Na física do amor, os opostos realmente
se atraem?
Numa relação afetiva — e isso é mais
frequente do que muitos imaginam —, a antipatia inicial não indica,
necessariamente, choque ou oposição de personalidades nem, tampouco, que o amor
não poderá eventualmente surgir no horizonte.
Ao contrário, pode indicar que a outra
pessoa, sendo parecida conosco, foi percebida como espelho, ou seja, como
reflexo do que somos abaixo da “pele” do ego.
De início, podemos rejeitá-la, justamente porque lembra o que somos ou, melhor
dizendo, porque nos devolve a imagem que negamos em nós próprios.
Depois de algum tempo, porém, as
semelhanças e identidades, os gostos e opiniões convergentes começam a
sedimentar o caminho para uma relação mais profunda. De fato, esse enlaçamento
progressivo dos seres harmônicos, ao criar conexões que vão além da crosta do ego, acaba por unir — no plano das
emoções e dos sentimentos, bem como no dos desejos pulsionais — os indivíduos
que se assemelham, mesmo que isso não seja percebido no plano da consciência.
As respostas neurais e químicas aos
estímulos do mundo, mais conhecidas como emoções, acabam sendo parecidas, e
essa identidade facilita a empatia com parceiro, criando, a pouco e pouco, uma
capilaridade que vai ligando as emoções de um às do outro. Cria-se, como
consequência das semelhanças, uma rede de conectividades mais extensa e
profunda, pontos de amarração e ancoragem entre as emoções de um e de outro. E
os sentimentos, que representam a autopercepção dessas emoções, vêm a reboque,
enlaçando os seres consonantes em conexões que tendem a perdurar.
Mas essas conformidades e harmonias não
são percebidas logo ao primeiro contato. Ao contrário, são experimentadas como
sons dissonantes, que ferem os “ouvidos” do ego.
Só depois de algum tempo, porém, nós começamos a perceber, normalmente sem
consciência desse processo, que o outro, na verdade, nos remete a alguém que
não conhecemos: nós próprios.
Quando o outro, de início, nos incomoda
ou fala coisas que nos fazem revirar os olhos recalcados — expressando emoções
que trazem uma coceirinha egóica, uma estranha e indistinta irritação —, é
porque alguma conexão criou conosco. Só precisamos seguir essa trilha,
aprofundando os sulcos afetivos, e, em algum ponto do caminho, ela nos levará a
nós mesmos e, possivelmente ao amor pelo outro, na verdade uma experiência de
amor próprio, se observarmos o outro sob a perspectiva dos consensos e
identidades que nos conectam.
Se você estiver em busca da metade que
lhe falta, do que é diferente e dissonante, não me procure! Eu preciso das
minhas metades, para ser inteiro. E, sendo inteiro, não preciso me enlaçar com
as suas divergências. Eu posso tolerá-las, aprender com elas, talvez, mas uma
relação de amor não se ancora em dissonâncias e desarmonias. O nome disso é
conflito! Não se iluda: eu sei que do caos surgem as estrelas, mas estrelas não
significam felicidade no amor. Você quer ser feliz no amor ou criar estrelas?
Reconheço, porém, que é difícil
identificar os becos sem saída, aqueles instantes em que nos buscamos no outro,
perseguindo uma felicidade de aluguel, que nos faz habitar em corações alheios,
como reféns do desejo e da carência afetiva. Acabamos como metades incompletas
e desamparadas que tentam ser um inteiro, quando poderíamos ser dois.
Muitas vezes, quando nos olhamos no
espelho, descobrimos, tarde demais, que a metade que nos "falta", e
que nos torna inteiros, sempre esteve dentro de nós, e nunca no outro.
É por aí mesmo, ou deveria ser. O
problema é que não sabemos lidar com as nossas carências e imaginamos,
iludidos, que só o outro nos completa. Quando nos abandona, sempre leva um
pedaço de nós.
A felicidade vem sempre de fora, como
um processo de busca no outro, e não em si mesmo. Seres incompletos, que
sobrevivem como metades desamparadas, passam a vida à espera de alguém que os
faça inteiros, e não percebem que isso não passa de ilusão. Vivem como mendigos
da felicidade, caprichosa e sorrateira, que nunca alcançam.
Aprendi, na dor e no sofrimento, a
manter o meu coração bem longe dos becos sem saída! Sou eu mesmo a metade que
me falta!
Como já disse em muitos textos, esqueça
esse papo furado de metades que se completam ou de opostos que se atraem! Você
não é imã. Nos afetos, os iguais se atraem e os opostos se repelem: essa é a
física do amor. O resto é paixão obsessiva.
Jorge Araken Filho,
apenas um ser humano que tem coragem de expor as suas próprias contradições.
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