Todo
castigo pra corno é pouco!
Uma Tragicomédia
Urbana em dois Atos
Figura 1 - Fotografia de Luciano Tavares |
Por
Jorge Araken F. S. Filho
Rio de Janeiro
Abril/2018
PERSONAGENS:
Fonseca — o protagonista
Menezes — amigo do Fonseca
Matilde — esposa do Fonseca
Janete — colega de trabalho do Menezes
Cornélio — marido da Janete
Neidinha — a ruiva da Lapa
Dr. Rômulo — Médico
Rodrigo — Agente da Divisão de Homicídios
Ricardo/Éric Potins — Editor
Natália/Vânia — Relações Públicas da Editora
Narrador — um homem de barba grisalha, alterego de
Sigmund Freud, sentado numa velha poltrona
Elenco de apoio e figurantes — Ricardo, o Deus de Ébano;
seguranças do barzinho na Lapa; um português de bigodes fartos; uma repórter de
televisão e outros personagens do Rio antigo
ADVERTÊNCIA PRÉVIA:
A Peça, escrita para adultos — de preferência
amadurecidos, emocionalmente —, apresenta cenas de sexo, erotismo e violência,
permeando, em sua tessitura narrativa, a temática libertina dos becos da cidade
grande, introduzida, quase sempre, por linguagem chula, burlesca e sem
preocupações estéticas ou gramaticais e linguísticas.
Não é recomendável, por isso mesmo, aos
falsos moralistas nem às pessoas sensíveis à lubricidade humana ou às que ainda
se atormentam com os sentimentos e emoções que o chifre, esse benfeitor da humanidade,
desperta nos corações humanos.
O Autor.
Com
renovado prazer, depois de um longo tempo de maturação — com idas e vindas,
desistências covardes e surtos de coragem infantil —, eu informo aos meus
queridos leitores que, enfim, consegui descer o pano na minha primeira Peça de
Teatro, uma Tragicomédia Urbana, em dois Atos, ambientada no Rio de janeiro,
nos tempos atuais.
O
texto — confesso — já estava pronto desde 2015, mas passou pela fase de
amadurecimento, como os bons vinhos, para que se suavizem os taninos
endurecidos e se equilibrem os aromas e sabores.
É
picante, sem falso moralismo ou preocupação com os conservadores empedernidos e
puritanos das redes sociais, esses pobres de espírito que, seguindo as ondas da
normose, acabaram castrados pela repressão da família nuclear burguesa.
Não
a recomendo aos mais sensíveis e castos, nem a quem se veste de arrogância
ética no inferno das redes sociais. Só para os indignos e imorais, como eu,
para os politicamente incorretos, a Peça poderá ter algum interesse.
A
começar pelo título — “Todo castigo pra
corno é pouco!” —, o meu desejo é visitar, sem convite, os caminhos do
nosso coração vadio, revendo, com olhar satírico e burlesco, os atalhos para a
felicidade sem culpas ou mesquinharias. A vida é muito curta para o amor ser
exclusivo.
Como
o amor, mesmo livre, acaba levando ao tédio, eu acrescentei algumas pitadas de
tragédia.
Aos
hipócritas e moralistas desse mundo — rufiões que se vestem com as batinas da
pureza —, eu recomendo que não se levem demasiado a sério: vocês são bem menos
nobres do que a imagem de castidade e candura que projetam no mundo.
Divirtam-se
os que puderem rir da própria desgraça! Afinal, “Todo castigo pra corno é pouco!” Por isso, não esperem a minha
piedade! O chifre na sua cabeça é problema seu...
Jorge
Araken Filho,
apenas um ser humano que se perdeu das palavras e as reencontrou, solitárias,
nos ermos do tempo.
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS:
Agradeço
a todos que acreditaram na minha nova carreira, ao longo do difícil processo de
formação do escritor Jorge Araken Filho, e, de modo especial, aos meus filhos,
Leandro Pontes Faria da Silva e Hannah Lydia Pontes Faria da Silva, por serem
os únicos motivos de eu não haver desistido de viver nos últimos tempos...
Ao
meu pai, Jorge Araken Faria da Silva, e à minha saudosa mãe, Astrogilda Saraiva
Cruz, eu agradeço o amor pelos livros e pela “última flor do Lácio, inculta e
bela”, a língua de Bilac e de todos nós, lusófonos, que a falamos e amamos como
um bem imaterial.
In
memoriam:
A Peça é dedicada, postumamente, à minha mãe,
Astrogilda Saraiva Cruz, uma mulher notável que sempre amou os livros e que
faleceu, no dia 04 de janeiro de 2017, com um livro no colo, sem ver, infelizmente,
a realização desse meu antigo sonho, que também era o dela.
Ato I
Cena I
(Ao
erguer-se o pano, Fonseca, visivelmente angustiado, fala ao telefone com
Menezes, seu amigo de infância).
— Menezes, é o Fonseca!
— Cara, você não morre mais! Eu já ia ligar. Tive um
sonho estranho ontem, muito louco! Você tá bem?
— Bem, porra nenhuma! As coisas estão acontecendo
todas ao mesmo tempo. Parece que eu pisei em rastro de corno... Perdi uma
promoção no trabalho. Deram-na ao Tavares, um baba ovo aqui do Escritório. Aí
tem coisa... Dizem que ele é bicha e tem um caso com o Diretor! Eu não sei...
Não gosto de fofoca! E tem a porra do meu casamento... Cara, tá uma merda, caiu
na rotina! A Matilde não quer mais transar... não é carinhosa, tá sempre
estressada, com enxaqueca. Ela diz que deve ser problema hormonal... sei lá...
Só sei que tá foda!
— Calma, meu irmão! Isso é falta de boceta. Vamos
almoçar juntos. A gente bate um papo.
— Eu preciso mesmo...
— Em duas horas naquele restaurante da Rua do Lavradio...
o de sempre...
(Depois
da ligação telefônica, faz-se silêncio na cena; Fonseca joga-se no pequeno sofá
do escritório, contemplando, absorto, os pombos que revoam ao longe, pousando nas
janelas dos prédios vizinhos; subitamente, a sua mente vai mergulhando num
devaneio que o faz rever os caminhos do destino. Ouve-se a voz do narrador,
sentado em sua poltrona de psicanalista, com ar freudiano):
Fonseca era um homem de cinquenta anos, casado há
quinze, que trabalhava como Contador em uma grande Empresa de Consultoria e
Auditoria no Centro do Rio. Sempre preterido nas promoções, ainda sonhava com
um cargo de supervisor ou gerente. Avesso a badalações, ele tinha poucos
amigos, que, contudo, acabavam se afastando, quando percebiam que o próprio
Fonseca preferia estar sozinho. Na verdade, ele era meio arrogante e mal-humorado.
Dizia ser insubstituível no Escritório, que imaginava não funcionar sem ele.
Tentando compensar a baixa autoestima, pelas promoções que não vinham, ele sentia
um sádico prazer em diminuir a capacidade dos colegas, sempre encontrando um
defeito que ninguém percebia. Adorava falar sobre si mesmo e seus dilemas,
sempre os piores e mais injustos desafios que um homem poderia suportar na
vida. Todos o evitavam nos corredores do Escritório, fingindo uma distração
qualquer no computador ou no smartphone,
quando ele se aproximava. Nunca o convidaram para a happy hour das sextas-feiras.
Menezes, aos 35 anos, já era Diretor Financeiro em uma
grande Empresa de Marketing. Sempre de bom humor, ganhava muito bem e tinha
fama de conquistador. Usava a estatística, para garantir o abate das presas: — “de
cada dez mulheres que eu meto o papo, pelo menos uma cai! Eu não posso é perder
tempo. Fez cu doce, fez-se de difícil, eu parto logo pra outra! A cada não que
eu recebo, aumenta a minha chance de comer a próxima gata.” — Vangloriava-se
nos corredores. E o pior é que elas caíam no seu papo. As secretárias raramente
escapavam do teste do sofá. Ele parecia um abutre: pegava todas, da princesa ao
dragão, do sapo cururu à Cinderela, novinhas, velhinhas, solteiras, casadas,
viúvas; nada importava, a não ser o sexo. Se tivesse uma racha no meio das
pernas, ele caía de pau! Nunca pensou, porém, em se casar. Aliás, era avesso ao
casamento. Dizia não se apaixonar e debochava dos amigos que caíam de amores
por um rabo de saia.
(As
luzes se apagam e sai de Cena o narrador).
Cena II
(Fonseca
e Menezes, duas horas depois, no restaurante).
— Só tem um jeito de salvar o meu casamento: eu preciso
arranjar uma amante, e rápido! Não aguento mais essa vida. A Matilde nunca foi
religiosa... agora, não sai da Igreja! Eu peço um boquete... ela diz que é
pecado... que Deus não fez a boca pra isso... É só papai e mamãe, e isso uma
vez por mês! Do anelzinho, então, eu não posso nem falar... Menezes, eu não
aguento mais! Eu nunca comi um cu! Que porra de homem eu sou? Feliz é você, que
nunca se casou.
— Fonseca, pense bem antes de fazer merda! Amante só
dá dor de cabeça. Você não sabe mentir! Vou ser sincero: vida dupla não é pra
qualquer um! Quando você mente, mesmo uma mentirinha de nada, tem que inventar
mais dez mentiras só pra confirmar a mentira inicial. Isso é um dom, cara! Você
não nasceu com ele. Vai devagar! É preciso muita prática! Quem trai a mulher
acaba se entregando na mentirinha besta, aquela sem importância, que inventa só
pra confirmar a mentira principal. Vai por mim! A Matilde vai acabar percebendo...
E não esquece que você vai ser obrigado a dar conta de duas... Você não dá
conta nem da sua... Veja lá o que você vai fazer, cara!
— Eu já decidi, Menezes! Você vai me ajudar ou não
vai? Eu sei que a Matilde me ajudou muito na vida. Isso até dói na minha
consciência! Porra, ela se guardou só pra mim: era virgem, quando nos conhecemos.
Também, ela só tinha 17 anos! Eu fui o primeiro e único namorado da sua vida.
Se a Matilde descobrir que eu comecei a trair, pode até se matar.
— É isso aí! Dê valor, cara! Isso é raro. Mulher fiel
como ela é quase impossível de se achar hoje em dia.
— Hoje, eu percebo que fui muito besta. Casei logo,
com medo de perder a Matilde e acabar sozinho na vida, chupando o dedo. Só deu
em merda! Não curti a juventude. Namoramos três anos e já estamos casados há
15. Resultado: eu nunca tive outra mulher, e ela nunca teve outro homem. Por
isso, meu amigo, tá na hora de começar a curtir. Eu tenho até vergonha de dizer
que só comi a Matilde na vida. Cara, não tem perigo nesse lance da amante! Não
existe mulher mais inocente do que a Matilde. Ela não vai perceber nada. Já tem
35 anos, mas não tem experiência da vida.
— E um cara que se casou virgem tem alguma experiência
da vida, Fonseca? — Indagou o Menezes, com ar de ironia.
— Mas eu tô fazendo isso por ela! Se eu não trair, se
não tiver uma válvula de escape, vou acabar abandonando a Matilde, e ela vai
sofrer muito mais. Como eu disse, ela pode até se matar...
— Se você insiste, Fonseca, deixe comigo! Eu sempre
fui seu amigo. Só não quero que você reclame do azar. Vou colocar a Janete na
fita pra você. Ela é gostosa pra caralho! Vou passar o xaveco e ver se ela topa
sair na sexta-feira depois do trabalho.
— Já tenho uma desculpa pra chegar tarde. Invento uma reunião
com o pessoal do Escritório de São Paulo. Ai da Matilde, se me torrar o saco!
Saio e não volto mais. Ela tem que comer na minha mão; o macho lá em casa sou
eu, porra!
— Calma, garanhão, vai devagar! Esse papo é sério.
Você tem 15 anos de casado. Vai ser difícil encontrar uma esposa como a
Matilde. Você não faz ideia de como é viver solteiro. É uma roleta russa! Um
dia você tem alguém, no outro tá com o pau na mão, batendo punheta...
— Menezes, eu sei que a Matilde é uma boa esposa, tem
um ótimo emprego, ganha bem e ainda cuida da casa e da minha filha. Não posso
reclamar da Matilde como esposa, apesar da vida chata que eu tenho com ela. Foi
por isso que comecei a pensar em amante. Pra sair da rotina, eu não preciso de
esposa, isso eu já tenho; eu preciso é pegar alguém por fora, sem compromisso!
Tô estressado? Vou lá, dou uma e pronto! Não incomodo a Matilde. Tá me
entendendo? Ela pode cuidar do resto... Do sexo a amante cuida...
— Vai dar rolo, Fonseca!... — Disse Menezes, meneando
a cabeça em sinal de desaprovação.
— Não dá pra continuar assim, Menezes! Sempre que a
Matilde enche o meu saco é discussão na certa. Ela corre pra Igreja, e eu fico
sozinho. Só eu sei o que sofro na mão dela. Uns dias antes do carnaval, ela
torrou a minha paciência com um papo de amante. Disse que eu estava muito estranho,
que devia ter mulher na parada. Resultado: nós brigamos feio, e ela passou o
carnaval na casa de uma tia em Búzios. Eu acabei sozinho em casa, no carnaval, como
sempre...
— Ela deve gostar dessa tia de Búzios, Fonseca... Desencana!
Isso não significa que ela não goste de você.
— Ela vive me provocando... depois, se enfia na Igreja
ou na casa da tia. Eu não quero mais perder tempo discutindo merda com uma chata evangélica. A vida é
curta! Mulher comigo, agora, vai ser assim: encheu o meu saco, fez greve de
sexo, eu meto rola na amante! Sem compromisso... Depois do banho, eu fico
novinho em folha.
— Mas é perigoso esse passo que você tá querendo dar.
De repente, você vai atrás de outra e acaba sem nenhuma. Mais vale uma boceta
na boca do que um pau na mão, Fonseca... Eu manjo dessas paradas...
— Você nunca foi casado! — Interrompe Fonseca. — Não
entende o significado da flatulência no casamento (risos). O peido é a metáfora da falta de amor. Simboliza o fim de
um ciclo. Depois que um peida na frente do outro ou caga de porta aberta, Menezes,
acabou o romantismo. Se gritar pelo papel higiênico, então, pode esquecer! Fodeu!...
O tesão já era! Quando você vê o absorvente no cesto, aí fodeu de vez! Ainda
tem a porra do mau hálito de manhã, TPM, conta do cartão e o caralho a quatro...
Com a amante, não, é só alegria. Não tem compromisso. Não gostou, mete o pé na
bunda e parte pra outra. A amante tá sempre perfumada, vai dormir em casa
depois da transa e não cobra fidelidade. Quem se fode é o marido. Compra a calcinha
pro Ricardão tirar...
— Você sabe que eu nunca fui casado, Fonseca. Mas você
pode estar enganado... De repente, a Matilde é mais esperta do que você
imagina. Vai que ela descobre e te trai também? E o Ricardão tira a calcinha
que você comprou pra ela?
— Pois fique sabendo de uma coisa: eu confio mais na
minha mulher do que em mim mesmo! Não pense que eu sou bobo. Não tem perigo,
Menezes! A Matilde é por minha conta. Você tem é que meter o papo nessa Janete.
— Cuidarei do seu caso...
Cena III
(Fonseca
e Menezes saem de cena. Só Fonseca retorna, mas já no Escritório. Ele se dirige
ao banheiro, trancando-se no cubículo destinado ao número dois. Retira seu
membro viril e o acaricia, lamentando a falta de mãos quentes que o aquecessem.
Com o pênis enrijecido, o prazer apodera- se da sua mente, e ele se masturba com
a devoção dos adolescentes, enquanto pensa em Janete).
(O
Narrador):
Nesse dia, Fonseca não conseguiu mais trabalhar. Era
Contador, mas, de repente, os números não faziam mais sentido. Só Janete
ocupava seus pensamentos.
(Fonseca,
pensando):
— Será que é loura? Não, deve ser morena! Não importa,
mas tem que ter bunda gostosa, durinha e sem celulite... perna grossa, bem
torneada... ah, e peitos... lindos e grandiosos. E eu vou querer o anelzinho...
Não vou morrer sem comer um... — torturava-se, aflito, por não ter perguntado
ao Menezes alguns detalhes sobre a misteriosa garota do encontro.
(Fonseca
continuava pensando em voz alta sobre a aventura extraconjugal, algo inédito em
sua vida):
— Eu mato o Menezes, faço picadinho, se for uma
baranga. Será que é novinha? De velha, basta a Matilde! — sua mulher tinha 35
anos! — E tem que ser bonita e gostosa: esposa pode ser feia; a amante, jamais!
— Matilde era uma linda morena, puro suco... — É até melhor uma esposa feia,
porque diminui a possibilidade do chifre. Você tem mais chance de ser o pai da
criança. A amante, não! Tem que ser potranca, estilo “cavalona”, senão eu meto o
pé na bunda. Sou um cara de cinquenta anos, experiente; não vou me apaixonar
por vagabunda. Com a Matilde, o papo é sério: se eu me separar, fico sem metade
do que é meu. Ainda tem a Rosana, e eu não quero ficar longe da minha filha nem
muito menos dar pensão. Mas a Janete é outro papo: se não for uma gata, eu mando
passear na hora. Ai dela, se não fizer de tudo, o Kama Sutra inteiro... Cu doce eu só aturo da Matilde. De quenga,
jamais! — Tudo isso passava pela sua cabeça, como um turbilhão.
(E
nada do Menezes... Fonseca tomou quase uma garrafa de café, andou pela sala a
tarde inteira, inquieto, como um adolescente que aguarda a ligação da primeira
namorada. Quando já estava saindo, triste e desiludido, o telefone tocou. Era o
Menezes):
— E aí, desistiu da Janete? Caiu na real?
— Cara, eu sei o que tô fazendo! Conta logo! Ela
topou?
— Fonseca, você tá falando com o Menezes! O meu papo
derruba até avião. É claro que ela topou! Tá de pé! Amanhã, depois das cinco,
na Travessa do Comércio, perto da Bolsa de Valores. Rola um chorinho ao vivo
por lá toda sexta-feira.
Cena IV
(Fonseca
no carro e, depois, chegando à sua casa. Inicialmente, fala o Narrador, no
canto da cena):
Naquele dia, Fonseca não percebeu o engarrafamento.
Ligou o som do carro e procurou uma das suas músicas preferidas. Era outro
homem. Sorria e cantarolava uma velha canção do Roberto, quando abriu a porta
de casa — “Você foi o maior dos meus casos, de todos os abraços o que eu
nunca esqueci” — Matilde, desconfiada, mesmo achando que o marido seria incapaz
de traí-la, estranhou aquela alegria incontida, algo inusitado nos últimos
anos:
— Foi promovido?
— É claro que não! De onde você tirou essa ideia
maluca?
— Não escuto você cantando música do Roberto há uns
dez anos. Vive de cara amarrada. Minha mãe diz que você tá sempre com cara de
cu. Eu digo que a tua cara é um cu mesmo... e cagado...
