O que você faria com a máquina do tempo?
Alterar o passado e conhecer o futuro
antes da sua vivência efetiva, como se fosse possível viajar no tempo, é a maior
das utopias humanas; significa o dom de manipular o destino, de trocar as suas
notas dissonantes e recriar a sinfonia perfeita.
Se chegássemos a esse estágio da
evolução, seríamos — nós próprios — as divindades que cultuamos para adoçar a
ilusão do paraíso. Seríamos os deuses onipresentes, oniscientes e onipotentes
que povoam os mitos e lendas da humanidade, ainda hoje e desde os seus
primórdios.
Dominar o tempo e ter a capacidade de
dobrá-lo, encobrindo-o com o véu da negação, mais do que a infinitude da
existência, expressaria a tão desejada imunidade contra as falhas e desventuras
da vida, inclusive contra as que não conseguimos prever nem evitar.
Seria o dom supremo de reverter a
morte, de desconstruir os caminhos que nos levaram ao sofrimento, tudo, enfim,
que desejamos em nossas ilusões de felicidade eterna.
Teríamos esse dom divino, se fosse
possível dobrar o tecido do espaço-tempo, criando um “loop” infinito que nos permitisse, em certo ponto do caminho,
retornar ao evento inicial que nos levou ao erro. Com o efeito borboleta, nós poderíamos corrigi-lo,
indefinida e sucessivamente, criando linhas de tempo diferentes e paralelas,
como universos alternativos. Mas esse “loop”
na curva do espaço-tempo, malgrado o desejo humano da infalibilidade ou, melhor
dizendo, da corrigibilidade infinita, é puramente ficcional e especulativo, não
superando, com cálculos matemáticos, os paradoxos e singularidades que uma
viagem ao passado haveria de causar. Mesmo os “buracos de minhoca”, também conhecidos como “Pontes de Einstein-Rosen”, previstos, teoricamente, por Albert
Einstein e Nathan Rosen, ainda são pouco compreendidos. Sabemos, desde a
Teoria da Relatividade Geral, que matéria e energia deformam/dobram, em alguma
medida, o espaço-tempo, mas isso não significa dizer que poderemos, em algum ponto
do futuro, gerar a energia gravitacional necessária para manter as “Pontes de Einstein-Rosen” abertas, nas
dimensões certas e no tempo necessário, para que possam ser usadas em viagens espaço-temporais.
Aceitar que isso é impossível é sinal
de maturidade, pois, em certo ponto do caminho, seríamos invadidos pelo tédio
de uma vida sem esses eventos caóticos que a tornam emocionante. Imagine, meu
caro leitor, se pudéssemos voltar ao ano anterior a uma doença qualquer e,
flagrando-a antes do seu nascedouro, conseguíssemos evitá-la. Decerto seria bom
não ter doenças, mas isso não significaria, nem de longe, o dom da vida eterna.
Nós retardaríamos a morte por algum tempo, mas não para sempre. A quem, na
verdade, estaríamos iludindo? As células continuariam envelhecendo, os tecidos
e órgãos chegariam ao seu esgotamento, de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais
tarde. Demais disso, a simples possibilidade de apagar os erros do passado ou
de prever o futuro trágico nos impediria de aprender.
Sempre restaria a máquina do tempo,
para que pudéssemos refazer o destino, poupando-nos o esforço de acertar ou, ao
menos, fazer melhor na vez seguinte. É justamente essa percepção de que muitos
erros são definitivos e incorrigíveis, assim nas consequências essenciais como
nas secundárias, que nos move na direção certa. Saber que o passado está imune
aos nossos desejos e pulsões, criando um campo de força que nos impede de
modificá-lo segundo a nossa vontade, persuade-nos a agir e reagir com mais
cautela e equilíbrio ou, ao menos, deveria...
Precisamos da experiência do fracasso e
da dor, sem a possibilidade de dobrar artificialmente o tempo, para que
possamos respeitar os segundos e minutos de cada dia da existência.
Esse poder absoluto de desconstruir o
passado ou de construir um futuro sem as incertezas do caos, muito mais do que
paz e alívio, traria irresponsabilidade e insensatez.
Viveríamos assombrados com o passado,
que ficaríamos tentados a modificar a todo instante, e atormentados com o passo
seguinte em direção a um futuro que seria desconstruído todos os dias.
A máquina do tempo, tornando permeável
o destino, seria a mais suprema das nossas angústias. Outras pessoas, por
simples deleite, poderiam alterar o seu próprio destino, insensíveis ao fato de
que, muitas vezes, alterando um evento determinado em suas vidas, poderiam desviar
a minha existência do seu curso, desencadeando o bater de asas da borboleta metafórica, que poderia criar um tufão no outro lado do mundo ou, neste caso, na minha vida.
Imagine se Adolf Hitler pudesse avançar
no tempo, para depois retornar com a tecnologia da bomba atômica... Ou se os
terroristas do ISIS pudessem ser salvos da derrota por seus companheiros do
futuro... Mencionarei algo mais simples: quem seria campeão mundial de futebol
em 2014, se um torcedor brasileiro pudesse reconstruir a final da Copa do
Mundo, matando o técnico e cinco jogadores da Alemanha na véspera da partida? E
se um torcedor alemão, também com a máquina do tempo, retornasse à data em que
o brasileiro decidiu viajar no tempo, matando-o antes que este último pudesse
retornar ao passado?... Ou suponha que um assassino em série pudesse matar
indefinidamente, sempre retornando ao passado para desfazer os crimes que
praticara na véspera? Seriam crimes perfeitos...
No estágio atual da tecnologia, ainda
bem distante de dominar o tempo, a criatura já se considera o reflexo narcísico
do criador; no dia em que manipular do tempo, será o próprio criador. Como não
acredito na existência desse criador perfeito de obras imperfeitas, e não
confio na criatura, prefiro não embarcar nessa viagem insólita pelas veredas do
tempo.
Não é a tecnologia que me aflige; eu
tenho medo é dos viajantes! Com os humanos que temos, é melhor deixar por conta
do imponderável...
A quem deseja voltar no tempo, eu recomendo
que use a memória; a quem pretende conhecer o futuro, eu sugiro que o construa
a partir dos sonhos.
Jorge Araken Filho,
apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.
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