Não se iluda com a grandiloquência do seu ego: somos todos insignificantes
e descartáveis!
A mais dolorosa das feridas narcísicas
do ser humano, verdadeira epifania existencial, é descobrir que somos todos insignificantes
e descartáveis. É saber, enfim, que, depois da nossa passagem pelo planetinha
azul, tudo será como sempre foi. Morreremos e, lenta, mas inexoravelmente,
seremos esquecidos; não por maldade, mas porque a nossa ausência definitiva evoca
nos vivos a única certeza que um ser humano pode ter: a da inevitabilidade da
sua própria morte. Não foi hoje, mas será amanhã? Se for amanhã ou depois,
daqui a um ano, alguém se lembrará, espontaneamente, que eu existi? E em dois
ou dez anos? Muito provavelmente eu serei uma vaga lembrança na mente culpada de
alguns parentes próximos. A essa altura, os amigos virtuais, ávidos por se
descolarem das lembranças da minha morte trágica e infausta, já me terão substituído
em suas vidas no ciberespaço.
O pior é que a morte, excluindo os
suicídios, chega sem ser convidada, quando você mal começou a aproveitar o que
plantou na ilusão de que colheria um dia.
Aos poucos, vamos deslizando para os
presságios funestos que descortinávamos no horizonte. O que, antes, era apenas um
ligeiro e distante pessimismo, uma agourenta possibilidade dentre muitas
alternativas venturosas, vai se tornando, enfim, a realidade. A nossa morte aproxima-se
um dia mais a cada dia vivido. Quanto mais se vive, menos tempo se tem por viver.
Quanto mais amigos, conhecidos e parentes sucumbem, mas nos aproximamos do
nosso próprio dia de desembarcar da Estação Vida! A imprevisibilidade desse desembarque
inevitável abre uma gigantesca ferida em nosso ego.
O que mais dói, porém, é saber que,
logo depois da morte, nós seremos substituídos nesse mundo; é perceber, num insight, que nada do que fizemos irá
mudar as leis do universo nem o curso da história humana. Poucos conseguem
desviá-la alguns graus da sua rota, e esses são mais raros do que os diamantes.
A esmagadora maioria — a quase totalidade, eu diria — não faz diferença alguma
nas trilhas do último primata bípede do gênero “Homo”. Nascer ou não nascer, nas sociedades humanas, é questão
que só afeta o próprio indivíduo. O mundo existiria sem qualquer um de nós. Somos a legião inglória dos insignificantes
e descartáveis, seres que nascem com prazo de validade. Não somos mais do que um
minúsculo parafuso na nave Terra, nada além de um pedacinho ainda mais desprezível
de uma engrenagem chamada universo. Os gênios morrem, os grandes inventores
morrem, os heróis morrem, as pessoas salvas por esses heróis, eventualmente,
morrem. Esse, também, é o destino dos reis, ditadores, presidentes, políticos,
padres, pastores, profetas, santos, ladrões, usurpadores e de todos os seres
vivos desse Planeta, dos atuais e dos que vierem a nascer, o nosso fadário e o
dos nossos netos e bisnetos, “per omnia
saecula saeculorum”, como se diz, em latim vulgar, na “Epistolae Beati Pauli Apostoli ad Philippenses” 4:20 (“por todos os séculos dos séculos”, na
tradução em português da “Epístola do
Apóstolo Paulo aos Filipenses”).
Lembro-me sempre do que disse Sêneca,
numa das Cartas que escreveu a Lucílio, seu amigo fictício:
“O que quer que isso seja,
depois de mim, será o que foi antes.” (Aprendendo a Viver. Porto Alegre:
L&PM Pocket, 2008. p. 48).
Os que sobreviverem à nossa morte, de
uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde, haverão de seguir as suas vidas
sem nós:
“... porque tu és pó, e em pó
te hás-de tomar” ou, em latim vulgar,
“quia pulvis es et in pulverem reverteris...”
(Gênesis 3:19).
E, de fato, somos apenas restos de poeira
cósmica, resquícios de alguma supernova que explodiu há bilhões de anos em um recanto
longínquo do universo.
Para não falar de você, dando à sua
vida o significado diminuto que ela possui nas engrenagens do universo, falarei
de mim, ao menos por enquanto.
Quem eu sou? — Você me pergunta. — Quer
mesmo escutar a verdade? Eu não sou ninguém! Ou melhor, sou um ponto
insignificante nesse universo em expansão, uma pequena singularidade no espaço-tempo,
simples vestígios de uma supernova que explodiu há bilhões de anos, deixando,
pelo caminho, os seus rastros de gás e poeira, matéria cósmica que vem se
transformando, continuamente, desde o “Big
Bang” e, a despeito da minha vontade, ainda haverá de prosseguir em
constante transformação pelo infinito e além. Eu realmente não significo nada
nos mistérios do Universo!