— Cara de cu tem a tua mãe, aquela jararaca! Você não
pode me ver feliz, que logo dá um jeito de estragar tudo. Caralho!
— Agora, sim, você voltou a ser o velho Fonseca de
sempre: feio, chato, grosso, barrigudo, resmungão e sem graça! — Disse Matilde,
sorrindo com o sofrimento do marido.
(As
luzes se voltam para o Narrador):
Apesar dos insultos, a realidade era bem outra. Por
dentro, Fonseca exultava de alegria, embora não deixasse transparecer, temeroso
de levantar as suspeitas de Matilde. Disse que não estava com fome e foi tomar
banho, para não alongar a conversa. Revirou na cama por horas, olhando o WhatsApp e o Facebook no escurinho do quarto. Só conseguia pensar em Janete.
Enquanto isso, Matilde dormia como um anjo.
No dia seguinte, ele acordou bem cedo, planejando a
desculpa que daria à esposa para chegar mais tarde. Como havia pensado, falou
na reunião com a equipe de São Paulo, acrescentando que teria que servir como
guia, uma espécie de reciprocidade, já que faziam o mesmo com as equipes do
Rio. Pelo silêncio, parece que a esposa engoliu a história.
Pensativo e distante, Fonseca passou o dia fugindo do
trabalho. Deu mil desculpas ao chefe, para escapar das reuniões. Não tirava os
olhos do relógio, nem do celular, temeroso de que Janete desse para trás.
Cena V
(Ansioso
com o encontro, Fonseca caminha para o a Travessa do Comércio. Fala o Narrador):
Quando faltavam quinze minutos para as cinco da tarde,
saiu apressado. Mal alcançou a rua, ligou para o Menezes, que disse estar a
caminho e lhe pediu que o esperasse em um determinado barzinho, na Travessa do
Comércio, próximo ao Arco do Teles.
No caminho, comprou um chiclete, para melhorar o
hálito, e foi ao lugar combinado, um recanto especial, quase uma viagem ao
tempo do Império, um pequeno paraíso urbano, cheio de vielas estreitas, com
antigas luminárias que revelam construções dos séculos XVIII e XIX, algumas bem
preservadas, outras nem tanto. As mesinhas dos bares, em madeira de lei, ficam
dispostas nas ruas e calçadas, onde se contemplam antigos casarios, testemunhas
silenciosas da ascensão e queda do Império brasileiro.
Inseguro com a aventura, Fonseca procurou a mesa mais
discreta, no cantinho da calçada, distante do conjunto, que
tocava “Carinhoso”, um choro do Pixinguinha, com letra do João de Barro,
que lhe trazia velhas recordações, sublimadas no inconsciente, mas ainda vivas.
Lembrou-se de um amor platônico da adolescência, que nunca chegara a beijar.
Passaram-se quinze minutos, e nada do Menezes ou da
misteriosa Janete. Seu nervosismo transformou-se em desespero. Devorou duas
canecas de chope quase sem respirar. Suava frio, esfregando compulsivamente as
mãos: — Deu merda, eu não tenho sorte! — Pensava Fonseca, remoendo o seu
conformismo fatalista: — Devo ter pisado em rastro de corno e tô andando em
círculos! — Ele pensou, depois de mais uma caneca de chope. Tentava escutar a
música, distrair a mente, mas sequer ouvia o som dos acordes.
(Aproxima-se
o Menezes, acompanhado de uma mulher):
— Desculpe o atraso! Quase não consegui me livrar do
trabalho. Fim de ano, você sabe como é, relatórios e mais relatórios que
ninguém lê. E ainda tive que comprar umas coisas pra minha casa de Búzios. Hoje
é sexta, e amanhã eu meto o pé bem cedo. Quero pegar uma praia!
— E a Janete, veio? — perguntou Fonseca, aflito, sem
se dar conta de que havia uma linda jovem atrás do amigo Menezes.
(Fala
o Narrador):
Janete era uma loura realmente bonita, esculpida por
Deus. Ninguém resistia à clássica olhadinha, como quem não quer nada, quando
ela desfilava o seu doce balanço de fêmea no cio. Era uma bunda de proporções
bíblicas e formas divinas. O seu corpo era bem delineado, cheio de curvas,
seios protuberantes e altivos, lábios carnudos, olhos verdes e um sorriso maroto.
Aos 28 anos, aparentava bem menos, surpreendendo o mundo corporativo nas
reuniões. Suspeitavam de favorecimento, embora esses boatos corressem à boca
pequena, nos corredores e salões de café. Ninguém ousava desafiá-la, nem mesmo
os diretores, uns temendo represálias e acusações de assédio sexual, outros
para não sepultar o desejo de tê-la na alcova.
(Menezes
apresenta a jovem ao seu lado):
— Desculpe-me, Fonseca, eu ia me esquecendo de
apresentar a Janete, uma colega do escritório. Esse é o Fonseca, o amigo de que
lhe falei!
— É um prazer conhecê-la! — Disse Fonseca, suando
frio, com as mãos trêmulas.
— O prazer é todo meu! O Menezes me falou muito bem de
você. Disse que tinha sido Vice-Presidente de uma das “Big Four”, mas
estava montando uma Consultoria própria. Ele até mencionou que você está
procurando jovens inovadores para cargos de diretoria...
— Ele é meu amigo! Deve ter exagerado um pouquinho.
Mas ele não me falou que você era assim tão bonita... Meu Deus!... Mas... você
trabalha com o Menezes? — Interrompeu Fonseca, gaguejando e tentando mudar de
assunto, visivelmente constrangido com as mentirinhas do amigo Menezes, que
piscava o olho entre sorrisos.
— Obrigada pelo elogio! Diretamente com ele, não! Sou
Gerente de Projetos Ambientais! Mas estamos sempre juntos, principalmente nas
reuniões. Ele é Diretor Financeiro, responsável pela viabilização dos capitais
necessários aos projetos da Empresa, inclusive aos da minha área. Mas esse papo
de escritório não interessa agora. Estamos aqui pra relaxar!
— É isso aí! Vamos brindar a essa nova amizade que se
inicia. — Celebrou Fonseca, descontraindo o semblante, agora mais aliviado com
o novo rumo da conversa.
Depois de alguns chopes, que o fizeram mais ousado,
Fonseca pousou a caneca sobre a mesa e resolveu ir direto ao assunto — É agora
ou nunca! — Pensou ele, num raro surto de coragem:
— Não me leve a mal, Janete, mas eu preciso fazer uma
pergunta: você é casada? O Menezes deu a entender que era solteira, mas eu tô
vendo a marca da aliança no seu dedo.
— Tecnicamente, eu sou casada! Na verdade, eu ainda
moro com o meu marido, embora não tenhamos mais nada um com o outro; até
dormimos em quartos separados. Ele sai pra onde quer, e eu também. Sempre
pensamos em nos separar, mas vamos adiando toda vez que rola o papo de dividir
as coisas. E você? É casado?
— Será que é a deixa pra tentar alguma coisa? Ela é
casada! Tô ferrado! O Menezes não me disse nada. — Pensou Fonseca, visivelmente
angustiado, temendo receber um não, logo no primeiro encontro. — Eu sou casado,
mas estou entediado com o casamento. — Respondeu, tentando não dar detalhes
sobre a esposa, sentindo-se culpado, talvez, pela traição.
(Ilumina-se
a poltrona do canto da cena, e fala o Narrador):
O momento de silêncio indicava a hesitação do Fonseca.
Seu semblante o traía, revelando, nas contrações involuntárias dos músculos
faciais, que aquilo não era certo. Atos falhos, lapsos de linguagem, o rosto
tenso, tudo conspirava contra o Fonseca, mostrando que as suas ações e reações
conscientes, que tentavam mostrar um homem amadurecido para o adultério,
estavam sendo traídas por processos inconscientes, cuja existência ele mesmo
não percebia, ao menos de forma consciente. O desconforto com a traição à esposa,
que seu ego recalcava, para diminuir
o peso da culpa, irrompia na consciência. Era revelado nos atos falhos, que
expunham, em gestos e trejeitos involuntários, a dissonância entre a intenção
consciente de ter um caso e as censuras ao adultério, que surgiam como
conteúdos do inconsciente. Ainda não havia traído, e já se sentia culpado.
Enquanto se digladiava por dentro, o remorso corroía a sua vontade.
Menezes, que nunca vira o Fonseca daquele jeito,
começou a perceber que o amigo precisava de ajuda. Mas ele, Menezes, também
tentava disfarçar a sua própria aflição. E tinha razões ocultas para isso...
(A
luz da cena volta-se para a mesa do Bar):
— Caralho, que cara mole! Daqui a pouco, ela esfrega a
xereca na cara do idiota... é capaz dele sair correndo, com medo. — Pensava o
Menezes, agitando as pernas, contrariado por ver que o amigo não pegava nem
gripe. — Fonseca, eu dei o número do seu telefone para a Janete. Assim, vocês
podem conversar no WhatsApp. — Atalhou
o Menezes, ao perceber que o amigo estava literalmente travado.
— Fez bem! Assim, nós poderemos conversar com mais
calma.
— “Com mais calma?” Ele tá parado! Nem conheço esse
otário. Puta que o pariu! — Pensou o Menezes, segurando o grito na garganta. —
É verdade! — Limitou-se a dizer, meneando a cabeça de um lado para o outro, em
sinal negativo, e revirando os olhos, com uma visível expressão de
contrariedade.
(Depois
de algumas horas, a despedida):
— Já é tarde, eu preciso ir! — Disse Janete, olhando o
relógio.
— Eu também! — Respondeu o Menezes, logo em seguida.
(Despediram-se
com promessas de novo encontro na sexta-feira seguinte. Conversa típica de
botequim... No meio da bebedeira, sempre surge esse papo de nova rodada. No dia
seguinte, ninguém se lembra).
Cena VI
(Fonseca
está em casa, aflito. Naquela noite, ele mal falou com a Esposa, evitando a sua
aproximação. Seria melhor que ela não percebesse o cheiro de bebida em seu
hálito. Disse estar cansado do trabalho. Só queria tomar banho e dormir. Deu
boa noite, pedindo a Deus que Matilde não prolongasse a conversa. Ela apenas
disse que iria à vigília na igreja! No dia seguinte, logo cedo, ele mandou uma
mensagem para Janete):
— Perdoe-me, se eu pareço precipitado, mas gostaria de
almoçar com você qualquer dia.
(Nada
de resposta! A angústia tomou conta do Fonseca, que realmente não sabia o que
era autoestima. Inseguro, imaginou mil e uma razões para destilar o seu
desprezo por Janete).
— Juro por Deus que eu nunca mais vou mandar mensagem
pra Janete! Aquela piranha já me esqueceu. Aquela sem vergonha... casada... É
pior do que motosserra: não pode ver um pau em pé, que derruba. Aquela puta só
dá mole se puder subir na vida. Comigo, não! Tô fora! Não vou ser besta pra vagabunda.
Essa safada não conhece o Fonseca! — Ele pensa em voz alta.
(Algumas
horas depois, desesperado, ele envia outra mensagem a Janete):
— Acho que a minha mensagem não foi lida, querida
Janete. Mas eu vou insistir no convite para almoçarmos juntos qualquer dia, só nós
dois.
— Que merda! Eu sei que a mensagem foi lida. Mandei
pelo WhatsApp, e ficou com dois riscos azuis... Caraca, e ainda mandei aquele
“só nós dois”: pareceu desespero de adolescente. Ela vai me achar um babaca imaturo!
(Aquela
noite foi longa para o Fonseca):
— Ainda bem que toda sexta e sábado a Matilde tem
vigília na Igreja. Pelo menos não haverá “encheção” de saco!
(Na
manhã seguinte, ainda bem cedo, Janete manda uma mensagem):
— Desculpe não ter respondido ontem. Tive um dia
cheio: salão e outras coisinhas de mulher. Hoje, eu tô de boa, só descansando.
Quanto ao almoço, pode marcar.
— Que tal hoje mesmo, já que é domingo, e você está
menos atarefada?
— Pode ser! — Respondeu Janete, duas horas depois.
— Antes que ela desista ou saia com outro, eu vou
marcar o encontro. — Pensou Fonseca, mergulhando na insegurança dos
principiantes na arte da concupiscência, esses que desejam trair, mas são
perseguidos pelo anjinho do ouvido direito. Tratou logo de enviar a resposta:
— Se você ainda não almoçou, vamos nos encontrar na
Lagoa? A gente come no Lagoon. Pode ser?
— Pode, sim! Tá fechado.
Cena VII
(Fonseca
vai ao encontro de Janete. Depois de tudo combinado, os pombinhos
encontraram-se. Já passava das três. Fonseca, meio tímido e perdido, e Janete,
bastante segura de si. Conversaram durante uma hora, entre sorrisos e
intimidades. Sentindo-se mais seguro, depois de duas caipirinhas, Fonseca criou
coragem e fez o convite):
— Vamos sair mais tarde? Queria ir a um lugar mais discreto,
só nós dois... — Disse Fonseca, visivelmente ruborizado.
— Ufa, pensei que fosse ficar só nisso! Tava me sentindo mal.
Comecei a pensar que você era gay.
Tem muito homem casado que vira Cinderela, quando cai a noite...
— Eu sou é macho, Janete! Pode perguntar ao Menezes! —
Interrompeu o Fonseca, exaltado e visivelmente nervoso.
— Por que ao Menezes? Hummm... Entendi tudo...
— Não... não é isso... O Menezes... sabe, porque... —
Ele gaguejava, quando Janete o interrompeu com uma gargalhada sonora e
estridente:
— Relaxa, Fonseca, eu tô te zoando.
— Eu não sou gay!
Deus me livre. Eu tenho até hemorroida para provar...
— E se o
Menezes empurrar essa hemorroida pra dentro?
— Só pra me sacanear, aquele filho da puta te falou
que eu sou veado! Só pode...
— Há, há, há!... Esquece isso! Vamos voltar à nossa noite
de hoje. Só sairemos com uma condição! — Falou Janete, franzindo a testa e
assumindo uma expressão de seriedade.
(Fala
o Narrador):
Aflito, mas resolvido a sair do tédio do seu
casamento, Fonseca perguntou o que seria a tal condição, embora estivesse
disposto a aceitar qualquer coisa, até ser sodomizado por um vibrador, se isso
agradasse à cobiçada Janete.
(A
iluminação se volta para Fonseca e Janete):
— Qual é a condição? — Perguntou por curiosidade, mas
já com o “sim” na ponta da língua.
— Você tem que prometer que não se apaixonará por mim!
— Só isso? É moleza, Janete! Não se preocupe, eu sou
um homem maduro e bem resolvido. Prometo não me apaixonar por você! Eu sou
casado, como lhe disse no dia em que nos conhecemos, mas o tédio me força a
buscar algo mais! Existem coisas que o homem só pode fazer com a amante... A
mãe da minha filha é sagrada; pode ser chata, poderia até ser puta, mas é a mãe
da minha filha! Você sabe como é...
— Eu fico aliviada! — Disse Janete, com visível
satisfação.
(Incentivado
pelo assentimento de Janete, Fonseca exagera um pouquinho na dose):
— Algumas coisas, o homem não pode levar pra casa. A esposa tem que
ser preservada dos desejos incontroláveis que o homem sente. Pra isso, é melhor
encontrar uma pessoa legal, carinhosa, como você, Janete, que vive a mesma
situação e deseja preservar o marido dos impulsos carnais. A relação com a esposa
é prosa, instinto de reprodução; com a amante, é poesia, puro deleite.
— Não precisa bater no peito e marcar território como
um gorila! Apenas tome cuidado! Eu não
desejo iludi-lo! Homem casado, quando se apaixona pela amante, vira cachorro! É
deprimente homem assim. Eu tive muitos que me prometeram não se apaixonar, mas
acabaram de quatro na minha porta, implorando exclusividade.
— Não se preocupe! Eu sou um cara maduro e bem
resolvido comigo mesmo. Eu jamais me tornaria um cachorrinho, lambendo as suas
mãos em busca de carinho. — Completou Fonseca, sem tirar os olhos do decote da
bela Janete.
Cena VIII
(Fonseca e
Janete encontram-se no Motel. Fala, inicialmente, o Narrador):
Naquele mesmo dia, eles se encontraram em um Motel na Barra da
Tijuca. Abriram uma garrafa de Champanhe, comprada pelo Fonseca, que desejava
mostrar o seu lado romântico. Janete estranhou um pouco o champanhe — que
considerou romântico demais, para uma transa tão casual —, mas acabou tomando
duas taças.
Pouco à vontade, Fonseca foi ao banheiro e demorou uns
dois ou três minutos. Queria pensar sobre o próximo passo. Resolveu tirar a
roupa, para quebrar o gelo. Iniciou uma masturbação, para que o seu “amiguinho”
ficasse um pouco mais imponente. Já saiu do banheiro pelado, com o pacato
cidadão a meia bomba. Janete estranhou a repentina nudez do bom e velho Fonseca,
que contrariava um pouco a imagem romântica que ele tentava passar. Foi também
ao banheiro e voltou usando apenas uma calcinha vermelha, que revelava quase
tudo, menos o orifício da sua castidade dorsal e os lábios carnudos da sua
vulva.
Ele a tomou nos braços, sugando, com a voracidade dos
meninos famintos, os seus lindos seios, já intumescidos pela excitação. Com as
pontinhas dos dedos, percorreu a sua vulva rosada, totalmente sem pelos. Sentia
uma volúpia incontrolável, meio sádica, uma estranha vontade de espancá-la sem
piedade, até que ela suplicasse o seu perdão. Com a pontinha da língua, ele tocou
o doce ninho do amor daquela jovem de coxas grossas e bem torneadas, sorvendo o
seu mel, que escorria em jorros profusos e translúcidos. Suspirando ternamente,
quase em transe, a cada delicioso toque do seu clitóris, ela gemia,
contorcendo-se em espasmos que percorriam seu corpo retesado. Seus corpos,
entrelaçados, dissolvidos no êxtase, fundiam-se num só, enleados pelo prazer.
Fonseca beijou-a, mordiscando os seus lábios carnudos. Sentia o doce sabor
pecado, a plenitude da alma e do desejo, desabrochando no gozo do instante
infinito.
Ela correspondia às suas carícias, contorcendo-se de
prazer a cada movimento da língua. Com as mãos, Fonseca acariciava os seios de
Janete, que se arrepiavam, trêmulos e intumescidos, ao contato das suas
carícias. Sentia-se rejuvenescido com a volúpia daquela jovem cheia de vida;
ele estava inebriado com o seu corpo perfeito, dourado pelo sol da manhã,
repleto de curvas e vales profundos, marcados pelo pequeno biquíni tatuado na
pele.
Mas Fonseca tinha medo de falhar... Isso já acontecera
algumas vezes na sua vida. Hesitando, ergueu a cabeça e a olhou nos olhos. Seu
companheiro ainda estava ereto, latejando em pequenos espasmos... Mas por
quanto tempo? — Ele se perguntava.
