quinta-feira, 8 de março de 2018

Não se iluda com a grandiloquência do seu ego: somos todos insignificantes e descartáveis!


Não se iluda com a grandiloquência do seu ego: somos todos insignificantes e descartáveis!

A mais dolorosa das feridas narcísicas do ser humano, verdadeira epifania existencial, é descobrir que somos todos insignificantes e descartáveis. É saber, enfim, que, depois da nossa passagem pelo planetinha azul, tudo será como sempre foi. Morreremos e, lenta, mas inexoravelmente, seremos esquecidos; não por maldade, mas porque a nossa ausência definitiva evoca nos vivos a única certeza que um ser humano pode ter: a da inevitabilidade da sua própria morte. Não foi hoje, mas será amanhã? Se for amanhã ou depois, daqui a um ano, alguém se lembrará, espontaneamente, que eu existi? E em dois ou dez anos? Muito provavelmente eu serei uma vaga lembrança na mente culpada de alguns parentes próximos. A essa altura, os amigos virtuais, ávidos por se descolarem das lembranças da minha morte trágica e infausta, já me terão substituído em suas vidas no ciberespaço.

O pior é que a morte, excluindo os suicídios, chega sem ser convidada, quando você mal começou a aproveitar o que plantou na ilusão de que colheria um dia.

Aos poucos, vamos deslizando para os presságios funestos que descortinávamos no horizonte. O que, antes, era apenas um ligeiro e distante pessimismo, uma agourenta possibilidade dentre muitas alternativas venturosas, vai se tornando, enfim, a realidade. A nossa morte aproxima-se um dia mais a cada dia vivido. Quanto mais se vive, menos tempo se tem por viver. Quanto mais amigos, conhecidos e parentes sucumbem, mas nos aproximamos do nosso próprio dia de desembarcar da Estação Vida! A imprevisibilidade desse desembarque inevitável abre uma gigantesca ferida em nosso ego.

O que mais dói, porém, é saber que, logo depois da morte, nós seremos substituídos nesse mundo; é perceber, num insight, que nada do que fizemos irá mudar as leis do universo nem o curso da história humana. Poucos conseguem desviá-la alguns graus da sua rota, e esses são mais raros do que os diamantes. A esmagadora maioria — a quase totalidade, eu diria — não faz diferença alguma nas trilhas do último primata bípede do gênero “Homo”. Nascer ou não nascer, nas sociedades humanas, é questão que só afeta o próprio indivíduo. O mundo existiria sem qualquer um de nós. Somos a legião inglória dos insignificantes e descartáveis, seres que nascem com prazo de validade. Não somos mais do que um minúsculo parafuso na nave Terra, nada além de um pedacinho ainda mais desprezível de uma engrenagem chamada universo. Os gênios morrem, os grandes inventores morrem, os heróis morrem, as pessoas salvas por esses heróis, eventualmente, morrem. Esse, também, é o destino dos reis, ditadores, presidentes, políticos, padres, pastores, profetas, santos, ladrões, usurpadores e de todos os seres vivos desse Planeta, dos atuais e dos que vierem a nascer, o nosso fadário e o dos nossos netos e bisnetos, “per omnia saecula saeculorum”, como se diz, em latim vulgar, na “Epistolae Beati Pauli Apostoli ad Philippenses” 4:20 (“por todos os séculos dos séculos”, na tradução em português da “Epístola do Apóstolo Paulo aos Filipenses”).

Lembro-me sempre do que disse Sêneca, numa das Cartas que escreveu a Lucílio, seu amigo fictício:

“O que quer que isso seja, depois de mim, será o que foi antes.” (Aprendendo a Viver. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2008. p. 48).

Os que sobreviverem à nossa morte, de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde, haverão de seguir as suas vidas sem nós:

“... porque tu és pó, e em pó te hás-de tomar”  ou, em latim vulgar, “quia pulvis es et in pulverem reverteris...” (Gênesis 3:19).

E, de fato, somos apenas restos de poeira cósmica, resquícios de alguma supernova que explodiu há bilhões de anos em um recanto longínquo do universo.

Para não falar de você, dando à sua vida o significado diminuto que ela possui nas engrenagens do universo, falarei de mim, ao menos por enquanto.