Enuncia a “lei da conservação das massas”, mais conhecida como “lei de Lavoisier”, que "na Natureza nada se cria, nada se
perde, tudo se transforma". Eu sou apenas matéria estelar em constante
mutação, um recorte no espaço-tempo do punhado de poeira de alguma supernova
que explodiu no Universo e, por obra de um evento puramente caótico, acabou
formando o meu DNA. Quando eu me extinguir, a matéria que me compõe, nessa
minha breve passagem pela existência, haverá de se reciclar e, assim, pela
eternidade... Passarei aos vermes e bactérias que se nutrirem da minha carne
apodrecida e, com sorte, servirei de adubo a um grande carvalho.
Quando me sinto grandioso demais para a
pequenez da minha existência fútil e banal, lembro que sou um pontinho
insignificante na imensidão do cosmo, alguns átomos perdidos num cantinho da
Via Láctea.
Fora desse pequeno espaço onde a minha
vida transita, ninguém me conhece, nem se importa com a minha ridícula
existência.
O meu tempo de vida, essa minúscula
fração da eternidade, onde nunca estive nem estarei, cairá no esquecimento
muito antes que o último dos vermes possa digerir as frias carnes do meu
cadáver.
Quando me lembro disso, fico menos
arrogante!
Se você ainda não sabe quem eu sou, deixo
a palavra com o grande filósofo Mário Sérgio Cortella, que me conhece melhor do
que eu mesmo:
“Quando se pensa e se faz o
trabalho como obra poética em vez de sofrimento contumaz, sempre vem à mente a
questão do ‘trabalho digno’, isto é, aqueles ou aquelas que se consideram
superiores como seres humanos apenas porque têm um emprego socialmente mais
valorizado.
Aliás, é sempre nesses casos
que entra em cena o famoso ‘sabe com quem você está falando?’
Um dia procurei representar uma
possível resposta científica a essa arrogante pergunta, e, de forma sintética,
registrei essa representação em um livro meu chamado ‘A Escola e o
Conhecimento’ (Cortez); agora, de forma mais extensa e coloquial, aqui vai esse
relato, partindo do nosso lugar maior, o universo, até chegar a nós.
Hoje, em física quântica, não
se fala mais um universo, mas em multiverso. A suposição de que exista um único
universo não tem mais lugar na Física. A ciência fala em multiverso e que
estamos em um dos universos possíveis. Este tem provavelmente o formato
cilíndrico, em função da curvatura do espaço, portanto, ele é finito e tem
porta de saída, que são os buracos negros, por onde ele vai minando e se esvaziando.
Até 2002, era quase certo que o nosso universo fosse cilíndrico, hoje já há
alguma suspeita de que talvez não. Mas a teoria ainda não foi derrubada em sua
totalidade. Supõe-se que este universo possível em que estamos apareceu há 15
bilhões de anos. Alguns falam em 13 bilhões de anos, outros em 18, mas a
hipótese menos implausível no momento é que estamos num universo que apareceu
há 15 bilhões de anos, resultante de uma grande explosão, que o cientista
inglês Fred Hoyle apelidou de gozação de big-bang, e esse nome pegou.
Qual é a lógica? Há 15 bilhões
de anos, é como se se pegasse uma mola e fosse apertando, apertando, apertando
até o limite, e se amarrasse com uma cordinha. Imagine o que tem ali de matéria
concentrada e energia retida! Supostamente, nesse período, todo o nosso
universo estava num único ponto adensado, como uma mola apertada e, então,
alguém alguma força – Deus, não sei, aqui a discussão é de outra natureza –
cortou a cordinha. E aí, essa mola, o nosso universo, está em expansão até
hoje. E haverá um momento em que ele chegará ao máximo da elasticidade e irá
encolher outra vez. A ciência já calculou que o encolhimento acontecerá em 12
bilhões de anos. Fique tranquilo, até lá você já estará aposentado pelas novas
regras.
Você pode cogitar algo que a
Física tem como teoria: ele vai encolher e se expandir outra vez. Talvez haja
uma lei do universo em que o movimento da vida é expansão e encolhimento. Como
é o nosso pulmão, como bate o nosso coração, com sístole e diástole. Como é movimento
do nosso sexo, que expande e encolhe, seja o masculino seja o feminino. Parece
que existe uma lógica nisso, que os orientais, especialmente os chineses e os
indianos, capturaram em suas religiões, aquela coisa do inspirar e expirar.