Virando-a de costas, ele a segurou pelos cabelos,
lembrando-se da cena que vira em um filme de sadomasoquismo. Com estranho
furor, o seu membro, rígido como a espada cintilante, foi rompendo cada
pedacinho da sua vulva umedecida. Mal a devassou, e seu êxtase irrompeu em
gozo. Entre palavras desconexas, seu corpo flutuou num gozo profundo, eterno e
etéreo. Suave como o sono mais profundo, perdendo os sentidos, o seu pênis,
lentamente, foi adormecendo na vagina úmida de Janete. Ele não ouvira as
súplicas para que continuasse...
(Emudece
o Narrador de Motel e se ouve, na cena, o confuso sussurrar do Fonseca):
— Aiiiiii, Janete, eu te amo! — sussurrou, num ato
falho, no instante em que gozava.
(Janete
fingiu não haver escutado a declaração de amor, mas ficou ressabiada).
— Foi bom pra você? Foi bom demais, não foi, Janete?
Gozei muito! — Disse Fonseca, levantando-se para ir ao banheiro, quase
deslumbrado com o seu próprio “desempenho”.
(Janete
preferiu não reclamar da morte precoce daquele membro que jazia sem vida. Já se
habituara ao marido, que era veloz como um galo, na hora do sexo):
— I... nes... que... cível... — respondeu, pausando em
cada sílaba e sem disfarçar o tom irônico da voz.
(Alguns
dias depois, eles marcaram um fim de semana em São Paulo, sob o pretexto de um
Seminário sobre gestão estratégica. Passaram dois dias em Atibaia, num Resort
de luxo).
Cena IX
(Fonseca
e Menezes ao telefone):
— E aí, Menezes? Nunca mais deu notícia!?
— Eu? Foi você que sumiu! Já soube que andou saindo
com a Janete.
— Cara, é verdade! A gente foi pra Atibaia se divertir
um pouco e sair da rotina. Passar o fim de semana com a “amante” não tem preço,
principalmente quando a gente não conhece o marido dela... Sem brincadeira, Menezes,
eu encontrei a mulher da minha vida. Vou separar da Matilde e casar com a
Janete.
— Mas a Janete é casada! Eu conheço o Seu Cornélio,
marido dela. O cara é gente boa, um homem manso e cordial, tá sempre sorrindo.
Um bom papo. Ele gosta muito de mim e sempre diz que eu sou um cara legal!
— Eu já decidi, meu irmão! Como foi você o cupido, eu achei
que deveria ser o primeiro a saber.
— O segundo, você quer dizer... depois da Janete!
— A Janete ainda não sabe! Eu só vou contar depois de
separar da Matilde. Quero fazer uma surpresa e já chegar com a aliança e um buquê
de rosas vermelhas.
— Fonseca, fale antes com ela! Eu conheço bem a
Janete, muito mais do que você imagina...
— Você não está insinuando que já comeu a Janete?
— Já comi, sim! E também sou amigo do Seu Cornélio.
Ele não merece saber de uma coisa dessas. Escondido, não tem problema: o que os
olhos não veem o coração não sente... Mas você quer contar, porra! Aí já é
sacanagem.
— Cara, você nunca me falou que comia a Janete? Isso,
sim, é sacanagem!
— Em primeiro lugar, você não me pediu uma virgem, e
eu nunca disse que ela era santa. Em segundo, faz tempo que eu tenho um rolo
com ela. Eu nem sonhava que você seria capaz de trair a Matilde.
— Menezes, deixe pra lá! Dessa vez, eu o perdoo, mas
vê se não come mais a Janete! E não fala pra ela que eu irei me separar. Eu
mesmo lhe darei a notícia do divórcio, assim que resolver com a Matilde.
— Tem certeza de que a Janete vai casar com você? Pensa
bem no que eu tô dizendo! Depois, não me venha com chororô.
— Menezes, eu me apaixonei pela Janete. Vou pirar, se
não me separar da Matilde e casar com ela. Cara, a vida é curta: se eu só consigo
ficar de boa, quando tô com a amante, ela tem que ser promovida a esposa. Se a
Matilde não suportar a vida sem mim, e acho que vai acabar acontecendo isso, eu
já tenho a solução perfeita: a Janete se torna esposa, e a Matilde, amante. É
simples! Só se vive uma vez, e o tempo tá passando! Eu já pensei em tudo.
— Boa sorte nessa “piração”, Fonseca!
Cena X
(Fonseca
e Matilde entram em cena, iniciando um diálogo tenso no quarto do casal).
— Matilde, eu quero o divórcio! Faz tempo que o nosso casamento
acabou. Não temos nada a ver um com o outro. Se não fosse a nossa filha,
Rosana, eu já teria me separado há uns dez anos, quando você começou a se
afastar de mim. Já aluguei um apartamento. Mudo amanhã. Eu já tomei a minha
decisão e não quero choradeira!
— Choradeira? Coitadinho! Eu não vou me humilhar por um homem como
você: velho, feio e barrigudo! Por mim, você pode até morrer, Fonseca. Mas já
que resolveu brincar de dizer a verdade, eu também vou contar uns segredinhos...
Tem certeza de que vai aguentar?
— Nada que você disser vai me deixar pra baixo! Nunca estive tão feliz,
Matilde.
— Não diga que eu não o avisei: nunca soube o que é orgasmo
transando com você, Fonseca. Eu sempre finjo, faço cara de que estou nas nuvens,
dou até gritinhos, pra acabar com o tormento que você chama de sexo. Quando o
homem é ruim de cama, calça frouxa, borracha fraca, como você, a mulher finge o
orgasmo, pra se livrar dele! Homem é mesmo um bicho besta! O cara se empolga,
goza como um galo e ainda se acha o maior pica das Galáxias... Há, há, há...
Quer saber? Você é uma merda na cama, Fonseca!
— Mentira, sua cachorra! Quando eu a pegava de jeito, você
enlouquecia. Sempre esculachei na cama. Agora vem com esse papo?...
— Assim, você quer dizer? — E Matilde começa a se contorcer, gemendo
e sussurrando no ouvido do Fonseca:
— Me dá esse pau grande e grosso, Fonsecão! Tô toda molhadinha. Mete
tudo, acaba comigo, me mata com esse pauzão delicioso! Sou a sua putinha... Eu
quero que você me coma de quatro. Ai, delííííciaaaa... tô gozando, mete mais...
vai, mais rápido, me arregaça, machuca, gostoso... — E Matilde gemia, crispando
o rosto de prazer e simulando um orgasmo inesquecível. Era assim, Fonseca? —
Perguntou Matilde, sem disfarçar o tom de sarcasmo. — Eu só falava o que você
queria escutar, para que você gozasse logo e saísse de cima de mim. Pau grande?
Essa minhoca que você chama de “sucuri”? Há, há, há! Não me faça rir, Fonseca!
Você nunca me viu gozar, porque nunca estava perto, quando isso acontecia...
Enquanto os homens fingem o amor, nós, mulheres, fingimos o orgasmo! Você nem
imagina o que eu aprendi com o seu amigo Menezes...
— Sua vagabunda, o que você está insinuando? Você deu pro Menezes?
Aquele filho da puta vai me pagar!
— Dei e gozei muito! Ele, sim, tem uma naja que cospe veneno... Ai,
que delícia! — Matilde, com as mãos afastadas mais de um palmo uma da outra, dá
a Fonseca uma ideia do dote de Menezes, enorme, gigantesco...
— O que significa esse gesto com as mãos, Matilde?
— É pau grande, Fonseca! É pau grande, meu querido, e nesse quesito
você foi desprezado pela natureza... Aprende logo, Fonseca! Mulher que não trai
morre de tédio. E você não quer bancar o santo agora! Não existe homem fiel! O
único que existia, coitadinho, já nasceu morto.
— Pois eu sempre fui fiel e honrado, Matilde!
— Sei... Me engana que eu gosto... Deixe de ser sonso, Fonseca! Eu já
sei do seu caso com a Janete. O Menezes contou-me tudo. Ele me ligou, e nos
encontramos no Centro. Disse que tinha uma bomba, mas você não podia saber que
ele estava me contando. Eu fui, e ele me contou do encontro no barzinho. O
Menezes me disse que você tinha conhecido a Janete no escritório dele, e a convidou
para esticar no barzinho. E ainda o chamou para ir junto. Eu já sei de tudo,
Fonseca. A casa caiu, seu hipócrita!
— Aquele canalha, fura-olho! Eu nem conhecia a Janete. Foi ele que me
apresentou. Até insistiu...
— Ainda bem que o Menezes me consolou gostoso...
— Eu sei, ele enfiou o consolo em você!
— Ou isso... E foi delicioso! Mas quem nasceu pra ser Fonseca nunca
chega a Menezes. Eu só lhe dei o troco, meu querido! Vingança de mulher é
chifre...
— Sua piranha! Você vai morrer, vagabunda!
— Você não mata ninguém, seu velho broxa! Carrega essa minhoca sem
veneno que se finge de cobra, mas não tem presa pra morder ninguém... E ainda
fica babando por essa vagabunda do escritório, uma ridícula, casada, que mete
chifre no marido com um homem velho e feio como você.
— Mas ela quis o feio e velho...
— Meu filho, pode apostar, aí tem coisa... Ela não deve saber quem é
você. Pois eu, quando quero trair, escolho logo um gato cheio de grana, gostoso,
com pau grande e bom de cama, como o Menezes, e não um velho ferrado, com um
pênis infantil e, ainda por cima, broxa, como você.
— Agora, depois de me usar por tantos anos, você me chama de velho.
Eu lhe dei os meus melhores anos, Matilde.
— Se esses foram os seus melhores anos, eu nem quero estar por
perto, para saber como serão os piores. Fonseca, nem pra ser corno você presta!
O seu pênis infantil não dá nem pra coçar o pinguelo da sua amante. Ela deve
ter dado boas risadas, quando você tirou a roupa. Quer saber mais? Eu dei pro
Menezes o anelzinho que você sempre implorou, mas eu nunca dei. E dei com gosto.
Que homem maravilhoso, o Menezes! Acabou comigo. Passei o dia todo sem
conseguir sentar... Nem Hipoglós deu jeito depois, mas foi uma delícia. Na
terceira vez, eu já estava acostumada...
(Indignado,
sentindo-se ultrajado em sua masculinidade, Fonseca começa a chorar
convulsivamente. Atira-se ao chão, ajoelhando-se aos pés de Matilde):
— Terceira vez? Tadinho do seu cuzinho, meu amor! Tá doendo? O
Menezes é um monstro! Eu faço massagem com Gelol...
— Vai passar gelo no cu da sua mãe, seu corno1
— Diga, pelo menos, que ele não transa melhor do que eu, por favor!
Fale que o meu pau é maior do que o dele! Eu sei que é... Ou não é?... Não me deixe
sofrer assim, Matilde! Eu peço de joelhos. Por que você me contou? Eu não
precisava saber da sua traição. Mas eu a perdoo assim mesmo! Você me traiu, mas
a culpa foi minha. Eu é que peço perdão. Perdoe-me por tê-la forçado a me trair,
não sendo o homem que você precisava! Eu não quero mais saber da Janete. Eu
juro! Eu te amo!
— Há, há, há... E quer saber mais, seu otário? Eu
perdi a virgindade com 13 anos... Hímen complacente? Há, há, há... Homem é
mesmo um bicho besta! É só assoprar um pouquinho o ego masculino, que vocês pegam ar. Depois, basta a agulha da
verdade... Há, há, há... e ainda se acham o sexo forte...
(Matilde
entrou no banheiro. Fonseca, ajoelhado, baixou a cabeça, colocando as duas mãos
no chão. Sentia o peso do mundo em sua cabeça. Acabara de levar chifre, e do
seu melhor amigo, um homem jovem, lindo, superdotado e rico. A sua cabeça doía;
parecia que um tumor estava nascendo... Fonseca achou melhor ir para um hotel,
antes de fazer uma besteira e acabar matando a esposa, tal era o ódio que
sentia naquele momento. Ele estava disposto a nunca mais pisar em casa. Enquanto
fazia as malas, tentava convencer-se de que a separação de Matilde era um fato
sem importância):
— Uma vadia como a Matilde, velha e sem graça!? Ela
quer o Menezes? Que fique com aquele filho da puta! Eu tenho a Janete, que é
muito mais nova e faz o que eu quero na cama. Dá o que a Matilde nunca me deu,
e tá caidinha por mim. Se ela pensa que vai me derrubar, tá muito enganada. Não
vou ficar chorando pelos cantos. O diabo é que eu não sei quantos centímetros
tem o pau do Menezes. Será que é maior do que o meu? — Murmurava, com a régua e
seu “companheirinho” enrijecido nas mãos. Depois de medi-lo três vezes, começou
a chorar convulsivamente...
Cena XI
(Ouve-se a voz
do narrador, fora da cena, enquanto Fonseca, já no Hotel, mergulha nos seus
devaneios):
Era assim que o Fonseca tentava lidar com a dor e a decepção, simplesmente
negando que sofria. A sua mulher, na cama, com o Menezes, contudo, era uma
visão inesquecível, um trauma que não o abandonava. Apesar das lágrimas, que
escorriam, profusas, ele imaginava a Matilde de quatro, dando a outro homem o
que ele tanto zelara, esperando saborear um dia:
(Ouve-se o
Fonseca, murmurando):
— Passei 18 anos guardando aquele cuzinho pro Menezes
arregaçar desse jeito. Que filho da puta! E ainda dizia ser meu amigo... Tô até
vendo os ovos daquele Canalha batendo na bundinha do meu amor. A puta da
Matilde, quando eu pedia o anelzinho, sempre respondia que era contramão, zona
proibida, área de contaminação nuclear. Ordinária! Que vida a minha! Ela nunca
me deu aquele cuzinho! Que vadia safada! Mas será que ela gozou?
(As
lágrimas escorrem do seu rosto, enquanto ele se masturba, imaginando o Menezes,
impiedoso, devassando o paraíso proibido da sua Matilde. Fonseca goza
profusamente. Enquanto ele se masturba, choroso, ouve-se a voz do narrador, no
canto da cena):
A dor que experimentava no coração, algo que o seu
orgulho não lhe permitia aceitar, era maior do que imaginara que seria, quando
decidiu separar-se. Nunca passara por sua cabeça ter sido traído. Depois do
orgasmo, engoliu as lágrimas e abriu um sorriso estranho, quase diabólico. A
sua consciência recalcou os conteúdos penosos, e estes, vagando no
inconsciente, acabaram retornando, indiretamente, à consciência como sintomas.
Fonseca, neurótico, quase em delírio, começou a imaginar a melhor vingança...
Absorto em seus devaneios, ainda letárgico, imaginando
as tórridas cenas de sexo entre a sua esposa e o amante, Fonseca sai, deixando
as chaves da casa sobre a mesa da sala.
Cena XII
(Fonseca,
sozinho, em um quarto de hotel barato, dois dias depois. Fala o Narrador).
Sem desfazer as malas, já que se mudaria, em breve,
para o apartamento que alugara, ele tomou um banho no hotel e, de súbito,
lembrou-se de Janete. Precisava contar-lhe sobre o rompimento com Matilde. A
sua imaginação viajava em terras distantes, imaginando a alegria incontida da
amante, quando soubesse que ele, o bom e velho Fonseca, estava disposto a
torná-la esposa, livrando-a do tédio da sua vida com o marido, o manso e amável
Cornélio.
(Enviou,
então, uma mensagem):
— Meu amor, eu preciso vê-la com urgência! Tenho uma
ótima notícia. Não vou adiantar nada. Será uma surpresa. Estou certo de que
será o dia mais feliz da sua vida.
(Por
dois dias, nada de resposta. Enviou dezenas de mensagens, cada vez mais
inseguro. No terceiro dia, Janete aceitou o convite para um encontro em um
barzinho, perto da Bolsa de valores).
Cena XIII
(Fonseca
compra uma dúzia de rosas vermelhas, um urso de pelúcia gigante, com um coração
preso entre as patas, e vai ao encontro de Janete, no lugar marcado):
— As rosas simbolizam o amor que eu sinto por você e o
urso, o abraço que nos unirá para sempre! Janete, eu te amo! Nunca me senti
assim por ninguém. — Declarou, de joelhos, liberando a torrente de palavras que,
por toda a sua vida, represara no coração.
(Lançando
ao chão o buquê, Janete foi cruel):
— Que porra é essa de amor? Eu falei pra não se
apaixonar por mim! Você até jurou. Cara, lidar com homem fraco é foda!
— Mas a culpa foi sua, Janete! Você foi me conquistando...
Eu simplesmente não resisti. Você me fez esquecer a vagabunda lá de casa, aquela
sem-vergonha que me traiu; mas a ela não amo, e a você eu amo com todo o meu
coração. Você é sagrada para mim! Mas não se preocupe, eu já me separei da
Matilde, para me casar com você.
— Casar comigo? Você tá delirando? Agora eu vi o
capeta: você me transformou na sua vaca sagrada! Até um dia desses, era a
Matilde... Marido eu já tenho, Fonseca! Eu quero é amante! Se quisesse um
marido, seu otário, eu teria ido pra a cama com o meu, e não com você. Pelo
menos, ele não goza tão rápido e me deixa na mão...
— Não fale assim, eu imploro! Estou numa fase difícil.
Eu me mato, se você não me quiser! Dou a minha palavra de honra: eu meto uma
bala na cabeça, Janete!
— Pode pular do prédio agora mesmo! Aproveita que a
janela tá aberta. Cara, você é patético!
(Fonseca
cai num choro convulsivo, tentando conquistar a misericórdia de Janete. Esta,
porém, impiedosa e fria, diz simplesmente):
— Seja homem, Fonseca! Pare de chorar! As suas
lágrimas não me comovem. Odeio homem mole! Nunca mais me procure! A única
qualidade que eu via em você, Fonseca, era o fato de ser casado. Agora, você
estragou tudo. Trepar, que é bom, todos os homens que eu tive treparam melhor
do que você. Bem que eu não queria sair com você... Eu até perguntei ao
Menezes, no dia do nosso primeiro encontro, se você não iria pegar no meu pé.
Ele me garantiu que você era bem casado e só queria uma aventura. Então, eu aceitei,
apesar da péssima impressão que me causou essa sua cara de otário.
— Vagabunda! Eu a odeio, sua ordinária! Vou contar pra
todo mundo que você não presta. Subiu na vida trepando com os chefes. Um dia se
arrependerá do que está fazendo comigo. Voltará rastejando, mas receberá o meu
desprezo. Você acabou com a minha vida!
— Eu acabei com a sua vida? Não me venha com essa! A
sua vida nunca prestou. Eu o fiz jurar que não se apaixonaria por mim.
— Eu juro amar menos, se é isso que você deseja!
— Conheço o seu tipo de homem. Carente e pegajoso, finge-se
de certinho e bom moço, mas está sempre infeliz e quer arrastar as pessoas
minimamente felizes para a sua própria infelicidade. Vive no tédio, cheio de
culpas e censuras morais. Um dia, depois de muitos anos de casamento fingido,
sem excitação e sem sexo, procura uma mulher mais nova, para sugar o seu corpo
e a sua alma como sanguessuga. Imaturo, acaba se apaixonando, fazendo da mulher
mais nova a sua muleta emocional, como se os dois se fundissem numa só pessoa.