Quem eu sou? — Você me pergunta. — Quer mesmo escutar a verdade? Eu não sou ninguém! Ou melhor, sou um ponto insignificante nesse universo em expansão, uma pequena singularidade no espaço-tempo, simples vestígios de uma supernova que explodiu há bilhões de anos, deixando, pelo caminho, os seus rastros de gás e poeira, matéria cósmica que vem se transformando, continuamente, desde o “Big Bang” e, a despeito da minha vontade, ainda haverá de prosseguir em constante transformação pelo infinito e além. Eu realmente não significo nada nos mistérios do Universo!

Enuncia a “lei da conservação das massas”, mais conhecida como “lei de Lavoisier”, que "na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". Eu sou apenas matéria estelar em constante mutação, um recorte no espaço-tempo do punhado de poeira de alguma supernova que explodiu no Universo e, por obra de um evento puramente caótico, acabou formando o meu DNA. Quando eu me extinguir, a matéria que me compõe, nessa minha breve passagem pela existência, haverá de se reciclar e, assim, pela eternidade... Passarei aos vermes e bactérias que se nutrirem da minha carne apodrecida e, com sorte, servirei de adubo a um grande carvalho.

Quando me sinto grandioso demais para a pequenez da minha existência fútil e banal, lembro que sou um pontinho insignificante na imensidão do cosmo, alguns átomos perdidos num cantinho da Via Láctea.

Fora desse pequeno espaço onde a minha vida transita, ninguém me conhece, nem se importa com a minha ridícula existência.

O meu tempo de vida, essa minúscula fração da eternidade, onde nunca estive nem estarei, cairá no esquecimento muito antes que o último dos vermes possa digerir as frias carnes do meu cadáver.

Quando me lembro disso, fico menos arrogante!

Se você ainda não sabe quem eu sou, deixo a palavra com o grande filósofo Mário Sérgio Cortella, que me conhece melhor do que eu mesmo:

“Quando se pensa e se faz o trabalho como obra poética em vez de sofrimento contumaz, sempre vem à mente a questão do ‘trabalho digno’, isto é, aqueles ou aquelas que se consideram superiores como seres humanos apenas porque têm um emprego socialmente mais valorizado.
Aliás, é sempre nesses casos que entra em cena o famoso ‘sabe com quem você está falando?’
Um dia procurei representar uma possível resposta científica a essa arrogante pergunta, e, de forma sintética, registrei essa representação em um livro meu chamado ‘A Escola e o Conhecimento’ (Cortez); agora, de forma mais extensa e coloquial, aqui vai esse relato, partindo do nosso lugar maior, o universo, até chegar a nós.
Hoje, em física quântica, não se fala mais um universo, mas em multiverso. A suposição de que exista um único universo não tem mais lugar na Física. A ciência fala em multiverso e que estamos em um dos universos possíveis. Este tem provavelmente o formato cilíndrico, em função da curvatura do espaço, portanto, ele é finito e tem porta de saída, que são os buracos negros, por onde ele vai minando e se esvaziando. Até 2002, era quase certo que o nosso universo fosse cilíndrico, hoje já há alguma suspeita de que talvez não. Mas a teoria ainda não foi derrubada em sua totalidade. Supõe-se que este universo possível em que estamos apareceu há 15 bilhões de anos. Alguns falam em 13 bilhões de anos, outros em 18, mas a hipótese menos implausível no momento é que estamos num universo que apareceu há 15 bilhões de anos, resultante de uma grande explosão, que o cientista inglês Fred Hoyle apelidou de gozação de big-bang, e esse nome pegou.
Qual é a lógica? Há 15 bilhões de anos, é como se se pegasse uma mola e fosse apertando, apertando, apertando até o limite, e se amarrasse com uma cordinha. Imagine o que tem ali de matéria concentrada e energia retida! Supostamente, nesse período, todo o nosso universo estava num único ponto adensado, como uma mola apertada e, então, alguém alguma força – Deus, não sei, aqui a discussão é de outra natureza – cortou a cordinha. E aí, essa mola, o nosso universo, está em expansão até hoje. E haverá um momento em que ele chegará ao máximo da elasticidade e irá encolher outra vez. A ciência já calculou que o encolhimento acontecerá em 12 bilhões de anos. Fique tranquilo, até lá você já estará aposentado pelas novas regras.
Você pode cogitar algo que a Física tem como teoria: ele vai encolher e se expandir outra vez. Talvez haja uma lei do universo em que o movimento da vida é expansão e encolhimento. Como é o nosso pulmão, como bate o nosso coração, com sístole e diástole. Como é movimento do nosso sexo, que expande e encolhe, seja o masculino seja o feminino. Parece que existe uma lógica nisso, que os orientais, especialmente os chineses e os indianos, capturaram em suas religiões, aquela coisa do inspirar e expirar. Parece haver uma lógica nisso, a ciência tem isso como hipótese.
Assim, há 15 bilhões de anos, houve uma grande explosão atômica, que gerou uma aceleração inacreditável de matéria e liberação de energia. Essa matéria se agregou formando o que nós, humanos, chamamos de estrelas e elas se juntaram, formando o que chamamos de galáxias (do grego ‘galaktos’, leite). A ciência calcula que existam um nosso universo aproximadamente 200 bilhões de galáxias. Uma delas é a nossa, a Via Láctea, que é ‘leite’, em latim. Aliás, nem é uma galáxia tão grande; calcula-se que ela tenha cerca de 100 bilhões de estrelas. Portanto, estamos em uma galáxia, que é uma entre 200 bilhões de galáxias, num dos universos possíveis e que vai desaparecer.
Nessa nossa galáxia, repleta de estrelas, uma delas é o que agora chamam de estrela-anã, o Sol. Em volta dessa estrelinha giram algumas massas planetárias sem luz própria, nove ao todo, talvez oito (pela polêmica classificação em debate). A terceira delas, a partir do Sol, é a Terra. O que é a Terra?
A Terra é um planetinha que gira em torno de uma estrelinha, que é uma entre 100 bilhões de estrelas que compõem uma galáxia, que é uma entre outras 200 bilhões de galáxias num dos universos possíveis e que vai desaparecer. Veja como nós somos importantes…
Aliás, veja como nós temos razão de nos termos considerado na história o centro do universo. Tem gente que é tão humilde que acha que Deus fez tudo isso só para nós existirmos aqui. Isso é que é um Deus que entenda da relação custo-benefício. Tem indivíduo que acha coisa pior, que Deus fez tudo isso só para esta pessoa existir. Com o dinheiro que carrega, com a cor de pele que tem, com a escola que frequentou, com o sotaque que usa, com a religião que pratica...
Nesse lugarzinho tem uma coisa chamada vida. A ciência calcula que em nosso planeta haja mais de trinta milhões de espécies de vida, mas até agora só classificou por volta de três milhões de espécies. Uma delas é a nossa: homo sapiens. Que é uma entre três milhões de espécies já classificadas, que vive num planetinha que gira em torno de uma estrelinha, que é uma entre 100 bilhões de estrelas que compõem uma galáxia, que é uma entre outras 200 bilhões de galáxias num dos universos possíveis e que vai desaparecer?
Essa espécie tem, em 2007, aproximadamente 6,4 bilhões de indivíduos. Um deles é você.
Você é um entre 6,4 bilhões de indivíduos, pertencente a uma única espécie, entre outras 3 milhões de espécies classificadas, que vive num planetinha, que gira em torno de uma estrelinha, que é uma entre 100 bilhões de estrelas que compõem uma galáxia, que é uma entre outras 200 bilhões de galáxias num dos universos possíveis e que vai desaparecer.
É por isso que todas às vezes na vida que alguém me pergunta: “Você sabe com quem está falando”, eu respondo: “Você tem tempo?” (CORTELLA, Mario Sérgio. Qual é a tua obra? — Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética. 6. Ed. — Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2009. p. 23-6).

Comece a se perceber, agora, com menos arrogância, e, talvez, você ainda tenha tempo para descobrir o seu lugar no Universo.

A única diferença entre nós, que me torna ainda mais insignificante, talvez, é que sou eu mesmo uma pergunta dirigida ao mundo, e já estou comunicando a minha resposta, antes que me torne dependente da resposta que me derem para a minha própria existência.

Falando “sobre a vida após a morte” ("On Life after Death"), Carl Jung posicionava-se como ser humano diante do mundo:

“O significado da minha existência é que a vida me dirigiu uma pergunta. Ou, ao contrário, eu mesmo sou uma pergunta que é dirigida ao mundo, e devo comunicar a minha resposta, pois, do contrário, eu fico dependente da resposta que o mundo me der. Essa é uma tarefa de vida suprapessoal, que cumpro somente com esforço e dificuldade. Talvez seja uma questão que preocupou meus ancestrais, e que eles não puderam responder.” (JUNG, Carl Gustav. “Memories, Dreams, Reflections”. Reunidas e editadas por Aniela Jaffé. Traduzido do alemão para o Inglês por Richard e Clara Winston. Nova Iorque, Vintage Books, 1961. p. 382. Obs.: Consultei a tradução inglesa e a verti para o português).