Parece haver uma lógica nisso, a ciência tem isso como hipótese.
Assim, há 15 bilhões de anos,
houve uma grande explosão atômica, que gerou uma aceleração inacreditável de
matéria e liberação de energia. Essa matéria se agregou formando o que nós,
humanos, chamamos de estrelas e elas se juntaram, formando o que chamamos de
galáxias (do grego ‘galaktos’, leite). A ciência calcula que existam um nosso
universo aproximadamente 200 bilhões de galáxias. Uma delas é a nossa, a Via
Láctea, que é ‘leite’, em latim. Aliás, nem é uma galáxia tão grande;
calcula-se que ela tenha cerca de 100 bilhões de estrelas. Portanto, estamos em
uma galáxia, que é uma entre 200 bilhões de galáxias, num dos universos
possíveis e que vai desaparecer.
Nessa nossa galáxia, repleta de
estrelas, uma delas é o que agora chamam de estrela-anã, o Sol. Em volta dessa
estrelinha giram algumas massas planetárias sem luz própria, nove ao todo,
talvez oito (pela polêmica classificação em debate). A terceira delas, a partir
do Sol, é a Terra. O que é a Terra?
A Terra é um planetinha que
gira em torno de uma estrelinha, que é uma entre 100 bilhões de estrelas que
compõem uma galáxia, que é uma entre outras 200 bilhões de galáxias num dos
universos possíveis e que vai desaparecer. Veja como nós somos importantes…
Aliás, veja como nós temos
razão de nos termos considerado na história o centro do universo. Tem gente que
é tão humilde que acha que Deus fez tudo isso só para nós existirmos aqui. Isso
é que é um Deus que entenda da relação custo-benefício. Tem indivíduo que acha
coisa pior, que Deus fez tudo isso só para esta pessoa existir. Com o dinheiro
que carrega, com a cor de pele que tem, com a escola que frequentou, com o
sotaque que usa, com a religião que pratica...
Nesse lugarzinho tem uma coisa
chamada vida. A ciência calcula que em nosso planeta haja mais de trinta
milhões de espécies de vida, mas até agora só classificou por volta de três
milhões de espécies. Uma delas é a nossa: homo sapiens. Que é uma entre três
milhões de espécies já classificadas, que vive num planetinha que gira em torno
de uma estrelinha, que é uma entre 100 bilhões de estrelas que compõem uma
galáxia, que é uma entre outras 200 bilhões de galáxias num dos universos
possíveis e que vai desaparecer?
Essa espécie tem, em 2007,
aproximadamente 6,4 bilhões de indivíduos. Um deles é você.
Você é um entre 6,4 bilhões de
indivíduos, pertencente a uma única espécie, entre outras 3 milhões de espécies
classificadas, que vive num planetinha, que gira em torno de uma estrelinha,
que é uma entre 100 bilhões de estrelas que compõem uma galáxia, que é uma
entre outras 200 bilhões de galáxias num dos universos possíveis e que vai
desaparecer.
É por isso que todas às vezes
na vida que alguém me pergunta: “Você sabe com quem está falando”, eu respondo:
“Você tem tempo?” (CORTELLA, Mario Sérgio. Qual é a tua obra? — Inquietações
propositivas sobre gestão, liderança e ética. 6. Ed. — Petrópolis, RJ: Editora
Vozes, 2009. p. 23-6).
Comece a se perceber, agora, com menos
arrogância, e, talvez, você ainda tenha tempo para descobrir o seu lugar no
Universo.
A única diferença entre nós, que me
torna ainda mais insignificante, talvez, é que sou eu mesmo uma pergunta
dirigida ao mundo, e já estou comunicando a minha resposta, antes que me torne
dependente da resposta que me derem para a minha própria existência.
Falando “sobre a vida após a morte” ("On
Life after Death"), Carl Jung posicionava-se como ser humano diante do
mundo:
“O significado da minha
existência é que a vida me dirigiu uma pergunta. Ou, ao contrário, eu mesmo sou
uma pergunta que é dirigida ao mundo, e devo comunicar a minha resposta, pois,
do contrário, eu fico dependente da resposta que o mundo me der. Essa é uma
tarefa de vida suprapessoal, que cumpro somente com esforço e dificuldade.
Talvez seja uma questão que preocupou meus ancestrais, e que eles não puderam
responder.” (JUNG, Carl Gustav. “Memories, Dreams, Reflections”.