Tô fora, Fonseca!
— Não, Janete, você pode fazer o que quiser comigo,
pode me maltratar, pode me bater e até me trair! Só imploro que não me
abandone! — Gritou Fonseca, quedando-se de joelhos e unindo as mãos, em oração
de súplica e autopenitência.
— E tem mais, seu resto de homem: se eu escutar alguma
fofoca sua a meu respeito, eu conto pra todo mundo o tamanho dessa mixaria que
você chama de “anaconda” — disse Janete, quase juntando as pontinhas dos dedos.
Ela sorria, sarcástica, olhando com desdém aquele resto de ser humano que
rastejava, de joelhos, diante da sua impiedade.
— Não me deixe sozinho, Janete. Eu me separei da
Matilde por sua causa. Estou implorando, de joelhos...
— Por minha causa, não! Você se separou, porque o seu
casamento era um tédio. Pior ainda: o seu casamento era uma farsa, seu corno
idiota! E eu não sou muleta de ninguém. De homem fraco e sem amor próprio,
basta o meu! Não me ligue mais, seu babaca imaturo!
— Pelo amor de Deus, perdoa-me por amá-la tanto assim,
Janete! Amarei menos, eu juro! — Disse Fonseca, atirando-se, servil, aos pés de
Janete, sem largar o urso de pelúcia e tentando reunir as rosas do buquê.
— Ah, sim, e tenho uma surpresinha pra você: a sua
mulher vai se juntar com o Menezes. Você já ouviu falar que todo castigo pra
corno é pouco? Pois agora você entendeu o ditado. Há, há, há! Eu acho é pouco...
Há, há, há...
(Em
transe, com o rosto crispado de dor, ele a teria deixado ir, sem um gesto, sem
uma única palavra. Tomado por uma fúria incontrolável, contudo, ele lança o
urso ao chão e a esbofeteia duas vezes. Depois, fitando-a nos olhos, cheios de
lágrimas, aperta seu rosto entre as mãos e a beija furiosamente nos lábios. Era
ódio, era paixão, as duas faces do mesmo sentimento).
— Adeus! — Disse ela, voltando-se lentamente.
(Ele
ainda esperou, em vão, que ela se virasse para vê-lo. Depois, pegou as rosas e
o urso de pelúcia, em um canto da calçada, e seguiu para o hotel. O olhar
perdido, lançado ao solo, indicava tristeza e decepção com a vida, o amor
próprio esfacelado pelo chifre impiedoso de Matilde e pelo desprezo de Janete.
Ele era apenas um corno humilhado... mais um, nesse mundo...).
Cena XIV
(Fonseca,
no quarto do Hotel. Fora de si, castigado pela traição, Fonseca culpava o mundo
por sua própria cornice):
— Mulher não vale nada! Sente tédio, quando é tratada
com respeito! Homem bom e sem vícios, como eu, acaba sozinho. Mulher só gosta
do canalha, que é sempre sedutor. Canalhas, como o Menezes, tornam-se amantes
bem-sucedidos, enquanto homens honrados, como eu, nunca passam de maridos
enganados. Eu sempre fui o cara bonzinho. Só ganhei chifre.
(Fonseca
torturava-se, sentindo-se o mais solitário e miserável dos homens. Corroía-se
em autocomiseração, lamentando a sorte que o mundo lhe reservara, logo a ele,
um homem que se imaginava bondoso e leal, um injustiçado na roda da fortuna,
sempre caprichosa com os mais inocentes. Esses pensamentos martirizaram-no por
dois dias, nos quais só saiu do quarto do Hotel para comer. Ainda no ciclo de
autopiedade, ele voltou a pensar na vingança. Em seu delírio psicótico, Menezes
tinha que pagar caro):
— A culpa é toda daquele filho da puta! Ele me fez
cair no papo da Janete, só pra comer a Matilde. Não posso nem pensar naquele
cuzinho, que eu choro. Tô até vendo aquele pau gigante do Menezes, rasgando tudo...
Coitadinha da Matilde! Ela deve ter sofrido muito... Eu só quero proteger o
anelzinho dela, todo desamparado diante daquele safado! — Ele diz entre
lágrimas. E o Menezes ainda vai se juntar com a Matilde... Só por cima do meu
cadáver. Ele vai me pagar!
(Fonseca
decide ligar para o Menezes. Usa o telefone do hotel, imaginando que o seu
celular seria reconhecido. O Menezes não atende. Ele insiste várias vezes, até
que uma voz feminina o atende):
— Alô, esse é o telefone do Menezes. Ele está no
banheiro. Ligue daqui a meia hora.
(Tentando
disfarçar a voz, Fonseca responde):
— Eu ligo mais tarde!
(Era
a voz inconfundível da sua esposa, Matilde. Ele a reconhecera no primeiro
instante):
— Mas o que ela está fazendo com o celular do Menezes?
Isso quer dizer que eles estão juntos. E agora? Eu sou mesmo um corno filho da
puta! — Dizia a si mesmo, condoído pela dor da traição e pelo abandono.
(Matilde,
na casa do Menezes, falando com ele através da porta do banheiro. Ela também
reconhecera a voz do Fonseca, apesar da sua tentativa frustrada de disfarçar a
voz):
— Menezes, o Fonseca ligou, mas não deixou recado.
Disse que vai ligar mais tarde. Ele tentou disfarçar a voz, mas sabe quem
atendeu. Ele reconheceu a minha voz. Mesmo assim, fingiu não saber quem era.
— E agora, Matilde, como é que eu vou contar pro meu
melhor amigo que pego a mulher dele há mais de dez anos? Caralho, eu tô
ferrado!
— Que dez anos que nada, Menezes! Dei um jeitinho de
enganar aquele corno. Falei que só rolou entre nós depois que ele me traiu com
a Janete. Ele ainda se sente culpado por me perder. Acredite em mim! Eu conheço
homem besta e sem autoestima. O Fonseca ainda vai me pedir desculpa pela minha
traição.
— O meu amigo é um corno manso e sensível, mas será
que é tão idiota assim?
— Cara, ele me aguentou esse tempo todo! Por aí, você
tira as suas conclusões. Eu era o melhor pesadelo da vida de um corno:
mentirosa, infiel, chata, ignorante, mimada e ainda torrava o dinheiro dele com
besteira. Enfim, a esposa ideal, a mulher que faz o homem comer na mão... Mas o
Fonseca me ama, Menezes! Homem, quando ama, rasteja! Depois que soube que eu te
dei o cu, aposto que ele se arrependeu da aventura que teve com a Janete. Eu não
queria deixar o Fonseca sofrer. Por mim, ele nunca saberia do chifre. Mas ele
encheu tanto o meu saco, que eu achei que estava pedindo... Por isso, joguei tudo
na cara dele.
— Tá de brincadeira? Respeita o Fonseca! Eu sacaneei o
meu melhor amigo. Matilde, tenha um pingo de consciência: você traiu um homem
bondoso, uma alma gentil e sempre pronta a ajudar o próximo.
— Ele é gentil demais pro o meu gosto, tão gentil que
parece um banana.
— Infelizmente, é verdade... a culpa foi dele... Quem
mandou casar com uma gostosinha como você, toda apertadinha?!... Mulher com o
seu corpo ninguém come sozinho... é fato... Mas é aquele ditado: é melhor comer
filé acompanhado do que bofe sozinho. O Fonseca é um cara de sorte.
(Fonseca,
no quarto do Hotel, falando ao telefone com o amigo Menezes, dois dias depois):
— Menezes, nós precisamos ter uma conversa de homem
pra homem!
— Eu sei! Pode marcar.
Cena XV
(Fonseca e
Menezes encontram-se no Bar Luiz, na Rua da Carioca):
— Fonseca, eu peço desculpa pelo que aconteceu. Eu e a Matilde não
premeditamos nada. Foi um acidente. Quando eu me dei conta, pah!... Na época,
eu até falei pra você não se separar da Matilde. Cara, você deve se lembrar
disso.
— Menezes, seu filho da puta, acidente é escorregar na calçada, e
não no cu da minha mulher!
— Cara, deixe de ser egoísta! Você nem comia o cu da sua mulher. Ela
estava com o anelzinho piscando de desejo... Eu só fui lá, e pah...
— Pah é o caralho! Você é um canalha! Mulher de amigo meu é homem!
— Se a Matilde virou homem pra você, Fonseca, eu não
sei por que você ficou tão bolado! Pra mim, ela é mulher e, sendo gostosa como
ela sempre foi, eu como mesmo. Tenho tara por mulher casada! Você sabe
disso, Fonseca. Elas ficam molhadinhas, quando o cara é cínico, principalmente
se o marido for otário....
— Tá me chamando de otário?
— É claro que esse não é o seu caso, né, Fonseca?
— Ah, bom! Por um momento, eu pensei que...
— Fonsequinha, aprende uma coisa com o seu amigo
Menezes, e a lição é grátis: mulheres casadas há mais de dez anos são fáceis
demais! Elas estão sempre carentes, cheias de tédio com esses maridos bananas.
Não podem ver um pau grande, grosso e duro, como o do papai aqui, que caem de
boca e saem cavalgando! Cara, na real, o teu casamento só durou quinze anos,
porque eu te ajudei! Eu não ia contar, mas eu só comi a Matilde pro teu bem.
Ela estava se sentindo pra baixo, e eu dei um trato nela por você. Ela aprendeu
tudo. Ótima aluna... De boa... Um dia você vai ver que foi injusto comigo e
ainda irá me agradecer...
— Agradecer porra nenhuma! A Matilde é uma mulher
séria, de família! Merecia respeito.
— Muito séria... Por isso, eu não deixei passar. Adoro
mulher séria, de família! Tem coisa que o marido não faz, e eu só ajudo. Sou um
cara do bem, Fonseca! Você está sendo ingrato... Vou até dizer uma coisa, e
olha que sou experiente com mulher: a Matilde é tão séria, que me tira do
sério. Tem aquela carinha inocente, parece indefesa, mas tem o sabor do pecado;
carinha de anjo e coração de vadia. Ela faz o mal, sem abandonar o sorrisinho maroto.
Você acredita que ela já vinha sem calcinha, pra me encontrar, Fonseca? Que
menina safadinha!...
— Safadinha é o caralho, seu filho da puta! O único
safado aqui é você, canalha. Tenha mais respeito! Ela é a mãe da minha filha.
Amigo não come mulher de amigo! É um código de honra. Eu jamais comeria a sua
mulher, se você tivesse uma.
— Cara, eu não resistia, quando ela me falava com voz
de quenga e carinha gulosa: — Vem, seu exagerado... anormal! Você ainda vai me
matar com esse pauzão! Eu respondia: — Matar, Matilde? Mas quem vai morrer?
Mulher não morre de pau!... Só se acertar na cabeça...
— O teu pau tem quantos centímetros mesmo? Não pode
ser tão grande assim... — Indagou o pobre Fonseca, com carinha de choro.
— Ih, cara, ele tem mais de um palmo, se a sua mão for
grande... Quer segurar? Pega aqui!
— Que pega aqui, que nada? Tá pensando que eu sou
veado?
— Não, Fonseca, é que você ficou bolado com o tamanho
do meu pau. Então, eu pensei que você queria dar uma seguradinha pra conferir.
— Seu canalha, coitadinha da minha mulher! Você acabou
com ela. — Dizia Fonseca, agora chorando convulsivamente.
— E não é que ela se fingia de coitadinha mesmo?! A
voz dizia não, mas a carinha de safada dizia sim: — Menezes, onde você vai
enfiar essa pica toda? Não! Por favor, aí não! No meu cuzinho não! Eu vou
morrer!
— No cuzinho dela era não, mesmo! Ela estava pedindo
socorro. Foi praticamente um estupro! Por
que você não a escutou, Menezes?
— Porque ela agarrava o meu pau, quando eu ameaçava
tirar... Aí, meu amigo Fonseca, eu não tinha dó! Enfiava até bater os ovos na
bunda... Era só poff, poff, poff...
— Um amigo filho da puta, você quer dizer! A Matilde
tem hemorroida. Eu estava cuidando daquele cuzinho há dez anos. Ela o guardava
para mim. Você quase matou a minha mulher, seu jumento.
— Hemorroida? Há, há, há... Se ela tinha, eu curei! Coloquei
pra dentro...
Não seja ridículo, Fonseca! Como eu sempre dizia à
Matilde, mulher não morre de pau!... Só se acertar na cabeça... Amigo, não
esquente a mufa: cu e xereca são assim mesmo: lavou, enxaguou, estão prontos
pra usar novamente.
— Vou te matar, seu canalha!
— Fonseca, não se humilhe tanto assim! Você perdeu!...
Aceite a verdade, que dói menos: a Matilde agora é a minha putinha; ela faz de
tudo. Na primeira vez, ficou meio assustada, com medo: — Ai, Menezes, eu não te
aguento, seu cavalão! O pau do Fonseca é tão pequeno, que eu sou praticamente
virgem. Aí, meu Deus do céu, atrás eu nunca fiz...
— E nunca fez mesmo! Ela é uma mulher frágil.
— Aí que tá o pulo do gato... Malandramente, eu disse
pra menina inocente: — Só a cabecinha, meu amor. Eu juro que vai ser só a
pontinha. Porra nenhuma! Eu enfiei tudo, só deixei os ovos de fora, Fonseca. Ela
gemeu, contorceu-se toda e começou a gritar...
— Gritar de dor, Menezes! Era a dica pra você se
mancar, seu animal.
— Que nada! Ela gritava: — Por favor, não pare! Machuque, por favor.
Não pare, não pare... Você faz tão gostoso, meu tigrão!
— E quem é esse tigrão, seu filho da puta?
— Acorda, Fonseca! É o papai aqui. Foi isso que faltou
no seu casamento. Você não deu o que ela queria. Era só meter naquele anelzinho
e pronto...
— Seu filho da puta! Respeite a Matilde. Ela nunca
gostou dessas coisas...
— Não gostava até eu fazer... E as “linguadas” que
você nunca deu nela, com nojinho? Cara, quem tem nojo de boceta queima a rosca.
Uma boa “linguada” não tem preço! — Diz o Menezes, com um sorrisinho sarcástico.
— A Matilde nunca foi mulher de “linguada”! Isso é
coisa de piranha.
— O quê? Sabe
de nada, inocente... Ela ficava de perna bamba com as minhas “linguadas”... Depois,
era só sentar no colinho do papai e cavalgar...
— Um dia você vai saber como dói um chifre... A gente
sente a coisa crescendo lá dentro. — Responde, cabisbaixo, o pobre Fonseca.
— Eu vou dar um conselho, Fonseca, e será mais um de
graça; do terceiro em diante, eu começarei a cobrar: tem coisa que só atitude
de macho resolve. Você não pode ser mole com mulher. Quando o homem mostra quem
é o rei da selva, a mulher usa o paradoxo do boquete: Ao invés de reagir, ela
vai lá embaixo e cai de boca.
— Boquete em mulher de amigo é coisa de moleque! —
Esbraveja Fonseca, com o semblante crispado de dor
— Quando você não dá o que elas querem leva chifre.
Simples assim... O seu casamento acabou
por falta de pica. Você é borracha fraca, Fonseca. Porra, a Matilde me falou
que a coisa mais sexy que você já fez pra ela foi colocar um minissombrero na
cabeça do pau... Assim, meu amigo, não há tesão que aguente! Até puta broxa com
uma minipica de chapéu...
— Esse era um segredo nosso, Menezes! Ela não tinha o direito
de contar as nossas intimidades.
— Põe tudo pra fora, Fonseca! A maior frustração de um
corno é não poder falar do chifre! Sou seu amigo ou não sou?
— E me coloca um chifre?
— Todo mundo nasce corno, Fonseca! Só que alguns
demoram a assumir a “cornice”! Isso é bíblico, meu amigo! Deus disse: “crescei
e multiplicai!” Quando só havia Adão e Eva não existia chifre. A vida era só
monotonia. Depois que fomos expulsos do paraíso é que a coisa pegou: é só
crescer e multiplicar. Mas Deus não disse com quem... Então, é cada um por si!
— Cada um por si é o caralho!
— Você está sendo egoísta, Fonseca! Pense na
felicidade da Matilde. Ela sempre dizia, com aquela boquinha gulosa: — Menezes,
que delícia, tá tão gostoso! Faz o globo da
morte!...
— Que porra é
essa de globo da morte?
— Segredo
profissional, Fonseca! Odeio corno curioso. Eu balançava o
cacete e perguntava: quer pegar
na mixaria? Ela enlouquecia; aquela xoxotinha faminta batia palmas... Cara,
ela agora é uma mulher feliz. Olha, vou dizer uma coisa: a gente nunca deve ter
medo de ser corno!
— Eu não tenho medo de nada...
— É isso aí, Fonsecão! Eu gosto de homem assim, que
não chora por um chifrezinho de nada, um cara destemido... — Diz Menezes, com estranha
sinceridade.
(Fonseca
derrama duas lágrimas furtivas, que escorrem pelo cantinho do olho esquerdo):
— Menezes, você fodeu a minha vida! Agora eu sou
corno...
— Meu amigo, o
chifre só dói quando nasce. O pior já passou... Você deve me agradecer. Tô até
me sentindo ofendido!
— Você... ofendido?...
— Você está sendo injusto comigo e com a Matilde! Eu
te dei a Janete, e olha que era a gata que eu tava pegando. Tirei o pau daquela
boquinha linda e te dei a gata de bandeja, como um frango assado. Porra, você
tem que admitir: a Janete paga um “boquete” inesquecível! Ela engolia o meu leitinho
todo e ainda lambia o beiço; não desperdiçava uma gota. Garota esperta!...
— Tô até enjoado com esse gosto de esporra na boca.
Pelo menos, o cuzinho da Janete escapou...
— E você acha que eu ia desperdiçar aquele rabinho
gostoso? Eu não ia te passar a Janete sem colocar o selo de qualidade “padrão
Menezes”... Fonseca, eu acho melhor você esquecer a Matilde. Ela não o quer
mais. Não tem jeito! Mesmo que eu me afaste, ela não volta mais pra você. Sou
seu amigo, fico triste por dizer isso, mas você não pode reclamar. A Matilde
foi sua... foi minha... foi de nós dois... Ela também me traía com você, mas
nem por isso eu tô chorando... Seja homem, Fonseca!
— Você tá me achando com cara de corno, Menezes?
— Corno? Não! Eu ia dizer borracha fraca... Por isso,
eu te ajudei com a Matilde nos últimos dez anos... Ops...
— Dez anos? Vou te matar, seu canalha! Vou acabar com
a tua raça!
— Caralho, a Matilde me pediu pra não contar isso... Fique
manso, Fonseca! Se não fosse a minha ajuda, ela teria separado de você há muito
mais tempo. Dei o que você não dava. Ela é muito gulosa, precisava de uma coisa
maior... se é que você me entende, né? Não me leve a mal! Eu não ia dizer nada,
mas um amigo não deve mentir pro outro. Hoje em dia, pra não levar chifre, só
namorando boneca inflável e, mesmo assim, tem que trancar no cofre... E se dois
souberem o segredo, já era... nem a boneca inflável escapa...
