quinta-feira, 8 de março de 2018

Será que elas entenderam? (Crônica escrita por Jorge Araken Filho)


Será que elas entenderam?

Crônica escrita por Jorge Araken Filho

Ontem, por volta de das 13 horas, eu retornava da sessão de psicoterapia, como faço todas as quartas-feiras, mais ou menos no mesmo horário. Ao sair do Centro de Atenção Psicossocial – CAPS, da Prefeitura, eu ando cerca de 3 km e pego um ônibus. Sempre a mesma rotina, as mesmas ruas, lojas e vendedores ambulantes.

Raramente acontece algo extraordinário nessas viagens de ônibus na hora do almoço, além dos adolescentes eufóricos com o final das aulas do período matutino. Uns contam vantagens sexuais e amorosas como conquistadores infalíveis, outros falam das suas habilidades físicas; os mais narcisistas contam sobre os orgasmos múltiplos e infinitos que proporcionaram às namoradas (Quase sempre imaginárias). Nada além das bravatas e conversas tolas de quem não tem o que falar, mas, por ser jovem demais, ainda não aprendeu a nobre arte do silêncio. Quem pensa pouco fala muito! Eu fui assim um dia...

No terceiro ponto a partir do meu, entraram duas lindas jovens com idade entre 20 e 25 anos. Eu estava na terceira fileira a partir da roleta, com os olhos grudados em seus latifúndios dorsais. Enquanto elas passavam o “Riocard”, eu as examinava dos pés à cabeça, tirando-lhes as roupas, mentalmente, nas partes essenciais. Para ser sincero, eu só não desnudei os tornozelos. Eram realmente bonitas, com curvas que me atiçaram a libido há quatro anos e dois meses castrada.

— “Amigo, depois tanto tempo sem mulher, o homem começa a delirar: a “bruxa do 71” transforma-se na Bruna Marquezine.” — Você pode estar pensando.

Mas essas eram realmente bonitas! Mais do que isso, elas eram gostosas! Como sou ateu, eu não orei nem rezei, mas fiquei torcendo para que elas ocupassem o banco em frente ao meu. Tentei hipnotizá-las com o olhar 43, mas parei instintivamente:  e se elas se assustassem comigo, imaginando-me um tarado? Elas escolheriam um assento mais distante, e eu ficaria chupando o dedo. Um detalhe importante: o ônibus estava com mais ou menos a metade dos bancos ocupados, o que é normal, nessa linha, ao menos nesse horário. Ou seja, havia muitas cadeiras vazias. Mas eu dei sorte! Aliás, eu mereci essa sorte: ao menos o direito de ver mulheres bonitas, sem tocá-las, ninguém pode negar a um encalhado sem esperança.

O que mais ficou gravado na minha mente, porém, foi a viradinha para sentar, seguida de uma leve inclinação do corpo para a frente. Enquanto aqueles glúteos divinos percorriam o espaço até o assento, os meus olhos — aflitos, gulosos e carentes — alternavam-se entre uma e outra jovem, tentando descobrir o feliz destino daquele minúsculo fio de tecido que se escondia em algum ponto do Grand Canyon. Era assim, por certo idealizando um pouco, que eu observava, sonhando, o lindo e profundo vale que se formava entre a nádega esquerda e a direita. Elas usavam uniformes de uma grande rede de lojas: calça preta de algodão fino, colada no corpo e uma blusa com o logotipo da empresa. A danada da calcinha ficava marcada no tecido. Uma loucura! Eu suspirei e relaxei, feliz da vida por estar sozinho na minha poltrona de dois lugares.

Depois que comecei a escrever, eu me tornei um ser humano muito inconveniente e curioso. Falou qualquer coisa por perto, eu ligo as antenas, principalmente nos transportes coletivos. O Metrô é ótimo para escutar fofocas, os ônibus nem tanto e os trens são o paraíso na terra para quem deseja saber algo sobre a vida de estranhos. Na verdade, eu gosto das conversas sórdidas e abomináveis, das discussões entre casais, das maldades e venenos destilados por parentes e colegas de trabalho. Daquelas jovens e seus fios dentais que levantam defuntos, eu esperava narrativas obscenas sobre uma noite de sexo selvagem.

Que nada! Muita inveja destilada contra a gerente da Loja, muitas fofocas sobre as colegas; nada além do trivial!

Elas não estavam nos grupos de alunos de escolas públicas, nem faziam algazarras. Conversavam em tom moderado, nem baixo, nem alto; o suficiente para os meus ouvidos de cronista curioso e atento, que adora a vida alheia para destilar o seu veneno.

Quase chegando ao ponto em que devo saltar, a mais falante das duas disse algo que me fez reagir com a minha sórdida e terrível mordacidade:

— “A Carol está namorando o Tiago. Porra, além de feio, ele é pobre! Pra namorar cara feio tem que ser rico, amiga!”

— “Neh isso!” — Respondeu a outra, sorridente.

Eu pensei... pensei... Falo ou não falo? Foda-se! Vou falar! Salto no próximo ponto mesmo e, por certo, jamais as verei novamente na minha vida. Se me xingarem, nem terei tempo de me envergonhar, ainda mais com a minha cara de pau. Enquanto me levantava, para apertar o botão de parada, eu esguichei uma dose mortal do meu veneno de Naja Cuspideira. Eu nem pedi perdão por me intrometer. Sabe de uma coisa? Foda-se!

— Você está vendo como existe vantagem até em ser pobre e feio?

 — Como é que é?

— Você está vendo como existe vantagem até em ser pobre e feio? — Eu repeti, arrastando as sílabas, para ser mais enfático.

— Desculpe aí, mas qual é a vantagem de ser pobre e feio?

— Use os neurônios! Se você conseguir entender, eu estarei errado, e você jamais me perdoará; se não entender, eu terei razão, mas você jamais saberá o que eu quis dizer. — Eu completei, com ar irônico, e me despedi. Elas não responderam à minha despedida, o que é natural, diante de um cara feio, pobre e impertinente, gastando-lhes a beleza da tarde.

Sou capaz de apostar que elas não entenderam até agora... E você, o que acha? Elas já traduziram o enigma que lhes propus?

Jorge Araken Filho, apenas um cara que se tornou impaciente, chato, cínico e desbocado, ao lidar com esses tempos líquidos.

Rio de Janeiro, 08 de março de 2018.



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