Reunidas e editadas por Aniela Jaffé. Traduzido do alemão para o Inglês por
Richard e Clara Winston. Nova Iorque, Vintage Books, 1961. p. 382. Obs.:
Consultei a tradução inglesa e a verti para o português).
Posso fazer uma pergunta difícil? —
Disse ao meu alterego, diante do
espelho do banheiro, numa manhã chuvosa:
— Você é feliz? — Perguntei-me, em voz
alta, enquanto olhava, distraído, a pasta de dentes que caíra da escova e
serpenteava, em redemoinhos, até ser engolfada pelo ralo da pia.
— Creio que sim! — Eu respondi baixinho
e envergonhado.
— Esse sorriso falso diz tudo! Farei outra
pergunta, mais difícil, talvez, do que a anterior:
— Se não conseguisse o que mais deseja,
o que você faria da vida? Quem você seria, afinal?
Sem resposta para tantas dúvidas,
inerte diante da vida banal que ando levando, eu aproximei o rosto do espelho e
vi algumas rugas na face desgastada pelos anos, sinais do tempo e sua
inclemência:
— Está ficando tarde!... — Eu murmurei
com lágrimas nos olhos.
O espelho só me excitava a angústia:
— Jorge, sonhar a vida é fácil e
tentador; o difícil é lidar com a realidade! O problema é que existe vida
depois do fracasso.
— E como existe! Vivo-a nesse momento.
— Cuidado para não passar pela
existência sem despertar! Enquanto permanecer parado na esquina da vida,
pensando apenas em si mesmo e remoendo, nostalgicamente, os fracassos do
passado, a futilidade da sua existência realimentará o ciclo das novas
frustrações que construirão o destino a ser evitado.
— Mas estou despertando!
— Você acredita mesmo nisso? Quanto
mais narcisista e autocentrado, menos solidário e mais dependente você se torna
da resposta que o mundo dá ao significar a sua existência.
— Mas estou comunicando ao mundo quem
eu sou. Por isso, escrevo...
— Não será essa a sua ilusão? A sua zona
de conforto? Quando apenas a aceitação dos leitores iluminar o seu caminho, só
o precipício terá como destino! Quem lhe diz o que fazer e o que pensar, com
curtidas piedosas e elogios enganosos, não quer que você encontre o seu próprio
caminho e as suas próprias respostas, mas que siga o caminho dele e acredite
nas respostas que ele dá para a sua existência.
— Não escrevo o que desejam ler, nem
falo o que gostariam de escutar, mas o que precisam compreender para o caminho
do self, nem sempre doce, mas
invariavelmente amargo!
— E quem é você, insignificante poeira
cósmica, para revelar caminhos que não conhece, nem segue? Dê a sua resposta ao
mundo e esqueça a ilusão narcísica de dar conselhos, antes que a sua própria
vida deixe de ter sentido. A cada leitor cabe fazer a sua própria pergunta e
comunicar a resposta ao mundo.
— Ser escritor é penoso! Temos de
iludir o leitor com respostas que ele mesmo deveria dar, para perguntas que ainda
não se fez.
— E você sabe onde haverá de encontrar
as respostas? Olhe para dentro de si mesmo, e não para o lado de fora! Só assim
você será uma pergunta dirigida ao mundo, e não viverá refém da resposta que o
mundo lhe vem dando até aqui.
— Falar é fácil!
— Ignore o que os outros pensam de você
e comunique ao mundo quem você se tornou. Só assim você será livre para se experimentar
como totalidade, sem viver ancorado no porto das escolhas alheias. Não tenha
medo de se olhar: esse é você, apesar da decepção que eu — o reflexo do espelho,
o seu alterego — lhe causo. O maior
problema não é ser o humano desprezível e sem valor que você imagina ser, mas,
ao contrário, não ser nada do que foi ou pensou ser até hoje. Você é apenas
poeira estelar em contínua transformação! Nada mais...
— Estou me sentindo insignificante!
— Esse é o objetivo! Para diminuir
ainda mais a visão egocêntrica que você ainda tem sobre a sua ridícula e banal
existência, comece jogando fora o lixo emocional, o orgulho e a ilusão
narcísica de saber todas as respostas. Na verdade, você nem se deu conta das
perguntas. Liberte-se das amarras do passado, do peso morto das certezas, de
tudo de que não precisa para a caminhada existencial. Livre-se das futilidades
que o afastam do aqui e agora, a única fração do espaço-tempo que realmente
importa.
— Quer dizer que eu sou fútil, banal e
pequeno? Só preciso lembrar a você, sábio do espelho, que a sua existência é
apenas uma projeção do meu próprio ego,
para fingir que sabe lidar com a realidade. Você não existe fora de mim...