(O
Fonseca saiu do sério. Transtornado, com o rosto em brasa e os punhos cerrados,
ele partiu para cima do Menezes, aos socos e pontapés. Apanhou como um menino
buchudo. Menezes era faixa preta em Taekwondo...).
Cena XVI
(Enquanto
as luzes se apagam, lentamente, ouve-se a voz do narrador, fora da cena):
Algumas horas mais tarde, ainda cabisbaixo e solitário, Fonseca
deixa o hospital, depois de levar pontos no supercílio. Apesar das duas
costelas quebradas e do nariz torto, as suas cicatrizes eram mais emocionais do
que físicas. Sentia-se sem autoestima, perdido entre o amor por Matilde e a
rejeição de Janete. A sua cabeça coçava...
(Fonseca, com
ar triste e olhar perdido, deixa o Hospital, enquanto caminha na calçada, refletindo
e falando sozinho)
— Eu só queria
ser homem o suficiente, pra quebrar a cara do Menezes! — Ele repetia, em voz
baixa. — Aquele safado era meu amigo! Isso não pode ficar assim...
(Ouve-se,
novamente, o narrador, fora da cena):
O Menezes, ao contrário do Fonseca, sentia-se em paz
consigo próprio, aliviado por ter defendido a sua honra. Quando reagiu ao
ataque do Fonseca, descarregou a agressividade, acalmando o espírito. Ficou
mais leve do que nunca. Sentia-se, agora, com direitos legítimos sobre a esposa
do Fonseca, como um novo leão que vence o anterior em batalha e o expulsa do
bando.
O Menezes não conseguiu mais trabalhar naquele dia.
Ansioso para contar que estava tudo resolvido entre ele e o Fonseca, ele foi
para casa, logo depois de espancar o amigo. Aliás, foi para a casa do próprio
Fonseca, onde estava morando há uma semana. Chegou de mansinho, para
surpreender Matilde com o buquê de rosas que comprara no caminho. Escutou,
porém, uns gemidos bem característicos, que vinham da cozinha. Ele os
reconheceria de longe...
Cena XVII
(Matilde,
na antiga casa do Fonseca, faz sexo com Ricardo, na mesa da cozinha):
— Por favor, Ricardo, mete gostoso!
— Ricardo, mete gostoso? Mas quem é Ricardo? Mete
gostoso onde?
(Fala
o Narrador):
A cena era digna do Kama Sutra. Matilde, em cima da
mesa da cozinha, como um frango assado, com as pernas flexionadas junto ao
corpo, era penetrada por um homem alto e musculoso, com a tez do ébano. Parecia
Hipérion, o primeiro Titã a ser libertado do Tártaro.
Entre os movimentos ritmados, Matilde contorcia-se de prazer, sentindo aquele
membro rígido e quente, poderoso e imenso como um carvalho, devassando o seu
útero. Ela pedia mais, deixando fluir do seu corpo o néctar da vida, que
escorria, lentamente, da sua vulva intumescida. Indiferente às súplicas de
Matilde, Hipérion vibrava a sua Espada Proeminente. Ao se aproximar o gozo, ele
retira o seu membro e o acaricia, em movimentos ritmados. Em êxtase, ela cai de
joelhos, devorando, com a boca fendida, as torrentes que jorram daquele corpo
de ébano.
(Menezes vai para o fundo da cena,
ocultando-se, em silêncio, para depois sair por completo, retornando à cozinha,
depois que Matilde e Ricardo saem de cena. Ouve-se, novamente, a voz do
narrador, enquanto Menezes anda pela cozinha):
Cabisbaixo, Menezes sai em silêncio, retornando três
horas depois. Vai à cozinha quase por impulso. Domina-o, naquele momento, uma
estranha vontade de se torturar com o inebriante perfume do prazer. Ele quer
refazer, mentalmente, a cena de amor. Aquele imenso homem negro, de uma beleza
indefinível, penetrando, impiedoso, a sua mulher, devassando-a com o seu poderoso
cajado, deixara-o excitado. Ele ainda sente o cheiro ocre de sêmen, escorrendo
da boca de Matilde. Encarou-a, sem dizer nada. Impaciente, ela percebeu o que
ele iria dizer:
(Entra
Matilde):
— Por que você já chega com essa cara de cu, hein,
Menezes? — Indaga Matilde, impiedosa.
— E você ainda pergunta? Disse que estaria na
manicure... Eu chego aqui, com um lindo buquê de rosas, e vejo essa cena
deprimente. A minha mulher, na minha própria casa, dando para um completo
estranho. Você trai a minha confiança e ainda tem coragem de perguntar por que
eu tô com essa cara de cu? Com o Fonseca, não tinha problema. Ele era seu
marido e, ainda por cima, meu melhor amigo; eu tinha que respeitar. Sentia
ciúmes, mas aceitava. Mas esse cara que eu vi aqui... Aí já é demais, Matilde!
Com aquele pé de mesa, ele espanou a tua rosca... O que foi que sobrou pra mim?
Quando era a mixaria do Fonseca, não tinha problema, mas esse negão?...
— Em primeiro lugar, o seu preconceito de cor é inveja
do pênis... Freud explica...; em segundo, essa casa é minha, e não sua; em
terceiro, ele é meu amigo, e não um estranho. Em quarto, não banque o santo,
porque eu já soube que foi você que apresentou a Janete ao Fonseca.
— Mas isso não é justo! Temos uma relação legal.
Porra, já são mais de dez anos. Você vai jogar tudo isso fora? Eu não sou besta
como o Fonseca. Comigo não, Matilde!
— Meu filhinho, a fila anda e o baile segue! Homem é
mesmo um bicho besta: é só dar um pouquinho de corda, que ele já se acha o
gordinho gostoso... Há, há, há... Pegue as suas roupas e rua! Vá de Saveiro... Há,
há, há... Eu não sou mais de ninguém! De agora em diante, eu serei só minha.
(Ouve-se
o narrador, fora da cena):
Alguns meses depois, o Menezes continua apaixonado
pela Matilde, apesar do tratamento frio e desdenhoso que ela lhe devolve. Ele a
cobre de presentes, que compra, inseguro, temendo perdê-la. Eles saem uma vez
ou outra, quase sempre quando ela precisa do seu cartão de crédito sem limite.
Ela ganha bem, mas adquiriu hábitos caros, depois que largou o Fonseca. A
Matilde e o Menezes não moram mais juntos. Ela disse que se sentia sufocada e
precisava de espaço. É amor para toda a vida! — Costuma dizer o Menezes,
contente por não a haver perdido.
No mês passado, ela ganhou do Menezes um Camaro
zerinho e tem sido vista, nos fins de semana, lá pelos lados de Búzios, com um
certo Deus de Ébano...
Cena XVIII
(Fonseca
em um barzinho, na Lapa. Fala o Narrador):
Depois de alguns dias de molho, recuperando-se da
surra que o Menezes lhe dera, Fonseca foi a um barzinho da moda, na no coração
da Lapa, e encheu a cara de chope. Ele quis até dançar em cima da mesa, fazendo
“strip-tease”. Completamente chapado, ele encheu as duas mãos com a bunda de
uma linda morena, sem saber que ela estava com o namorado... um lutador de MMA...
Resultado: mais socos e pontapés no bom e velho Fonseca. Os seguranças mandaram-no
pagar a conta de R$ 300,00 e tomar outro rumo, sob o pretexto de que ele
estaria incomodando os clientes. Triste e envergonhado com a segunda surra em
poucas semanas, ele limpou o sangue com lenços de papel e saiu, abatido,
desejando afogar-se numa mesa de bar.
Entrou, então, num botequim pé-sujo, também na Lapa,
um daqueles infestados de bêbados, com atmosfera lúgubre, camadas de gordura incrustadas
nas paredes. No velho balcão, com o vidro superior encoberto por uma bruma de
sujeira, escondiam-se alguns ovos coloridos, vermelhos, amarelos e azuis,
ladeados por moelas e fígados de galinha, já adormecidos pelo tempo. Pediu
cerveja com alguns pedaços de moela. Tomou quase até cair. O português, um
velhote seboso, com vastos bigodes, que retinham melecas seculares, percebeu
que o Fonseca estava perto de desmaiar. Mandou, então, que pagasse a conta de
R$ 80,00 e fosse embora. Ele tirou uma nota de cem do bolso, e o Português, sem
dar o troco, disse que estava tudo certo.
(Surge,
na cena, uma ruiva misteriosa, envolvida na bruma da noite):
Uma ruiva, aparentando 60 anos, com o rosto carregado
de maquiagem, usando uma saia bem curta, que revelava suas gorduras flácidas e
profusas, observava a cena, aproximando-se do Fonseca, que cambaleava a passos
trôpegos:
— Oi, gostoso! Se quiser uma fêmea no cio, assim,
apetitosa e carnuda, a gente pode se divertir no Hotel aqui ao lado. Faço um
boquetezinho inesquecível! — Acrescentou a ruiva, com um sorriso enigmático que
revelava a ausência dos dentes frontais.
— Deve fazer mesmo... Pelo menos não tem perigo de
morder...
— Meu pituquinho, você nem imagina o que a sua
Neidinha é capaz de fazer por um bom dinheiro. Eu posso fazer um kelvin
inesquecível no seu amiguinho. Você se lembrará pelo resto da vida....
— Que porra é essa de fazer o Kelvin?
— É sexo oral, chupeta sem camisinha, seu tolinho. Eu vou
deixar você gozar na minha boca. Não vai cair nem uma gotinha no chão.
— É isso aí, eu vou querer uma geral com cera. Serviço
completo, sua puta! Vamos lá, que hoje eu tô pagando. É por minha conta,
vagabunda! — Disse, subindo o tom da voz, já embaralhada pelo álcool.
(Ao
final da Cena, já no quarto do Hotel, as luzes vão diminuindo até a
obscuridade. Inicia-se uma luta feroz entre Fonseca e a ruiva da Lapa. Ouvem-se
gritos de horror. Baixa o pano).
Cena XIX
(No
Hospital, ainda entorpecido e com dores pelo corpo, Fonseca acorda com uma
estranha sensação de fraqueza, uma letargia profunda que não compreende. Não se
recorda de nada. Amnésia total. Olha em volta e não reconhece o lugar, mas logo
percebe tratar-se de um hospital. Está com um cateter no braço direito e tem
vários equipamentos ligados ao corpo. Desespera-se com a cena e começa a gritar):
— Enfermeiro? Enfermeiro? O que aconteceu comigo? Como
eu vim parar aqui?
(Aproxima-se
um senhor de meia idade, vestindo um jaleco branco. Era o Doutor Rômulo, Urologista):
— Bom dia! Eu sou o seu Médico, Dr. Rômulo! O senhor
está na UTI do Hospital Souza Aguiar há dois dias. Durante esse período, foi
mantido em coma induzido, para que reagisse melhor ao tratamento.
— Coma induzido? Tratamento de quê? Mas o que
aconteceu? Eu não me lembro de porra nenhuma! — Disse, aos berros, sem perceber
que todos na UTI o olhavam com justificável curiosidade.
— Calma ou teremos que sedá-lo! O Senhor sofreu mutilação
com perda massiva de sangue; teve parada cardiorrespiratória, mas foi
estabilizado, embora tenha ficado inconsciente por dois dias. Por sorte, a
equipe do SAMU iniciou, prontamente, as manobras de reanimação, antes mesmo da
chegada da equipe de suporte avançado, que aumentou a sua chance de sobrevida.
O senhor sofreu lacerações anais graves e mutilação...
— Lacerações anais graves? Você tá dizendo que
rasgaram o meu cu? — Interrompeu o Fonseca, alucinado e aos berros.
— Calma! Infelizmente, sim, mas as lacerações foram
corrigidas com pontos cirúrgicos. O resultado ficou ótimo. Seu ânus está novinho
em folha, prontinho pra outra...
— Prontinho pra outra é o caralho!
— Quer dizer... desculpe-me... o seu esfíncter foi
refeito. Foi isso que eu quis dizer...
— Mas quem foi o filho da puta que me rasgou? — Pergunta
Fonseca, ainda mais irritado.
— Essa parte eu não sei informar. Mas aí fora há um
agente de polícia que deseja conversar com o Senhor. Já autorizei a entrada,
uma vez que o seu quadro se estabilizou. O Senhor deseja conversar com ele
agora?
— Mande-o entrar logo! Eu quero saber o que aconteceu.
(Entra
o investigador da Polícia Civil):
— Bom dia! Sou o Agente Rodrigo, da Delegacia de
Homicídios. Gostaria de lhe fazer algumas perguntas.
— Pode fazer! Mas eu vou logo avisando que não me
lembro de nada! Só sei que estava num bar na Lapa e saí com uma mulher... Deixe-me
lembrar o nome da vagabunda... Neidinha... isso mesmo... Neidinha... uma puta
sem os dentes da frente. Daí em diante, não me lembro de nada. Eu tinha bebido
muito...
— Disso nós já sabemos. Depois de tentar matá-lo, ele
foi preso por populares na frente do Hotel onde o senhor foi encontrado,
esvaindo-se em sangue.
— Espere aí, não era “ele”, era “ela”! Disso eu me
lembro muito bem: era uma mulher, uma velha toda maquiada e sem os dentes da
frente. Essa é a única coisa que eu sei dizer.
— O senhor está enganado. Trata-se de um travesti
chamado Roberval, que usa o nome “Neidinha”.
— Como é que é? Uma “trava” chamada Roberval me
rasgou? Puta que o pariu! Eu não sabia que era homem. Agora todo mundo vai
pensar que eu sou gay... Eu sou é macho, muito macho! — Gritou Fonseca quase
histérico.
— As suas preferências sexuais não importam, Senhor
Fonseca! O Senhor tem todo direito de ser o que quiser... Esse Roberval estava
sendo procurado há mais de três anos. A Polícia investigava assassinatos em
série de homossexuais na região da Lapa. O Senhor teve muita sorte! Suspeitávamos
que o criminoso fosse um travesti, mas não conhecíamos a sua identidade.
— A essa altura, já saiu até no Facebook! — Lamentou-se Fonseca, cobrindo o rosto com as mãos,
envergonhado só de imaginar que todos suspeitavam da sua masculinidade.
— Infelizmente, sim! O seu caso teve muita
repercussão. Demos uma olhada no perfil do Facebook, para investigar os seus
contatos e hábitos de vida e, assim, aproveitar as primeiras 48 horas depois do
crime. O Senhor nem imagina os comentários preconceituosos que postaram
na sua página e nas páginas dos jornais que publicaram a notícia... As pessoas
são cruéis...
— Agora, além de corno, eu tenho fama de baitola!
— Mas tem coisa pior...
— Pior do que ter fama de corno e veado?
— Quando o senhor apareceu na televisão, esvaindo-se
em sangue, numa maca do Corpo de Bombeiros... a sua... não... eu acho melhor
não contar... o senhor ainda está convalescendo...
— Conte-me logo! Eu terei que saber mesmo...
— ... a sua mãe não resistiu ao choque, tomou veneno
de rato e se matou...
— A minha mãe, não! Ela morreu por minha culpa! Sou um
canalha desnaurado!
— Não fique triste! Talvez esse seja o seu carma. O
senhor deve estar sendo castigado por alguma coisa...
— Castigado? Eu?
— Apesar de tudo, veja o lado bom disso tudo. Agradeça
a sua sorte!
— E você chama esse inferno astral de sorte? Diz isso
porque não é você que está aqui na cama com o cu rasgado! E ainda saiu nos
jornais? Caralho! — Reclamou Fonseca.
— Na verdade, teve muita sorte! O senhor foi o único
que sobreviveu até hoje. Foram 10 vítimas fatais, e todas sofreram graves torturas
antes de morrer. Em todos os casos, houve mutilação peniana e lacerações anais.
— Mutilação peniana? Deus me livre! Se essa trava tivesse
cortado o meu pau, eu iria preferir a morte...
— Os médicos ainda não lhe contaram o que aconteceu?
(Com
o rosto crispado de pavor, Fonseca levanta o lençol e solta um grito lancinante):
— Cadê o meu pau? Eu quero o meu pau! Mande aquele veado
desgraçado devolver o meu pau! — Urrava Fonseca entre soluços convulsivos.
— Ele engoliu o seu pênis...
— Não! Não! Eu quero o meu pau!
(Fala
o narrador):
O seu grito de horror ainda ecoa no Souza Aguiar, como
testemunha do ocaso de um corno.
(Enquanto
Fonseca grita no Hospital, o pano sobe)
FIM DO PRIMEIRO ATO.
Ato II
Cena I
(Ao
erguer-se o pano, aparece Fonseca, ainda no Hospital):
— Nós temos uma boa notícia para você, meu caro
Fonseca!
— E ainda é possível receber boas notícias, depois de
perder o pau? Corno e sem pau é a treva! Decidiram aplicar-me a injeção letal?
Essa seria a única notícia boa para mim.
— Reunimos a equipe médica, e todos ficaram
sensibilizados com a sua condição peculiar... — Afirmava o Doutor Rômulo, antes
de ser interrompido pelo Fonseca.
— “Condição
peculiar”? É assim que vocês chamam um corno sem pau por aqui?
— Na verdade, não! O senhor é o primeiro. Ainda não
temos um nome para o seu caso.
— Tá curtindo com a minha cara?
— Bem ao contrário, eu desejo lhe dar boas notícias.
— Fale logo, então! Já estou me irritando com esse
papo furado.
— Podemos reconstruir a sua virilidade...
— Já sei! — Interrompe, bruscamente o Fonseca — Vocês
resolveram abrir uma xereca no lugar da minha pica... Eu me torno um transexual
e todo mundo me come... Tô fodido mesmo!
— Longe disso, meu caro Fonseca! Nós queremos realizar
o primeiro transplante de pênis do Rio de Janeiro. Dar-lhe-emos um pênis
maravilhoso e veiúdo. Coff, coff! (Tosse, para disfarçar a baitolice)... quer
dizer, um pênis funcional que irá substituir o que foi amputado.
— Hã!? Isso é possível? — Os olhos do Fonseca
brilharam, eufóricos, no instante em que o Médico lhe deu a notícia. — Porra,
eu vou ter um pau de novo?! Dessa vez ninguém vai cortar! Essa pica vai ser sagrada!
— Ao dizer isso, as lágrimas rolam, profusas, pelo seu rosto.
— Advirto-o, porém, de que será uma cirurgia complexa
e demorada, com pequeno risco de morte, mas com grande chance de insucesso. São
muitas terminações nervosas e vasos sanguíneos para conectar. E ainda tem o
problema do doador...
— E quem, nesse
mundo, iria me doar um pênis? — Fonseca começava a desanimar. Não se dera conta
de que seria necessário coletar um pênis.
— Seria, necessariamente, o pênis de um cadáver, mas a
família do falecido precisaria autorizar a coleta do órgão. E teríamos que
agir com eficiência e rapidez, para não o perder.
