terça-feira, 20 de março de 2018

Na física do amor, os opostos realmente se atraem?


Na física do amor, os opostos realmente se atraem?

Numa relação afetiva — e isso é mais frequente do que muitos imaginam —, a antipatia inicial não indica, necessariamente, choque ou oposição de personalidades nem, tampouco, que o amor não poderá eventualmente surgir no horizonte.

Ao contrário, pode indicar que a outra pessoa, sendo parecida conosco, foi percebida como espelho, ou seja, como reflexo do que somos abaixo da “pele” do ego. De início, podemos rejeitá-la, justamente porque lembra o que somos ou, melhor dizendo, porque nos devolve a imagem que negamos em nós próprios.

Depois de algum tempo, porém, as semelhanças e identidades, os gostos e opiniões convergentes começam a sedimentar o caminho para uma relação mais profunda. De fato, esse enlaçamento progressivo dos seres harmônicos, ao criar conexões que vão além da crosta do ego, acaba por unir — no plano das emoções e dos sentimentos, bem como no dos desejos pulsionais — os indivíduos que se assemelham, mesmo que isso não seja percebido no plano da consciência.

As respostas neurais e químicas aos estímulos do mundo, mais conhecidas como emoções, acabam sendo parecidas, e essa identidade facilita a empatia com parceiro, criando, a pouco e pouco, uma capilaridade que vai ligando as emoções de um às do outro. Cria-se, como consequência das semelhanças, uma rede de conectividades mais extensa e profunda, pontos de amarração e ancoragem entre as emoções de um e de outro. E os sentimentos, que representam a autopercepção dessas emoções, vêm a reboque, enlaçando os seres consonantes em conexões que tendem a perdurar.

Mas essas conformidades e harmonias não são percebidas logo ao primeiro contato. Ao contrário, são experimentadas como sons dissonantes, que ferem os “ouvidos” do ego. Só depois de algum tempo, porém, nós começamos a perceber, normalmente sem consciência desse processo, que o outro, na verdade, nos remete a alguém que não conhecemos: nós próprios.

Quando o outro, de início, nos incomoda ou fala coisas que nos fazem revirar os olhos recalcados — expressando emoções que trazem uma coceirinha egóica, uma estranha e indistinta irritação —, é porque alguma conexão criou conosco. Só precisamos seguir essa trilha, aprofundando os sulcos afetivos, e, em algum ponto do caminho, ela nos levará a nós mesmos e, possivelmente ao amor pelo outro, na verdade uma experiência de amor próprio, se observarmos o outro sob a perspectiva dos consensos e identidades que nos conectam.

Se você estiver em busca da metade que lhe falta, do que é diferente e dissonante, não me procure! Eu preciso das minhas metades, para ser inteiro. E, sendo inteiro, não preciso me enlaçar com as suas divergências. Eu posso tolerá-las, aprender com elas, talvez, mas uma relação de amor não se ancora em dissonâncias e desarmonias. O nome disso é conflito! Não se iluda: eu sei que do caos surgem as estrelas, mas estrelas não significam felicidade no amor. Você quer ser feliz no amor ou criar estrelas?

Reconheço, porém, que é difícil identificar os becos sem saída, aqueles instantes em que nos buscamos no outro, perseguindo uma felicidade de aluguel, que nos faz habitar em corações alheios, como reféns do desejo e da carência afetiva. Acabamos como metades incompletas e desamparadas que tentam ser um inteiro, quando poderíamos ser dois.

Muitas vezes, quando nos olhamos no espelho, descobrimos, tarde demais, que a metade que nos "falta", e que nos torna inteiros, sempre esteve dentro de nós, e nunca no outro.

É por aí mesmo, ou deveria ser. O problema é que não sabemos lidar com as nossas carências e imaginamos, iludidos, que só o outro nos completa. Quando nos abandona, sempre leva um pedaço de nós.

A felicidade vem sempre de fora, como um processo de busca no outro, e não em si mesmo. Seres incompletos, que sobrevivem como metades desamparadas, passam a vida à espera de alguém que os faça inteiros, e não percebem que isso não passa de ilusão. Vivem como mendigos da felicidade, caprichosa e sorrateira, que nunca alcançam.

Aprendi, na dor e no sofrimento, a manter o meu coração bem longe dos becos sem saída! Sou eu mesmo a metade que me falta!

Como já disse em muitos textos, esqueça esse papo furado de metades que se completam ou de opostos que se atraem! Você não é imã. Nos afetos, os iguais se atraem e os opostos se repelem: essa é a física do amor. O resto é paixão obsessiva.

Jorge Araken Filho, apenas um ser humano que tem coragem de expor as suas próprias contradições.


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