— Não escutarei os mecanismos de defesa
do seu ego ressentido e amedrontado
com a realidade! Como eu dizia antes da sua interrupção egóica, depois de se
esvaziar do supérfluo, veja se sobra alguma coisa: esse será você, por menor
que possa parecer à primeira vista. Quando se perceber banal e pequeno, fale
menos e construa algo maior. E rápido, porque o tempo não para! Daqui a pouco
você será apenas um verme disforme, rejeitado pelos humanos, e, se tiver sorte,
um frondoso carvalho...
Durante esse diálogo com o
inconsciente, refletido no espelho, eu resistia à luz, como o ser da escuridão
que reage ao sol:
— Só serei feliz, se conseguir o que
quero! — Objetei ao espelho naquele instante.
— E se não conseguir o que quer, quem você
será? — Perguntou-me o reflexo.
— Ainda não sei!
— Parabéns! Fracassar, mas não saber o
que fazer pode ser o início da cura.
— O fracasso não pode ser cura de nada,
seu espelho idiota!
— A cura não vem do fracasso na
realização dos desejos, mas da consciência de que, mesmo os realizando
exatamente como prevíamos, sempre encontraremos outra forma de voltar a sofrer.
— Desde quando sofrer é preciso?
— Não falo, aqui, que seria possível,
mesmo numa ilha isolada, o prazer absoluto. Isso seria, sem dúvida, uma utopia!
Experimentar o prazer absoluto — ou seja, a completa ausência de tensão no
aparelho psíquico — significaria realizar a pulsão de morte, sendo, pois, tal
gozo, incompatível com o próprio conceito de vida. Sem um grau de tensão, ao
menos residual, em nossas mentes, não sobreviveríamos um só segundo nesse plano
que chamam de existência.
— Sofrer, então, faz parte do jogo da
vida?
— O desprazer, que traduzimos como
sofrimento, um efeito colateral da própria existência, é que nos mostra que
estamos vivos, na medida em que a superação da dor é que resulta em prazer. Só
experimentamos o prazer, quando aniquilamos, de forma transitória e precária, o
sofrimento, e o vivenciamos, como felicidade, até o desprazer seguinte, que só
se transforma em prazer absoluto com a morte.
— Então, você está me dizendo que é
melhor não desejar nada e viver sem sonhos, anestesiado na falta de esperança?
Só assim, não haveria fracassos, nem frustrações.
— Não, o melhor e aprender a lidar com
o fracasso! Ele é inevitável, aqui e ali, e faz parte do jogo. Quer a verdade?
Toda vitória é temporária! Sem a frustração, você não reconheceria o prazer. É
como o som, que só valorizamos quando conhecemos o silêncio. Ou como a luz, que
só percebemos quando nos conectamos com a escuridão. O fracasso é que nos dá a
dimensão da vitória.
Eu sou Jorge Araken Filho, apenas
alguns átomos perdidos num cantinho do Universo, nada mais do que um aglomerado
de poeira cósmica flutuando no espaço.
Você é melhor do que eu? Espero que
sim, ou você também não seria nada, exatamente como eu, ou melhor, diferente de
mim apenas na grandiosidade narcísica do seu ego...
Depois de se concretizarem as nossas
profecias mais agourentas — as que buscávamos realizar, mesmo de forma
inconsciente —, surge a maior das epifanias: percebemos, entre atônitos e
decepcionados, que, no autoabandono bem-sucedido, o dilaceramento do ego aprofunda-se com a percepção de que
somos insignificantes e descartáveis nas engrenagens do universo. Como sinal de
piedade ao seu ego ferido, eu sequer incluirei
o multiverso, defendido por alguns físicos muito ilustres, ao dimensionar a sua
insignificância e descartabilidade.
Sem afagos na sua sensibilidade autopiedosa,
eu sou obrigado a dizer ninguém se importa com o seu destino, se morre ou se
vive, se faz isso ou aquilo. Todos estão ocupados com o próprio umbigo. É
verdade, eu o sei: quanto menor a solidariedade ao nosso fracasso, tanto maior a
dor que sentimos. Mas esse é o “Homo
sapiens sapiens”, sábio duas vezes não por merecimento, mas por vaidade.
Vocês são apenas pó, nada mais do que
pó, transitoriamente tornado homem ou mulher! A qualquer momento, retornarão ao
pó de onde vieram.
Jorge Araken Filho,
apenas um ser humano insignificante e descartável nesse universo em desencanto.
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