— E o que vocês estão esperando? — Indaga o Fonseca, aflito.
— Primeiramente a sua autorização, já que se trata de uma cirurgia
eletiva...
— Eletiva?
— Claro! O senhor poderia viver sem o pênis. A sua vida não corre
mais risco nesse momento. A função urinária foi restabelecida.
— Se é isso que falta, eu autorizo.
— O nosso setor jurídico entrará em contato com o Senhor, para as
providências legais. O senhor sabe, autorização por escrito, termo de isenção
de responsabilidade do Hospital e da equipe médica, etc. O corpo médico escolherá
a equipe mais apta para o procedimento, e esta equipe definirá qual é a melhor
técnica cirúrgica para um caso assim tão raro. Na outra ponta, a do doador, nós
faremos os arranjos para a coleta do órgão, esteja ele onde estiver e no menor
tempo possível, sob pena de perdê-lo. Temos uma pequena janela entre a morte do
doador e o transplante. Essa será uma cirurgia pioneira e experimental. Fará
história, Senhor Fonseca! Nós construiremos todo o caminho, ao contrário do que
fazemos usualmente, quando apenas seguimos técnicas e procedimentos cirúrgicos já
conhecidos.
— Estou ciente dos riscos! Mas é melhor ter essa pequena chance do
que sobreviver com uma vagina. Ele era pequeno e sem graça, mas era o meu maior
orgulho.
— E o melhor de tudo é que o Sistema Único de Saúde irá cobrir todos
os custos...
— Ganhar um pau novo e, ainda por cima, de graça? Não acredito!
Parece que estou acordando desse pesadelo...
— Mas tenha calma! Nós ainda não temos um prazo para a cirurgia. Ela
depende de muitos fatores, principalmente de encontrarmos um doador compatível.
Eu lhe darei alta na próxima semana. É melhor aguardar em casa. Pode demorar
muito tempo.
Cena II
(Depois de duas
semanas de internação, Fonseca recebe alta do Hospital Souza Aguiar e vai morar
na casa de um primo, enquanto aguarda o surgimento de um doador compatível. Ele
fala sozinho, embaralhando as palavras, numa torrente confusa):
— Porra, já faz mais de dois meses que eu tive alta, e nada até
agora! O Hospital não me dá notícia. Se eu continuar ansioso desse jeito,
acabarei ficando louco. Não aguento mais essa sonda. Caralho, eu não posso nem
olhar para a porra da bermuda. Esse vazio me dá vontade de morrer. Vou sair sem
rumo, senão eu enlouqueço!
(Fonseca abre
a porta e sai da casa, balbuciando algumas palavras sem nexo. Entra, em
seguida, o Narrador):
Depois de receber alta, Fonseca aceitou a oferta de um primo que
morava na Espanha, onde fazia Curso de Fotografia. Penalizado com a tragédia do
primo Fonseca — àquela altura sem casa e desempregado —, ele o convidou para
cuidar da sua casa no Rio de Janeiro.
Nos primeiros dias, Fonseca manteve-se recluso, vivendo das
economias que acumulara nos últimos anos, que, embora não lhe garantissem uma
vida de riquezas, eram suficientes, contudo, para que sobrevivesse com certa
dignidade.
Raramente passeava nas ruas do bairro da Tijuca, onde ninguém, de fato,
o conhecia. Era um homem do subúrbio, mas não costumava frequentar a casa desse
primo, que vira poucas vezes na vida.
Num dos seus raros passeios, sentou-se em um banco na Praça Saens Peña.
No banco à sua frente, sentara-se uma linda jovem, com um livro diante dos
olhos. Ela parecia entorpecida com a leitura, e isso o comoveu profundamente.
Não a jovem, mas o livro. Acendeu-se uma luz em sua mente acomodada.
(Sai o
narrador e surge Fonseca, abrindo a porta de casa, eufórico e radiante.):
— Escreverei um livro de memórias! É... isso mesmo... uma
autobiografia... Preciso contar a minha vida... Não sou um corno qualquer...
anônimo!
(Com um
sorriso no rosto, ele abre o Notebook e começa a escrever o seu livro.):
— O título do livro está ótimo! É a minha cara... — Ele diz a si
mesmo, com um sorriso irônico.
(A luz da cena
vai se reduzindo, lentamente, até a penumbra. Fonseca continua escrevendo. E
assim se passam mais dois meses):
— Alô! Senhor Fonseca?
— Ele mesmo.
— Bom dia! Aqui é o Doutor Rômulo, do Hospital Souza Aguiar. Tenho
ótimas notícias. Encontramos um doador compatível.
— Puta que o pariu, meu irmão! Desculpe-me o palavrão, mas você não
imagina a dureza que é viver sem pau. Aliás, não tem nem dureza... Aquela
sensação de acordar com o pau duro em plena madrugada... Cara, é a treva urinar
por uma sonda! Pior ainda é andar na rua e ver uma bundinha gostosa... Nem pau
eu tenho pra ficar duro... É foda, Doutor Rômulo!
— Eu compreendo a sua angústia! Mas isso agora é coisa do passado.
Você terá um pênis majestoso... lindo e admirável, segundo me disseram as
equipes do Hospital onde está o corpo do doador... Você sentirá orgulho do seu
novo pênis!
— Só espero não haver rejeição. Andei tanto tempo sem pênis, que o meu
corpo pode não se acostumar com um... Tem hora que eu me sinto uma trava...
— Uma “trava”, não... um transexual, você quer dizer...
— Tá curtindo com a minha cara, Doutor Rômulo?
— Foi apenas uma brincadeira para descontrair... Mas vamos ao que
interessa: eu preciso que você esteja aqui o mais rápido possível. Temos que
fazer o pré-operatório, prepará-lo para receber o órgão. Nesse momento, ele está
sendo coletado em São Paulo. Já recebemos a confirmação. Virá de avião, logo em
seguida.
(Fonseca pega
a maleta, que já estava pronta há muito tempo, e se encaminha para o Hospital.
A luz do palco apaga-se.)
Cena III
(Depois de 10
horas de cirurgia, ainda anestesiado, Fonseca é conduzido a um leito da Unidade
de Terapia Intensiva do Hospital. Após algumas horas, ele começa a acordar.):
— Eu sei que você ainda não está se sentindo bem, meu caro Fonseca.
— Diz o Doutor Rômulo! — A equipe cirúrgica disse-me que o transplante foi
muito bem-sucedido.
— Estou meio grogue, desorientado...
— É o efeito da anestesia geral. De agora em diante, nós precisamos
lidar com a possibilidade de rejeição. Já introduzimos os medicamentos
imunossupressores, mas só o tempo dirá...
— Era só o que me faltava: rejeitar um pênis e viver com uma vagina.
— A principal dificuldade, em todo transplante, mesmo dos mais
corriqueiros na literatura médica, é a rejeição do órgão.
— Mas como é que funciona essa rejeição?
— A rejeição, na verdade, é uma resposta imunológica. As células do
sistema imune do próprio transplantado reconhecem o órgão enxertado como um “corpo
estranho” e o rejeitam.
— Tô fodido mesmo...
— Calma, Fonseca! Nós precisamos dar tempo ao tempo e acompanhar a
sua recuperação. Temos meios clínicos para reduzir a possibilidade de rejeição.
Você está recebendo o melhor da tecnologia moderna, e posso lhe garantir que os
imunossupressores evoluíram muito nos últimos anos. Fique tranquilo! Descanse e
não se preocupe. Você está em boas mãos.
(Fonseca
adormece, acordando apenas no dia seguinte. Ao abrir os olhos, o Doutor Rômulo
está ao seu lado.):
— Os resultados estão dentro da expectativa. — Pondera o Médico.
— Quero ver o meu pênis, Doutor! É estranho não saber como é o seu
próprio pênis.
— Espere a troca do curativo. Estarei aqui nesse momento, para
acompanhar o procedimento. Mas preciso adverti-lo de uma coisa: ele não é
exatamente igual ao seu.
— Como assim? É ainda menor? Então corta logo essa porra! Vou dar o
cu e pronto...
— Calma, Fonseca! É exatamente o contrário: esse é muito grande, eu
diria descomunal. Acho que você vai estranhar no início. Não quero que se
assuste. Você se acostumou com um pênis infantil... eu creio que será um
choque. Você pode não saber o que fazer com essa maravilha da natureza...
— Tá me tirando, né Doutor? Eu quero é que me belisque! Acho que
estou sonhando. Era tudo que eu queria na vida. Sempre odiei aquela “piroquinha”
de criança.
— Eu posso imaginar... Eu teria me matado se houvesse nascido com um
micropênis.
— Pode curtir com a minha cara! A festa acabou, Doutor Rômulo...
Chupa essa manga Matilde! Quer dizer que agora eu sou bem-dotado?
— Eu diria superdotado... maravilhoso...
— Quero ver a cara da Matilde, quando souber disso... Há, há, há...
Eu vou dar na cara daquela vadia com esse pauzão! (Fonseca dá muitas gargalhadas).
— Eu pensei que você a houvesse esquecido. Tivemos muitas conversas,
e sempre o escutei dizer que não queria mais vê-la. — Afirma, com certa dose de
ironia, a Doutor Rômulo.
— Agora a conversa é outra... Eu vou dar só uma “lapadinha” na cara da
filha da puta com essa pica. Depois, eu mando embora com água na boca e
chupando o dedo... Eu faço questão de vê-la, só para mostrar o que está perdendo.
— “Está perdendo”,
Fonseca? Ou já perdeu? — Indaga o Médico, com um sorrisinho no canto da boca.
— Já perdeu há muito tempo! Sei o que quero na vida... A Matilde agora
é coisa do passado.
— Sei... (A fala do Médico é
pausada, com um lento arrastar das letras, indicando sarcasmo.).
— Está duvidando? Pode apostar em mim! Aquela cachorra me traiu...
— Eu acredito, Fonseca! (Um
sorriso ilumina o rosto do Doutor Rômulo). — Posso ser sincero?
— Pode falar o que quiser, Doutor Rômulo! Depois de me presentear
com essa pica maravilhosa, eu dou até o cu pra você.
— Meu querido, o que eu realmente desejo não é o seu ânus... (Nesse instante, o semblante do Doutor
Rômulo é de pura lascívia. Ele abre a boca de forma sensual, como se lambesse
um sorvete de casquinha). Hã, hã!... (Rômulo
simula uma tosse, refazendo-se, emocionalmente, da pinta que acabara dando ao
paciente, algo proibido e impensável para ele). Agora, falando sério: não
se iluda, meu caro Fonseca! A pior cachorra é a que fode gostoso, se você me
permite esse palavreado. Dessa, o homem nunca esquece.
— Nem isso a Matilde sabe fazer...
(A iluminação da cena decai e os personagens, progressivamente, vão
desaparecendo.).
Cena IV
(No
Escritório de uma grande Editora, seis meses depois da tragédia na Lapa. Em uma
sacola com o logotipo da Empresa, Fonseca carrega cinco exemplares de um livro):
— Eu não acredito que consegui publicar o meu livro! Que
título genial! É a história da minha vida. — Diz Fonseca, eufórico, enquanto os
seus olhos passeiam pela capa.
(Ele
deixa a Editora e sai para comemorar em um Bar):
— É melhor aguardar alguns dias, para ver se as vendas
irão decolar. Se der certo, adeus pobreza. — Pensava entre um gole e outro de
chope.
(Sai
Fonseca e entra em cena o Narrador):
Depois da mutilação, Fonseca tornou-se retraído. Ele não
tomava mais banho, a não ser quando a coceira e o cheiro de suor começavam a
incomodá-lo. Passava os dias sem escovar os dentes ou trocar de roupa. Após o
transplante, porém, ele passou a ter dois prazeres na vida: o primeiro — o
maior deles, talvez! — era andar nu pela casa, balançando, orgulhoso, a sua
imensa anaconda. Ele se afastou dos amigos, para se dedicar ao segundo prazer
da sua nova vida: escrever as suas memórias. Ele gastava o tempo naquela que
dizia ser a obra da sua vida. Deu ao Livro um título sugestivo: “Todo castigo pra corno é pouco”. Uma
grande Editora resolveu publicá-lo, pagando-lhe uma polpuda soma a título de luvas. Sobre o valor de capa, ainda receberia um percentual
previamente ajustado.
(Sai
de cena o Narrador, e entra o Fonseca, que chega bêbado à sua casa.):
— Sou foda mesmo! Agora, eu sou um escritor famoso,
porra! Aquela vagaba vai me pagar. Serei rico e, ainda por cima, eu tenho essa
pica dos deuses... O Menezes e a Matilde vão me pagar! Não serei besta nunca
mais na vida. Chega de ser otário! — Ele vocifera, com a voz embaralhada pelo
álcool.
(Fonseca
adormece, tendo ao seu lado os cinco exemplares do seu livro. O palco é
iluminado por uma estranha luz de sonho. Entra em cena Neidinha, a ruiva da
Lapa, vestida de noiva, caminhando na ponta dos pés e olhando fixamente o Fonseca.
Ela leva, numa das mãos, uma navalha e, na outra, um pênis ensanguentado, que
mancha o vestido branco. Soa o alarme do pequeno relógio de cabeceira. Neidinha
sai de cena. A luz de sonho é substituída por uma alegre luz matinal de
primavera. Fonseca desperta.):
— Quem diria que a minha vida mudaria tanto! — Reflete
Fonseca, diante do espelho do banheiro.
(Uma
semana depois, Fonseca fala ao telefone com o Editor):
— Estou ligando para combinar a noite de autógrafos,
Fonseca. As vendas iniciais estão muito boas, bem acima das nossas
expectativas. Não me leve a mal, mas uma boa história de corno é sucesso
garantido... Os leitores sentem prazer com o sofrimento do corno... Isso lhes
faz parecer que não são, eles próprio, cornos... Resumindo, meu amigo, o seu
livro é um fenômeno editorial! Apesar do sucesso, contudo, nós precisamos
divulgar o livro. Eu já tenho algumas ideias. — Diz o Editor Ricardo.
— Estou à disposição! Pode marcar o evento.
— Combinado! Eu já tenho um projeto de
mídia. Você irá dar entrevistas para dois canais de
Televisão e para algumas estações de rádio. Não se esqueça de se preparar.
Lembre-se de convidar os leitores para a noite de autógrafos. A propaganda é a
alma o negócio. O nosso Departamento de Marketing irá treiná-lo para
essa nova fase da sua vida, meu caro Fonseca! Já indiquei a Natália, para
cuidar da sua relação com o público, executar o Projeto de Mídia, enfim, todo o
nosso Plano de Marketing e agendar eventos com a sua participação.
— Ricardo, a coisa é séria! Nunca imaginei que fosse
vender assim... Estou meio assustado.
— Você não
imagina a receptividade do público. É só falar de chifre... na cabeça dos
outros... que o povo delira. Já está em quinto, na lista de Best Sellers.
E subindo... Acertarei os últimos detalhes com o resto da equipe e amanhã nos
encontraremos aqui no escritório.
— Amanhã, lá pelas dez... Está bom assim?
— Perfeito! Eu o aguardarei para a nossa reunião.
Convidarei a Natália, a fim de que você a conheça. Um bom entrosamento com ela
será fundamental. Ela é muito boa no que faz. Na verdade, é a melhor! Não se
preocupe.
Cena V
(Fonseca, Ricardo e Natália, na reunião. Natália era uma jovem de 28
anos, cabelos negros e olhos verdes, muito dedicada ao trabalho e quase sem
vida social, excetuando-se os compromissos profissionais. Nunca surgiu com um
namorado, embora recebesse muitas cantadas, inclusive dos chefes.):
— Fonseca, essa é a Natália, Relações Públicas.
— É um prazer conhecê-la! O Ricardo me falou muito bem de você.
— Espero que não tenha exagerado! Detesto criar expectativas.
— Vamos ao trabalho! — Intervém Ricardo.
(Durante duas
horas ininterruptas, eles discutem o Plano de Marketing, orientando o Fonseca
sobre as suas entrevistas e contatos com o público, em especial nas noites de
autógrafo em cinco Capitais.):
— Então, Fonseca, daqui a três dias será a sua noite de autógrafos
em Ipanema. Prepare a sua rubrica e ensaie algumas palavras, breves, para não
atrasar os leitores na fila. Muitos irão tirar fotografias. Por isso, vá ao cabeleireiro,
faça a barba, compre roupas novas e mantenha sempre um sorriso no rosto. Nada
de cara amarrada. O público percebe. — Diz Natália.
— Eu nem sei por onde começar...
— Irei ajudá-lo. Não se preocupe. Você terá a minha assistência
sempre que precisar, inclusive para atualizar o seu visual ultrapassado. O
velho Fonseca morreu! Agora, você é um escritor de sucesso. Cabeça para cima,
olhar mirando o infinito, como um sábio de contos de fadas, e nada de dizer que
a história do livro é autobiográfica. Ninguém precisa saber...
— Natália, há mais algum item a ser discutido? — Pergunta Ricardo, o
Editor.
— Tenho algumas coisas, mas passarei ao Fonseca aos poucos, para não
o ocupar com tantos detalhes.
Cena VI
(O tempo passa,
frenético, na vida do nosso herói. Ele se torna um escritor consagrado, dedicando
o seu tempo às viagens e aos infindáveis compromissos agendados por Natália. Para
aproveitar, de alguma forma, o dinheiro que está ganhando, ele compra um
Porsche Cayenne Turbo S, uma lancha de 50 pés e uma bela mansão na Barra da
Tijuca, o paraíso dos novos ricos do Rio de Janeiro. Ele só não tem tempo para
as mulheres, e isso o deixa angustiado...):
— Porra, eu tenho dinheiro sobrando, mas nunca testei a porra do
pau! Isso deve ser castigo.
(Nesse
instante, o celular toca. É uma chamada não identificada.):
— Alô! Esse telefone é do Fonseca? — Indaga uma voz
feminina.
— Sim! Mas quem fala? Estou reconhecendo a voz, mas
não tenho certeza... É a...
— Matilde! Sou eu mesma...
— Que surpresa, Matilde! Há muito tempo eu não escuto
a sua voz.
— É mesmo! Estou com saudade de você!
— Engraçado, eu a havia esquecido...
— Não seja cruel, Fonseca! Eu duvido muito que você
tenha me esquecido. Sou a mulher da sua vida!
— A que devo o prazer da sua ligação? — Diz Fonseca,
em tom irônico, arrastando as sílabas na palavra “prazer”.
— Eu só queria bater um papo com você, quem sabe ir a
um barzinho mais tarde.
— Caraca! Depois desse tempo todo? Será que ainda
temos assunto?
— Relaxe, Fonseca! Eu mudei muito desde a última vez em
que conversamos. Eu amadureci bem mais do que você imagina. É a idade, que vai
chegando...
— Já sei! Você levou chifre do Menezes.
— Não estamos mais juntos, Fonseca. Não quero nem ver
o Menezes. Ele é coisa do passado.
— Tá combinado, então! Mais tarde, no Shopping do
Leblon. Que tal às oito?
— Combinado!