Posso fazer uma pergunta difícil? — Disse ao meu alterego, diante do espelho do banheiro, numa manhã chuvosa:

— Você é feliz? — Perguntei-me, em voz alta, enquanto olhava, distraído, a pasta de dentes que caíra da escova e serpenteava, em redemoinhos, até ser engolfada pelo ralo da pia.

— Creio que sim! — Eu respondi baixinho e envergonhado.

— Esse sorriso falso diz tudo! Farei outra pergunta, mais difícil, talvez, do que a anterior:

— Se não conseguisse o que mais deseja, o que você faria da vida? Quem você seria, afinal?

Sem resposta para tantas dúvidas, inerte diante da vida banal que ando levando, eu aproximei o rosto do espelho e vi algumas rugas na face desgastada pelos anos, sinais do tempo e sua inclemência:

— Está ficando tarde!... — Eu murmurei com lágrimas nos olhos.

O espelho só me excitava a angústia:

— Jorge, sonhar a vida é fácil e tentador; o difícil é lidar com a realidade! O problema é que existe vida depois do fracasso.

— E como existe! Vivo-a nesse momento.

— Cuidado para não passar pela existência sem despertar! Enquanto permanecer parado na esquina da vida, pensando apenas em si mesmo e remoendo, nostalgicamente, os fracassos do passado, a futilidade da sua existência realimentará o ciclo das novas frustrações que construirão o destino a ser evitado.

— Mas estou despertando!

— Você acredita mesmo nisso? Quanto mais narcisista e autocentrado, menos solidário e mais dependente você se torna da resposta que o mundo dá ao significar a sua existência.

— Mas estou comunicando ao mundo quem eu sou. Por isso, escrevo...

— Não será essa a sua ilusão? A sua zona de conforto? Quando apenas a aceitação dos leitores iluminar o seu caminho, só o precipício terá como destino! Quem lhe diz o que fazer e o que pensar, com curtidas piedosas e elogios enganosos, não quer que você encontre o seu próprio caminho e as suas próprias respostas, mas que siga o caminho dele e acredite nas respostas que ele dá para a sua existência.

— Não escrevo o que desejam ler, nem falo o que gostariam de escutar, mas o que precisam compreender para o caminho do self, nem sempre doce, mas invariavelmente amargo!

— E quem é você, insignificante poeira cósmica, para revelar caminhos que não conhece, nem segue? Dê a sua resposta ao mundo e esqueça a ilusão narcísica de dar conselhos, antes que a sua própria vida deixe de ter sentido. A cada leitor cabe fazer a sua própria pergunta e comunicar a resposta ao mundo.

— Ser escritor é penoso! Temos de iludir o leitor com respostas que ele mesmo deveria dar, para perguntas que ainda não se fez.

— E você sabe onde haverá de encontrar as respostas? Olhe para dentro de si mesmo, e não para o lado de fora! Só assim você será uma pergunta dirigida ao mundo, e não viverá refém da resposta que o mundo lhe vem dando até aqui.

— Falar é fácil!

— Ignore o que os outros pensam de você e comunique ao mundo quem você se tornou. Só assim você será livre para se experimentar como totalidade, sem viver ancorado no porto das escolhas alheias. Não tenha medo de se olhar: esse é você, apesar da decepção que eu — o reflexo do espelho, o seu alterego — lhe causo. O maior problema não é ser o humano desprezível e sem valor que você imagina ser, mas, ao contrário, não ser nada do que foi ou pensou ser até hoje. Você é apenas poeira estelar em contínua transformação! Nada mais...

— Estou me sentindo insignificante!

— Esse é o objetivo! Para diminuir ainda mais a visão egocêntrica que você ainda tem sobre a sua ridícula e banal existência, comece jogando fora o lixo emocional, o orgulho e a ilusão narcísica de saber todas as respostas. Na verdade, você nem se deu conta das perguntas. Liberte-se das amarras do passado, do peso morto das certezas, de tudo de que não precisa para a caminhada existencial. Livre-se das futilidades que o afastam do aqui e agora, a única fração do espaço-tempo que realmente importa.

— Quer dizer que eu sou fútil, banal e pequeno? Só preciso lembrar a você, sábio do espelho, que a sua existência é apenas uma projeção do meu próprio ego, para fingir que sabe lidar com a realidade. Você não existe fora de mim...

