nem a miséria em que sobrevivo — dolorosa, intensa e degradante — far-me-á ceder às tentações da literatura de aluguel. Sejam quais forem os caprichos que o futuro me reserva, eu jamais me tornarei um escritor de banalidades adoçadas no mel da autoajuda! Prefiro a morte a escrever o que você deseja ler! E não pense que eu me curvarei diante de um emprego qualquer. Desistir eu até posso... da vida... mas não de escrever o que incomoda os leitores.

Jorge Araken Filho, a pedra no seu sapato de cromo alemão, a espinha de peixe na sua garganta sensível, o sol do crepúsculo nos seus olhos irritados, o carrapato na sua pele caucasiana e macia, o piolho no seu cabelo bem tratado, a pedra no seu feijão bem temperado...




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