Cena VII
(Na hora
marcada, eles se encontram no Shopping):
— Oi queridinho! Você está muito bem. Nem parece que
perdeu o pingolim um dia desses.
— Pingolim? Há, há, há... Você não faz ideia do “pingolão”
que eu tenho agora.
— Estou curiosa para conhecer esse novo “Juquinha”.
— Quem disse que eu a quero de volta? Você se esquece
rápido demais das coisas...
— Como assim?
— A sua bunda, por exemplo... você esqueceu em casa...
Parece uma tábua, Matilde!
— Mas essa tábua agora leva prego, Fonseca... Não se
esqueça disso!
— Você chegou tarde demais. Agora eu tô na mídia... tenho
grana... Matilde, eu vou dar logo um papo reto: tem muita gata dando mole por
aí... Você vacilou. Perdeu, garota!
— Mas elas o amam de verdade, como eu? Homem é um
bicho besta mesmo...
— Se elas me amam ou não, Matilde, é problema delas!
Quando eu quero comer lagosta, eu simplesmente vou ao restaurante, pago e como.
Nunca perguntei se as lagostas gostavam de mim. — Ele fala, com ironia,
soltando uma gargalhada.
— Quem te viu quem te vê! O que o maldito dinheiro não
faz...
— Faz você rastejar atrás de mim, por exemplo...
— Não fale assim, meu amorzinho lindo! Eu sempre o
amei.
— Não me chame de amorzinho, sua vagabunda! Você é uma
cobra, Matilde. Enrole esse rabo e sente em cima.
— Eu juro que me arrependi de tudo! Eu quero que a
minha mãe morra, seu eu estiver mentindo.
— Mudando de pau pra cacete, diz aí, Matilde: essa
tábua agora leva prego? É sério mesmo? Aquele papo de dar o cu pro Menezes?
— Faça a sua aposta, queridinho! Pague pra ver...
— Não vou pagar porra nenhuma!
— Deixe de ser chato, Fonseca! Era só uma metáfora.
— Não mude de assunto, Matilde! Eu vou arregaçar essa
porra desse cu, pra você aprender a respeitar um macho.
— É assim que eu gosto de ver, meu Fonsecão! Dá na
minha cara! Toda vez que um homem tenta me dizer algo fofo, eu fico sem
tesão... acaba o clima. Sabe como é?... Eu odeio homem que fica de mi, mi,
mi... Agora, se você quiser me deixar louca, seja bruto e másculo. Eu quero ser
acorrentada e jogada na cama por mãos fortes e braços musculosos. Eu quero
sentir cheiro de homem, toque áspero de mãos calejadas no meu corpo. Seja macho,
Fonseca! Meta esse pau grande e grosso na sua Matilde! Eu fico toda umidazinha...
Por favor, me coma, Fonseca! Eu quero você dentro de mim.
— Mas você nunca foi masoquista!
— Como é que você sabe? Nunca tentou...
— Você mudou muito, Matilde!
— Na verdade, você nunca me conheceu...
— Estou curioso...
Cena VIII
(Eles saem do Shopping e reaparecem em um Motel. Matilde coloca uma
música e começa a fazer uma dança erótica, meneando os quadris, lentamente, e
se contorcendo. Ela esfrega a blusa com furor, retesando-se ao apertar os
seios. Seu corpo estremece, enquanto o Fonseca assiste a tudo da cama, sem
tirar as roupas.):
— Sou uma garota má, Fonseca! Escovarei os dentes com
o seu pau, meu amor. Deixarei a sua pica fresquinha toda manhã.
— Que bom! Vou economizar na escova...
— Engraçadinho...
(Matilde
começa a tirar a roupa; primeiro a blusa, deixando revelar o sutiã cor de rosa.
Ela não para de dançar, mostrando a sensualidade que aprendera a esbanjar com o
Menezes.):
— Desde quando você sabe dança do ventre?
— Relaxe e goze, Fonseca! Não, importa como eu
aprendi.
— Já sei! Foi o canalha do Menezes.
— Ele me ensinou, mas é você que vai se deliciar,
Fonseca! É como o Professor: ensina o aluno para o mundo, e não para si mesmo.
Cara, assim, não há tesão que aguente! Chega de querer ser corno, Fonseca!
Agora, eu sou só sua.
— Continue dançando...
(Um
pouco desconcertada com as interrupções, Matilde recomeça a sua dança do
ventre. Vira o sutiã ao contrário e o abre. Seus seios saltam de alegria,
rígidos e estranhamente arredondados.):
— Que porra de peito é esse?
— Coloquei silicone.
— Você quer dizer, o Menezes colocou!
— Ele não é Médico, Fonseca...
— Mas pagou e, para mim, é a mesma coisa.
— Vou embora, Fonseca! Você está pior do que antes.
Pensei que houvesse amadurecido.
— Não! Por favor, fique! — Diz Fonseca, já de joelhos.
— Essa é a sua última chance!
(Ela
recomeça de onde parou. Tira a calça jeans e revela a sua bundinha nova,
recheada de silicone.):
— O que...
— Calado! — Ordena Matilde, com o indicador
perpendicular aos lábios, indicando silêncio.
(Respeitoso
— eu diria submisso e derrotado — Fonseca se cala. Ela tira a calcinha,
deixando desnuda a sua linda vagina, de lábios rosados e sem pelos.):
— Chegue mais perto! — Pede Fonseca, com a voz melosa.
(Matilde
aproxima-se da cama):
— Que delícia! — Ele diz, depois de percorrer com os
dedos a vulva intumescida de Matilde, que ainda estava de pé.
— É toda sua, Fonsequinha...
— Que sabor é esse? Parece um oceano de encantamento.
É salgada como o mar, mas ao mesmo tempo doce, com algumas gotas de mel. — Ele
diz, chupando, com volúpia, os dedos que introduzira na vulva de Matilde. Ela
já ardia de desejo, deixando escorrer o seu néctar dos Deuses. Mantendo-a
próxima de si, mas ainda de pé, ele percorre, com a língua, o ninho de Matilde.
Seus braços a enlaçavam, enquanto as mãos comprimiam, com ardor, aquela
bundinha dura, que acabara de conhecer. Ele ergue a cabeça, num movimento
repentino:
— Eu te amo, Matilde! Eu sempre te amei!
— Fonseca, isso não é hora para esse papo de amor.
Continue com a linguinha! Vai por mim, meu queridinho... É só isso que eu peço.
Chupe bem gostoso, passe a língua bem durinha na sua Matilde. — Ela diz,
dobrando-se para frente, a fim de deixar a sua vulva mais próxima do Fonseca.
Ele aperta a bundinha da amada e introduz a língua, passando-a pelos grandes
lábios. Meio sem jeito, ele tenta encontrar o clitóris, mas acaba sendo
agressivo demais com a língua:
— Calma! Mais devagar...
— Assim?...
— Isso!
(Depois
de alguns minutos, Matilde fica curiosa e lhe pede para tirar a roupa.):
— Agora é a sua vez! Mostre esse pauzão novo pra sua
Matilde. Eu já participei de muita suruba, e não fiz feio, modéstia à parte...
até com três homens, mas eu nunca chupei dois paus diferentes de um mesmo
homem...
— Então, eu vou ser corno de qualquer jeito? Você vai
chupar o pau de um cara que já morreu e que eu nem conheço. Puta que o pariu!
— Vai ser uma delícia, Fonsequinha! Um ménage à trois:
eu, você e o falecido...
— Ménage à trois é o caralho!
— Anda, que eu tô toda molhadinha.
(Ele
tira a roupa e expõe o seu membro flácido, mas grandioso.):
— Meu Deus do céu! Eu não vou aguentar isso tudo. Eu
sou apertadinha, quase virgem... Ai, eu vou morrer, Fonseca! Você é um jumento,
um cavalão...
— E desde quando mulher morre de pau? Só se bater com
ele na cabeça! Não é assim que fala o seu amante?
— Eu não tenho amante; só tenho você. Vem meu jumentão!
— Ela diz, passando a língua pelos lábios, enquanto envolve o pênis com as duas
mãos. — É grande e grosso, pesado e cheio de veias. Nada a ver com aquela
porcaria que você tinha.
— Bem que falei... Sou outro homem. Tô ganhando muita
grana, ficando famoso e tenho um pau inesquecível...
— E convencido...
— Vai, Matilde, chupe logo essa pica!
— E cabe na minha boca? — Ela diz isso, mas não
resiste à tentação de engolir aquele pênis grandioso. — É muito maior do que o
do Menezes, se isso o deixa mais alegre.
— Lá vem você falar o nome daquele canalha! Chupe essa
porra, Matilde, senão eu dou pra outra...
(Ela
o coloca na boca, sorvendo a glande com carinho. De vez em quando dá uma
lambida suave, percorrendo-o em toda a sua extensão.):
— Fonseca, por que ele não sobe? Parece Maria-mole...
— É você que não sabe chupar! O seu curso de
boqueteira tá vencido, Matilde. Você precisa fazer reciclagem.
(Ela
tenta durante meia-hora, mas o pênis do nosso amigo Fonseca não dá sinal de
vida.):
— Cansei, Fonseca! A minha boca já está dormente...
— Não desista, Matilde, por favor! Tente só mais um
pouquinho. Olhe, ele deu uma balançadinha, parece que vai acordar...
— Ele nem soluçou, Fonseca!
— Não seja cruel!
— Ninguém merece, Fonseca! Uma trava arregaça o seu cu
sem dó nem piedade, corta fora a porra do “Juquinha”, que era infantil, mas,
pelo menos, subia. Um milagre acontece, e você recebe o primeiro transplante de
pênis do Brasil... escreve um livro sobre o chifre que levou, fica rico e
famoso... implanta uma pica maravilhosa, grande, grossa, o sonho de consumo de
toda mulher... E paaahhh! A porra do pau não sobe! Você aguenta a verdade, Fonseca?
— Pode falar! Eu mereço sofrer... Sou um corno mesmo.
Tenho mais é que me foder.
— Fonseca, você ficou broxa! Agora, é corno e broxa!
— Não fale assim, que eu choro. — Ele diz, soluçando.
Cena IX
(No dia
seguinte, angustiado, quase em desespero, Fonseca vai ao Consultório do Doutor Rômulo.):
— Doutor Rômulo, essa porra não sobe!
— Seu pênis? Você não tem ereções?
— No início eu pensei que fosse por causa da cirurgia
recente. Depois comecei a estranhar. Eu tentava me masturbar e nada... Ontem,
eu saí com a Matilde e nem sinal de vida. Ele chupou como nunca havia feito
antes. Estava gulosa...
— Matilde não era a sua ex-esposa, a mesma que o traiu
com o seu melhor amigo?
— E o que isso tem a ver com o meu pau? A Matilde está toda gostosa, e eu fiquei broxa.
Eu não sou mais homem. Simples assim...
— Calma, Fonseca! Mesmo sem pênis, você seria homem...
um homem sem pênis, mas, ainda assim, geneticamente um homem, com um cromossomo
“x” e um “y”.
— Grande consolo, Doutor Rômulo!...
— Mas se acalme, Fonseca! Pode ser um problema psicológico.
É normal, principalmente nos casos de impotência, uma causa emocional. E você
sofreu amputação traumática. Não se esqueça disso. Faremos alguns exames, para verificar
se os corpos cavernosos estão íntegros.
— Mas isso vai demorar?
— Se o tratamento, que iniciaremos agora, não der
certo, eu o internarei na próxima semana. Inicialmente, receitarei alguns
remédios para facilitar a ereção.
— Faça o que for preciso, Doutor Rômulo, custe o que
custar, mas faça o meu pau subir! Eu pago. Tenho grana, agora.
— Não é questão de dinheiro, meu caro Fonseca! Você
sabe que eu tenho interesse médico no sucesso do transplante. Precisamos
testar, também, se não estaria ocorrendo algum processo de rejeição crônica do
órgão, algo ainda desconhecido.
— Mas isso é possível, depois de tanto tempo?
— Nos casos de rejeição crônica, e falo isso com
relação a outros tipos de enxerto, pode ocorrer, tardiamente, a perda de função
do órgão, no período pós-transplante. Ela é diagnosticada pela deterioração lenta,
mas progressiva, da função do órgão enxertado, associando-se, esse quadro, a
alterações vasculares. Esse tipo de rejeição crônica vascular é parecido com a
aterosclerose, pois também se observa, em um e outro caso, o espessamento
vascular difuso e progressivo das artérias do órgão enxertado. Esse quadro leva
à isquemia e consequente falência do órgão transplantado, inclusive com o
desenvolvimento de fibrose.
— Caralho! E isso tem cura?
— Os mecanismos responsáveis pela rejeição crônica
ainda são pouco compreendidos, principalmente em relação ao pênis. Tudo é novo
nesse tipo de cirurgia, como eu o avisei antes de fazê-la. A literatura médica
é quase inexistente. Precisamos tatear no escuro, lidando, a cada passo, com os
desafios que vão surgindo. E devemos descobrir, nós mesmos, a terapêutica para
cada problema.
— Beleza, Doutor Rômulo, mas enquanto isso o meu pau
não sobe. É muita sacanagem: transplantam a primeira pica do Brasil, e ela não
funciona!
— Calma, Fonseca! Estamos trabalhando nisso...
— Que maravilha, Doutor rodrigo, estão trabalhando na
minha pica morta!
— Mortinha da Silva! Ela era de um defunto. Esqueceu?
— Puta que pariu! Até o meu médico resolveu me zoar?
— Desculpe-me! Estou apenas tentando descontraí-lo,
meu amigo Fonseca.
Cena X
(Ao sair do
Consultório do Doutor Rômulo, Fonseca liga para Natália, Relações Públicas da
Editora, e marca uma reunião para o dia seguinte. Ele insiste que não seja no
escritório da empresa, mas em um Bar de Ipanema. Ele e Natália sentam-se à
mesa.):
— Eu estranhei o tom da sua voz ao telefone, Fonseca!
Aconteceu alguma coisa? Não se preocupe com o livro! As vendas estão ótimas.
Você escreveu um best seller.
— Não é isso que me preocupa no momento, Natália! Eu tenho
visto os depósitos na minha conta, relativos às comissões a que que tenho direito
sobre as vendas do livro, e posso dizer que nunca vi tanto dinheiro.
— Então, o que pode ser? Você está com o semblante
abatido. Deve ser algo muito grave. Eu posso ajudá-lo?
— Eu realmente não sei se devo lhe pedir esse favor,
Natália! Não quero que você me entenda mal. É algo muito particular. Fico
embaraçado por compartilhar com você um assunto tão sensível como esse.
— Pode se abrir comigo, Fonseca! Confie em mim!
— Não me leve a mal, mas eu sou broxa!
— Como é que é? Eu não entendi!
— Eu fiquei broxa! Pronto, falei! É isso mesmo: eu sou
um corno broxa!
— Foi o que eu pensei haver escutado. Só não entendi
onde eu entro nessa história...
— Natália, você tem tudo a ver com isso...
— Eu? Poupe-me desses detalhes sórdidos sobre a sua
vida sexual, Fonseca! Desculpe-me a sinceridade e até a rispidez da minha
reação, mas esse problema é seu, e não meu ou da Editora.
— Mas eu não disse que o problema era seu ou da
Editora. Na verdade, você é a solução...
— Agora que estou voando mesmo! Acho que o Tico e o Teco — os meus dois
neurônios — ainda estão dormindo.
— Não é a minha varinha que não funciona. Está faltando é alguém que
saiba fazer a mágica certa...
— Sim... E o que eu tenho a ver com essa mágica?
— Natália, só você sabe fazer a mágica que eu preciso,
para ressuscitar a minha masculinidade.
— Cara, você falou com a pessoa errada! Da fruta que
você gosta, eu chupo até o caroço...
— Não me diga que você é lésbica?
— Depois de tanto tempo convivendo comigo, você ainda
não havia percebido? Eu sou entendida, gosto de cheirar couro... Se você tiver
dificuldade para entender, eu desenho um amortecedor de rola...
— Amortecedor de rola? Que porra de gíria é essa?
— É boceta, Fonseca, xereca, vagina, xoxota! Não
conhece? Eu apresento.
(Nesse
instante, Natália dá duas palmadas na vagina).
— Não precisa se exaltar desse jeito! É para o seu
próprio bem, Natália! Você precisa abrir os seus horizontes, pra variar. Tente
algo novo... um homem, por exemplo. De repente, você passa a gostar da fruta.
Além disso, lavou tá novo. Só assim eu ganho confiança. Quem sabe, com a caçapa
certa, eu não espirro o taco?...
— Além de não sentir atração por homens, eu tenho
princípios éticos. A nossa relação é estritamente profissional. Você é um autor
de sucesso e eu, Relações púbicas da Editora. Vamos ficar nisso, ou pedirei
para ser substituída por outro profissional.
— Natália, esqueça esse papo de ética profissional e
pense um pouco em humanidade. Eu só quero que você passe o giz no meu taco...
— Há, há, há! — Natália ri convulsivamente. — Eu nem queria
rir, mas essa foi boa. Justamente eu, que não gosto de sinuca, sou convidada a
passar o giz no seu taco... Só me faltava essa.
— Não brinque com coisa séria, por favor!
— Mas foi você que iniciou essa conversa de passar o
giz no taco.
— Estou desesperado, Natália! Eu não tenho com quem
falar sobre isso. Eu preciso de ajuda. Estou pensando até em me matar. — Diz
Fonseca, no instante em que lágrimas, grossas e profusas, começam a rolar dos
seus olhos.
— Deixe de drama, Fonseca! Procure um médico.
— Já procurei... Ele disse que o meu corpo está
rejeitando o pênis.
— Posso dar um conselho?
— Pode...
— Tente um homem...
— Como assim... tente um homem?... Não entendi!
— Como o seu pênis não funciona, tente relacionar-se
com homens, de agora em diante. Eles terão um pênis que funciona. Assim, você
não sentirá falta do seu...
— Grande conselho esse... dar o cu... Além de corno e
broxa, veado..
— Mas foi esse conselho que você acabou de me dar: “É para o seu
próprio bem, Natália! Você precisa abrir os seus horizontes, pra variar. Tente
algo novo... um homem, por exemplo. De repente, você passa a gostar da fruta.
Além disso, lavou tá novo.” Não foi isso que você me disse?
— Espertinha!...
— Eu aprendo rápido, queridinho...
— Se for preciso eu me ajoelho aos seus pés.
— Não faça isso, Fonseca! Homem ajoelhado é
deprimente.
— Assim? — Ele pergunta, ajoelhado no meio do bar. — Eu
imploro, Natália, fode comigo!
(Os
clientes observam a cena e, alguns deles, mais exaltados pelo efeito do álcool,
iniciam um coro: “fode com ele, Natália!”... “fode com ele, Natália!”... “fode
com ele, Natália!”...)
— Fonseca, eu tô morta! – Você está me matando de
vergonha.
— Continuarei de joelhos até você concordar.
(“fode,
fode, fode!” — Cantarolavam os clientes.)
— Tá certo! Eu farei isso, mas por piedade! Que isso
fique bem claro.
