Deseja conhecer um pouco de si mesmo?
(Segunda edição revista e aumentada)
Primeiro que tudo, seja criativo:
aproveite seu “smartphone” para algo além das “selfies”.
Experimente! Valerá a pena, eu garanto.
Depois de desligar os dados da internet (Liberte-se por alguns minutos!),
coloque o aparelho no silencioso (nada de “vibracall”!).
Em seguida, ligue o gravador e se acomode em um banco qualquer, na praça mais
bonita da Cidade. Recomendo que escolha a sombra de uma mangueira, já que
estamos no verão. Beba uma água de coco ou uma cerveja bem gelada, mas não se
apresse.
Agora que está bem acomodado,
sentindo-se confortável, relaxe o corpo e a mente. Entre em sintonia com a sua
própria respiração, sinta os cheiros da natureza, ouça os pássaros e tente
descobri-los nas árvores. Procure os reflexos que o sol vai desenhando na
paisagem.
Deu para relaxar do burburinho da vida
e das negatividades do trabalho? Está calmo como um monge budista do Tibet, ao
recitar os mantras sagrados?
Agora, abstraindo a sua própria
existência, apenas observe as pessoas que passam distraídas, cheias de pressa,
mergulhadas em seus mundinhos de certeza resignada, anestesiadas em suas
angústias, prisioneiras da bem-aventurança. Escolha as mais próximas, para que
você possa capturar melhor os afetos que elas transpiram, as emoções que
escapam pelos seus poros, os sentimentos que não puderam ser contidos pelas
defesas do ego.
Não interaja com elas; apenas observe a
expressão dos seus rostos, os gestos das mãos, a cadência do andar, acompanhe
os olhares que elas lançam pelo caminho.
Enquanto elas desfilam diante dos seus
olhos, vá narrando, de preferência em voz baixa, o que você imagina que elas
estão pensando naquele instante, os dramas e alegrias que estão vivendo em suas
vidas (Lembre-se de que o gravador do seu “smartphone”
deve estar ligado). É mais ou menos como fazer um instantâneo dos afetos, mas
abstraindo a imagem dessas pessoas sem nome e sem rosto. É um retrato da alma,
e não do corpo. Por isso, você não deve fotografá-las.
Depois de fazer essa experiência por
algum tempo, talvez uma hora, desligue o gravador do seu “smartphone” e continue o seu dia. Esqueça o que fez. Não escute
nada. Apenas deixe o tempo passar. Sugiro duas semana, para dar à sua memória o
espaço onde ela possa sepultar as suas impressões sobre a experiência.
A proximidade entre o observador que
fala das emoções dos transeuntes — o cara que sentou no banco da praça duas
semanas antes— e a pessoa que irá escutar essa fala — você mesmo duas semanas
depois — tem que ser suficiente para reduzir as falsas impressões que você
poderia ter com a experiência. Só assim, distanciado no tempo, você poderá
deturpar o mínimo possível a sua escuta futura, evitando contaminá-la com os mecanismos
de defesa que erigiu no dia em que gravou a sua própria voz, na verdade com os
bloqueios, deslocamentos, condensações e desvios que o impediam de ver aqueles
conteúdos penosos em você mesmo no dia da experiência. É o tempo necessário
para separar o eu do outro. Agora, tente escutar a sua voz como a fala do outro...
Passado esse tempo de maturação ou de
depuração do eu no outro, você estará mais distante do observador. Só agora,
mais afastado da pessoa que coletou os dados da experiência, você poderá escutar
o som da sua própria voz, não como o sujeito que captura impressões sobre
as “personas” alheias, aquele de duas semanas atrás, mas como o
sujeito que o observa da cadeira do terapeuta. Esse você de agora, o que escuta
a gravação, será o Doutor Freud, e não o paciente no divã, ou melhor, no banco
da praça. Na verdade, quero que o paciente seja aquele ser humano que sentou no
banco do parque, aquele de duas semanas atrás, o sujeito estressado e angustiado,
o cara cheio de bloqueios e defesas egóicas.
Observe-o agora e, depois, perceba as
suas fragilidades, aproveite as muralhas que ele ergueu em torno de si, para
ver de cima a pequena aldeia que ele chama de aparelho psíquico. De repente,
você escutará o eco das dores emudecidas no inconsciente, os afetos e pulsões
represados no fosso das negações, nas sombras que nem o sol consegue iluminar.
Escute a voz daquele ser humano
solitário, estranhamente sentado num banco de praça, falando sozinho das dores
alheias, rindo das deformidades de um, das esquisitices do outro, debochando
das roupas, elogiando os latifúndios dorsais da bela morena. No início, ele
parecerá estranho; a sua voz, irreconhecível; as palavras, quase surreais. Você
chegará a duvidar que houvesse dito aquelas palavras. Em certo momento,
começará a ficar inseguro: essas pessoas estavam mesmo pensando tudo isso. Como
eu poderia saber? Que loucura!
Não se assuste: cada pessoa que você
descreveu, cada sentimento que capturou com a sua sensibilidade psíquica é
parte de você mesmo. Você falava de si, quando tentava penetrar no outro;
escutava o seu próprio inconsciente, quando interpretava os sorrisos, gestos e
trejeitos dos transeuntes do seu parque. Os pedacinhos do ser humano disforme —
que você vai montando ao escutar a sua própria fala — tecem o mosaico dos seus
próprios afetos (sentimentos e emoções). Tudo que viu nas pessoas que não
conhecia, os pedacinhos de gente que recolheu dos caminhantes do seu parque,
todos eram as migalhas de pão que você mesmo deixou pelo caminho para se
reconhecer depois. Todos eram você!...
Jorge Araken Filho,
apenas um coletor de palavras que se perderam no meu próprio inconsciente...
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