— Não escutarei os mecanismos de defesa do seu ego ressentido e amedrontado com a realidade! Como eu dizia antes da sua interrupção egóica, depois de se esvaziar do supérfluo, veja se sobra alguma coisa: esse será você, por menor que possa parecer à primeira vista. Quando se perceber banal e pequeno, fale menos e construa algo maior. E rápido, porque o tempo não para! Daqui a pouco você será apenas um verme disforme, rejeitado pelos humanos, e, se tiver sorte, um frondoso carvalho...

Durante esse diálogo com o inconsciente, refletido no espelho, eu resistia à luz, como o ser da escuridão que reage ao sol:

— Só serei feliz, se conseguir o que quero! — Objetei ao espelho naquele instante.

 — E se não conseguir o que quer, quem você será? — Perguntou-me o reflexo.

— Ainda não sei!

— Parabéns! Fracassar, mas não saber o que fazer pode ser o início da cura.

— O fracasso não pode ser cura de nada, seu espelho idiota!

— A cura não vem do fracasso na realização dos desejos, mas da consciência de que, mesmo os realizando exatamente como prevíamos, sempre encontraremos outra forma de voltar a sofrer.

— Desde quando sofrer é preciso?

— Não falo, aqui, que seria possível, mesmo numa ilha isolada, o prazer absoluto. Isso seria, sem dúvida, uma utopia! Experimentar o prazer absoluto — ou seja, a completa ausência de tensão no aparelho psíquico — significaria realizar a pulsão de morte, sendo, pois, tal gozo, incompatível com o próprio conceito de vida. Sem um grau de tensão, ao menos residual, em nossas mentes, não sobreviveríamos um só segundo nesse plano que chamam de existência.

— Sofrer, então, faz parte do jogo da vida?

— O desprazer, que traduzimos como sofrimento, um efeito colateral da própria existência, é que nos mostra que estamos vivos, na medida em que a superação da dor é que resulta em prazer. Só experimentamos o prazer, quando aniquilamos, de forma transitória e precária, o sofrimento, e o vivenciamos, como felicidade, até o desprazer seguinte, que só se transforma em prazer absoluto com a morte.

— Então, você está me dizendo que é melhor não desejar nada e viver sem sonhos, anestesiado na falta de esperança? Só assim, não haveria fracassos, nem frustrações.

— Não, o melhor e aprender a lidar com o fracasso! Ele é inevitável, aqui e ali, e faz parte do jogo. Quer a verdade? Toda vitória é temporária! Sem a frustração, você não reconheceria o prazer. É como o som, que só valorizamos quando conhecemos o silêncio. Ou como a luz, que só percebemos quando nos conectamos com a escuridão. O fracasso é que nos dá a dimensão da vitória.

Eu sou Jorge Araken Filho, apenas alguns átomos perdidos num cantinho do Universo, nada mais do que um aglomerado de poeira cósmica flutuando no espaço.

Você é melhor do que eu? Espero que sim, ou você também não seria nada, exatamente como eu, ou melhor, diferente de mim apenas na grandiosidade narcísica do seu ego...

Depois de se concretizarem as nossas profecias mais agourentas — as que buscávamos realizar, mesmo de forma inconsciente —, surge a maior das epifanias: percebemos, entre atônitos e decepcionados, que, no autoabandono bem-sucedido, o dilaceramento do ego aprofunda-se com a percepção de que somos insignificantes e descartáveis nas engrenagens do universo. Como sinal de piedade ao seu ego ferido, eu sequer incluirei o multiverso, defendido por alguns físicos muito ilustres, ao dimensionar a sua insignificância e descartabilidade.

Sem afagos na sua sensibilidade autopiedosa, eu sou obrigado a dizer ninguém se importa com o seu destino, se morre ou se vive, se faz isso ou aquilo. Todos estão ocupados com o próprio umbigo. É verdade, eu o sei: quanto menor a solidariedade ao nosso fracasso, tanto maior a dor que sentimos. Mas esse é o “Homo sapiens sapiens”, sábio duas vezes não por merecimento, mas por vaidade.

Vocês são apenas pó, nada mais do que pó, transitoriamente tornado homem ou mulher! A qualquer momento, retornarão ao pó de onde vieram.

Jorge Araken Filho, apenas um ser humano insignificante e descartável nesse universo em desencanto.


Nenhum comentário:

Postar um comentário