(“Um
brinde ao sexo livre!” — Gritou um rapaz com ar de hipster.)
— Viva, viva! Estou curado. — Berrou Fonseca a plenos
pulmões.
— Fonseca, devagar, pra não cair do cavalo. Vai que essa porra não sobe...
(Sobe... sobe...sobe... — Agitavam-se os clientes entre aplausos e
assovios.)
— Vire essa boca pra lá, Natália! Eu posso ser corno,
mas broxa eu nunca fui. Prepare-se para ser empalada pelo Fonsecão. Vou até
passar Vic na cabeça do pau...
— Vic? Pra quê?
— Pra entrar pelo cu e sair geladinho pela boca...
— Fonseca, eu não sou obrigada a escutar isso, né!
Cena XI
(Eles
saem do Bar e se encontram num Motel na Barra da Tijuca):
— Vamos logo com essa cena trágica, Fonseca! Já estou
preparada para o caso da sua cobra morta não ressuscitar.
— Como assim? Eu não entendi.
(Nesse
instante, Natália tira a calça folgada que estava usando e revela um grandioso
“strap-on”, uma cinta peniana presa à cintura.)
— Fonseca, esse é o meu “cintaralho”! É vermelhinho, inchado...
e duro, ao contrário do seu... A mulherada acha uma delícia. Deixe eu botar só
a cabecinha! Eu prometo parar, se você não gostar. Não vai doer nadinha...
— Calma aí, que essa fala era pra ser minha. Mas que
porra é essa, Natália? Você sempre anda com esse tripé? Você parece o Kid
Bengala, com essa merda, porra!
— Queridinho, uma mulher prevenida vale por duas...
— Puta que pariu! Você não quer me dar, você quer é me
comer...
— O meu pau é no estilo calcinha. Uso quando quero impressionar
a gata. Elas piram no volume que se forma na calça. Quando vejo que a mina tá
olhando, eu coloco um dos pés numa cadeira e começo a acariciar o pauzão. Elas
ficam com água na boca, só na fissura...
— Pare por aí mesmo, que você já conseguiu me assustar.
Tire logo essa porra, ou eu vou acabar broxando novamente. No meu cuzinho, não,
Natália! As minhas pernas já estão tremendo. Tô ficando até arrepiado com essa
ideia louca.
— Calma aí, meu queridinho! Se a sua pica de defunto não
subir, você vira de quatro e relaxa o anelzinho. Eu garanto que a minha sobe...
— Você está é louca! O meu cu é virgem!
— Seria virgem, se não fosse a Neidinha...
— Mas eu fiz plástica e sou virgem novamente.
— Com jeitinho, tudo se resolve, Fonseca! A sua mãe
também era virgem, e você está aí... Eu tenho um gelzinho milagroso comigo.
Há... há... há... — Diz Natália, entre gargalhadas, com um tubo de K-Y Gel nas mãos.
— Deixe esse negócio de comer para quem tem uma pica
de verdade, Natália!
— Uma pica que pertence a um defunto, você quer dizer.
Uma pica morta... Ela morrrreeeuuu, Fonseca! Tá mortinha da silva... Só falta
enterrar...
— Psiuu, Natália! — Ele diz com o indicador sobre os
lábios. — Você só abre as pernas e aprende com o Fonsequinha.
— Que se inicie o espetáculo, então! Aaaiii, eu tô
toda molhadinha. Eu quero esse pênis grande e grosso todinho dentro de mim. Aí,
assim, machuca a sua Natália... machuca, meu Fonsecão... Tá bom assim?
(Já
suando frio, Fonseca acaricia a sua grande sucuri adormecida. E nada...):
— Essa porra não sobe, Fonseca! Vire de quatro e pare
de franzir a rosquinha. Isso é um cu ou um vaga-lume, caralho? assim, vai ser
pior pra você.
— Por que você fica de olho no meu cu, hein Natália?
— Adoro um cuzinho novo. Dá só uma pegadinha na minha
pica deliciosa; ela já tá durinha. Não gosta de quatro? Fique de ladinho,
então, que a mamãe vai te comer! Faz um franguinho assado, meu corninho preferido.
— Você também não tá colaborando, Natália! Eu quero
meter forte no seu cuzinho, mas você não ajuda.
Nem uma piscadinha de boa vontade...
— Deixe-me segurar essa bela adormecida, então.
(Ela
tenta por cinco minutos e nenhuma reação do amiguinho do Fonseca, que continua
inerte. Ela começa a balançá-lo com força, girando-o como as pás de um
helicóptero. E nada...):
— Sinto muito fazer o obituário, mas ele morreu mesmo,
Fonseca! Vrrruuummm, vrrruuumm, vrrruummm... — Ela imita o som das hélices de
um helicóptero, enquanto faz revoluções com o pênis inerte do pobre Fonseca, a
essa hora já desolado e sem qualquer esperança.
— É por isso que dizem que todo castigo pra corno é
pouco. Esse pau tá mais morto do que o antigo dono. Eu preciso me matar, e
logo.
— Relaxe, Fonseca, que eu encaixo nesse anelzinho
virgem. Ai que delícia...
— Vai com essa porra pra lá!
— Fonseca, escute o que estou dizendo! É para o seu bem: vai doer menos, se você perder o “cabaço” com uma mulher. Mas não tenha medo, senão o anelzinho fecha. Eu serei gentil... juro! Mas é aquela coisa: passou a cabeça, o resto é poesia... escorrega legal. A sua sorte, Fonseca, é que pica tem cabeça, tem pescoço, mas não tem ombro. Depois que passa a prega rainha, shhhlllooop... é só festa. Fonsequinha, vai por mim: mulher sabe onde dói... Homem, quando vê um cuzinho apertado, pira. Cara, eu já transei com homens e me arrependi amargamente. Eles pensam que é o cu da mãe deles. Arregaçam mesmo. As hemorroidas, nessa hora, vão parar no estômago. O anelzinho fica só o “folote”, com o beiçinho pra fora... Comigo, não, Fonseca! O seu cuzinho vai receber tratamento vip. Eu serei carinhosa. Vou passar o batom e deixar o beicinho rosado...
— Que papo sinistro é esse? Tá me tirando? Eu sou é macho, Natália!
— Pois macho, pra mim, é quem aguenta outro macho calado e sem
deixar cair uma lágrima. Como diz um amigo meu: “arregaça, que aqui é cu de
macho!”
— É melhor parar com esse papo, senão você acaba me convencendo.
Estou muito sensível...
— Sensível? Então, tá no ponto certo! As preguinhas ficam gulosas,
quando você fica sensível. Vai por mim, Fonseca! Libera o cuzinho aí! Eu já
fiquei de pau duro. Olha só que delícia de pica!
(Fonseca
cede aos pedidos carinhosos de Natália. Depois que ela veste seu acessório
mágico, ele se deita de bruços.):
— Que posição é essa, Fonseca? Que porra é essa?
— Como eu devo ficar?
— Se fosse o meu cu na reta, como você gostaria de me
comer?
— De quatro...
— Aí, garoto!... Agora, você tá fazendo sentido. Esse
é o Fonsequinha que eu gosto...
— Mas vai devagar, Natália. Eu sou delicado. Tô
apertadinho e nervoso.
— Puta que o pariu! O primeiro macho que eu vou comer
na vida, e o cara é “delicado”! Ninguém merece uma porra dessa. Uma predadora
comendo uma maricona.
— Tô falando sério! Eu sou virgem.
— Virgem, Fonseca? Pra cima de mim com esse papo?
Esqueceu da Neidinha da Lapa? Cirurgia plástica não apaga a pirocada que você
levou.
— Mas ela não conta! Além da reconstrução, eu estava
bêbado e não me lembro de nada... Então, eu sou virgem!
— Quer dizer que se eu tiver amnésia, volto a ser
virgem? Essa é boa. Me dá uma paulada na cabeça, então, que eu volto a ser
cabaço...
— Tá bom, eu não sou virgem; sou semicabaço. Tá
satisfeita, agora?
— Fonseca, o cu é seu...
(Depois
de lambuzar o seu membro com lubrificante, Natália bate com ele na bunda branca
do Fonseca, que, a essa altura, já estava de quatro.):
— Para que bater com essa porra na minha bunda, por
favor!
— Cale a boca aí, seu corno! E pare de piscar esse cu! Tá parecendo árvore de natal... Assim, eu não consigo dar o bote, porra! Você não é todo machão? Pois chegou
a hora de provar pra mamãe...
— Acabe logo com isso! Não é hora de papo.
(Ela
começa a introduzir a sua maravilha de borracha, quando Fonseca dá um grito
lancinante.):
— Você vai me matar!
— Que é isso, Fonseca? Homem não morre de pau. Só se
bater na cabeça... Não foi isso que você escreveu no livro, ao falar das
mulheres?
— Ai, ai, ai... — Isso é horrível. Quando é que vai
ficar gostoso, porra? Tá uma merda...
— E eu que sei, Fonseca? O cu é seu! Cara, eu não
cheguei nem no nervo da ereção. Aguenta só mais quinze centímetros, que o seu
pau vai subir.
(Natália
dá um grito de nojo.):
— Puta que o pariu, Fonseca! Você se cagou todo. Tá
vazando... Agora, chupa essa merda do meu pau!
— Mas tá cagado, Natália!
— Eu não sou cega, Fonseca!
— Desculpe o mau jeito. É que não estou acostumado a
dar o cu. Com o tempo, talvez eu melhore...
— Que tempo, porra nenhuma! Você ainda quer tempo? E
ainda acha que é muito macho, quando come o cu alheio... No dos outros é mole...
(Quando
o cheiro das entranhas do Fonseca invade o quarto, Natália corre para o
banheiro e vomita.):
— Pra mim, chega! Não precisa me deixar em casa. Eu
pego um taxi.
(Eles
se despedem friamente, Natália ainda enojada e Fonseca, envergonhado, com o
orgulho na sarjeta.).
Cena XII
(No
dia seguinte, logo que acorda, Fonseca vai ao consultório do Doutor Rômulo.):
— E agora, Doutor Rômulo? Essa porra ainda não subiu!
— O remédio contra a rejeição não faz efeito assim, tão
rápido. E o seu grau de ansiedade pode estar bloqueando as ereções.
— Doutor Rômulo, não foi você que teve que dar o cu
ontem.
— Infelizmente, não, Fonseca... Mas por que você deu?
Masoquismo, vontade de sofrer? Não faça isso, se não sente prazer. Agora, se
achou gostoso é outro papo...
— Tá me zoando, Doutor Rômulo?
— É claro que não! Você está muito tenso. Relaxe!
— Quer me comer também? A última vez que me mandaram
relaxar, eu me caguei todo.
— Apenas continue com a medicação. É preciso dar tempo
ao tempo.
(Passam-se
dois meses. Fonseca tomou os remédios com fervor religioso, embora tivesse
pouca esperança. Mais uma vez, ele conversa com o Doutor Rômulo.):
— Como está o seu amiguinho? Teve ereções?
— Nada! Nem uma única vez. Tento me masturbar e nada.
Ele está morto.
— Teremos que fazer alguns exames. Pode ser que o
processo de rejeição não tenha regredido. O seu corpo está se defendendo do
pênis, tratando-o como um corpo estranho.
(Eles
saem para uma sala contígua, onde colhem sangue e realizam outros exames,
reaparecendo na cena quinze dias depois.):
— Estão aqui os resultados da bateria de exames. Sinto dizer que as notícias não são boas.
Você não merece esse castigo, Fonseca.
— Eu mereço, sim! Todo castigo pra corno é pouco, Doutor
Rômulo. Diga logo! Estou preparado.
— Houve rejeição do membro implantado. Teremos que
fazer novo transplante. Mas tenho outra má notícia: não temos qualquer
prognóstico para ter outro pênis disponível. Você terá que ficar sem nada por
enquanto. Só assim podemos fazer cessar o processo de rejeição. Tentamos todos
os medicamentos
imunossupressores que estão disponíveis no mercado, mas não fizemos regredir a
resposta imunológica. As células do seu próprio sistema imune reconheceram o
pênis como um corpo estranho, e o rejeitaram. E
essa rejeição, no seu caso, é classificada como crônica, pois o “allograft” peniano, lenta e progressivamente,
está se deteriorando em suas funções, existindo evidências histológicas de
hipertrofia e até de fibrose.
— Já imaginava isso... Pisei em rastro de corno e
estou andando em círculos.
— Se não quiser outro transplante, você pode optar
pela mudança de sexo, se desejar. O procedimento de ressignificação
sexual é tranquilo. A recuperação é lenta e dolorosa, mas o resultado é bem
satisfatório.
— Satisfatório para você, que tem o seu pênis
pendurado no lugar certo. Eu preciso pensar. Depois, nós conversaremos.
(Abatido,
Fonseca se despede do Doutor Rômulo.):
Cena XIII
(Sentado
no sofá da sala, Fonseca segura uma garrafa de uísque, que bebe em longos
goles, no próprio gargalo. O suor percorre o seu rosto, deixando na língua o
aroma penetrante do sal.):
— Não tem jeito, Fonseca! — Ele diz a si mesmo, em voz
alta. — Essa é a sina dos cornos. Com você não poderia ser diferente: todo
castigo pra corno é pouco, cara! Cortaram o seu pau, comeram o seu cu, o seu
melhor amigo traçou a sua mulher, ela não era virgem como dizia, quando você a
comeu pela primeira vez, implantam em você o pau broxa de um defunto, a sapata
come a porra do teu cu... Cara, desiste! — De repente, ele dá um grito — É
isso! Eu preciso daquela navalha de barbear do meu pai.
(Fonseca
procura num velho baú a navalha de barbear que herdara do seu pai, que, por sua
vez, a herdara do avô. Ele a encontra numa pequena caixa.):
— É isso que eu preciso fazer. Ninguém me chamara mais
de corno! — Ele berra diante do espelho do banheiro.
(Nesse
momento, Fonseca está transtornado, com os cabelos em desalinho e a expressão
carregada. O suor escorre, profuso, pelo seu rosto. A testa está enrugada e as
palavras saem desconexas da sua boca. Na mão direita, a navalha. Ele se olha no
espelho):
— Todos eles irão me pagar. Morram de inveja. Nasci
inocente, transformaram-me num corno, mas eu próprio farei do meu nome um
mito...
(Enquanto
as luzes do palco vão ficando esmaecidas, até a penumbra, Fonseca brande a
navalha, com um golpe... Escuridão total em cena. Ouve-se, então, um grito
lancinante.):
— Aiiiii, aiiii...
(Ouve-se
a voz do Fonseca, na escuridão):
Matilde, sua cachorra, eu posso ser corno, mas me
tornei uma lenda. Deixo a vida para me tornar um mito! E você, sua vagabunda,
morrerá anônima! Você não é nada, nem corna...
(Acendem-se
as luzes de cena. Surge uma repórter de televisão, segurando um microfone
diante da câmera. Ela começa a falar.):
— Aqui, nesse prédio, morava João Cornélio, autor da
tragicomédia “todo castigo pra corno é pouco”, o maior sucesso editorial de
2017. O que se pensava ser uma narrativa ficcional, era, na verdade, a história
da sua própria vida. No livro, o personagem principal — Fonseca — tira a
própria vida, amputando o pênis... Delegado, Delegado, nós estamos ao vivo. Só
uma perguntinha: o que aconteceu com o escritor João Cornélio?
— Infelizmente, ele se suicidou, amputando o pênis com
uma navalha. A causa da morte, segundo a avaliação inicial do legista, foi
hemorragia maciça como consequência de um ferimento auto-infligido pela vítima.
— Não existe a possibilidade de homicídio, Delegado? A
mesma travesti que o amputou não poderia tê-lo matado?
— Essa possibilidade está descartada. O apartamento dele
estava fechado por dentro e ambas as portas, a de serviço e a social, possuem
trava que impede a abertura por fora, se ela estiver acionada. E as travas das
duas portas estavam intactas. Nós tivemos que arrombar o apartamento a pedido
da Senhora Vânia, Relações Públicas do Senhor Cornélio.
— Muito obrigado, Delegado Tavares, pelas informações!
Senhora Vânia, Senhora Vânia, apenas uma palavrinha para o Gossip News: porque
a senhora chamou a polícia? A senhora sabia que isso poderia acontecer? Que ele
poderia se matar, como o personagem do livro?
— É claro que não! O Senhor Cornélio escolheu o
pseudônimo Fonseca, para não sofrer com o preconceito das pessoas em relação
aos traídos. Mas a narrativa, até onde sei, contém elementos ficcionais, que
ele incluiu na obra para lhe dar densidade dramática. Nem tudo ali é real! Os
traídos eram muito caros ao “Senhor Cornélio...
— Os cornos, a Senhora quer dizer...
— É isso, ele temia ser chamado de corno.
— Então, se a narrativa é autobiográfica, a senhora
participou da vida do seu cliente de forma muito íntima...
— Como eu disse, a narrativa, em grande, era parte
ficcional, inclusive as passagens que incluem a Relações Públicas Natália e o
editor Ricardo, que o Senhor Cornélio incluiu no texto por motivos dramáticos.
Ele queria adensar a história do Fonseca e, para isso, criou alguns personagens
fictícios. Desculpe-me, mas estou com um pouquinho de pressa. Eu tenho que
tomar algumas providencias para o velório.
— Agradeço as informações, Senhora Vânia! Com menos um
corno na cidade, eu me despeço. Carlota Gossip, direto da cena do crime... ou do
suicídio... Boa noite, senhores telespectadores! Volto ao estúdio. É com você
Sandra Malaccorta.
(Logo
após a entrevista, Vânia, a Relações Públicas do Senhor Cornélio, liga para o
Editor Éric Potins, seu chefe.):
— Éric, o Cornélio pirou de vez e se matou! Foi a
melhor notícia que nós poderíamos ter... Estou tentando conter a euforia. Você
sabe, não fica bem... eu ficar alegre numa hora tão trágica...
— Contenha-se, Vânia! A gente comemora depois.
— Vivo e escrevendo, o Cornélio era apenas um corno
escritor, mais um nesse mundo; morto, ele se tornará um mito. Morreu o corno,
nasceu a lenda! Mas ele sempre soube a verdade: “todo castigo pra corno é
pouco”!...
— Mandarei rodar a segunda edição do livro agora mesmo!
Ganharemos milhões com essa morte. Precisamos agilizar a produção do filme.
Ainda bem que ele nos transferiu, por contrato, os direitos sobre o roteiro da
obra cinematográfica. Nós precisamos mudar o Plano de Mídia de imediato. Eu
acho que nós devemos reforçar as lendas que as redes sociais estão criando em
torno do falecido Cornélio. Mentiras ou não, elas servem para dar publicidade
ao mito e à sua obra. Vamos espalhar algumas fofocas sobre ele... Foi para isso
que inventaram a bendita pós-verdade.
— O homem de um só livro, Éric... mas que bafo esse
livro! Também, com um nome desses... Cornélio... O que os pais dele queriam?
kkkkkkk
— É a vida imitando a arte, Natália! O Cornélio morreu
exatamente como narrou no livro... Sinistro!
(Cai o pano)
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