terça-feira, 7 de novembro de 2017

O que você faria com a máquina do tempo?

O que você faria com a máquina do tempo?

Alterar o passado e conhecer o futuro antes da sua vivência efetiva, como se fosse possível viajar no tempo, é a maior das utopias humanas; significa o dom de manipular o destino, de trocar as suas notas dissonantes e recriar a sinfonia perfeita.

Se chegássemos a esse estágio da evolução, seríamos — nós próprios ­— as divindades que cultuamos para adoçar a ilusão do paraíso. Seríamos os deuses onipresentes, oniscientes e onipotentes que povoam os mitos e lendas da humanidade, ainda hoje e desde os seus primórdios.

Dominar o tempo e ter a capacidade de dobrá-lo, encobrindo-o com o véu da negação, mais do que a infinitude da existência, expressaria a tão desejada imunidade contra as falhas e desventuras da vida, inclusive contra as que não conseguimos prever nem evitar.

Seria o dom supremo de reverter a morte, de desconstruir os caminhos que nos levaram ao sofrimento, tudo, enfim, que desejamos em nossas ilusões de felicidade eterna.

Teríamos esse dom divino, se fosse possível dobrar o tecido do espaço-tempo, criando um “loop” infinito que nos permitisse, em certo ponto do caminho, retornar ao evento inicial que nos levou ao erro. Com o efeito borboleta, nós poderíamos corrigi-lo, indefinida e sucessivamente, criando linhas de tempo diferentes e paralelas, como universos alternativos. Mas esse “loop” na curva do espaço-tempo, malgrado o desejo humano da infalibilidade ou, melhor dizendo, da corrigibilidade infinita, é puramente ficcional e especulativo, não superando, com cálculos matemáticos, os paradoxos e singularidades que uma viagem ao passado haveria de causar. Mesmo os “buracos de minhoca”, também conhecidos como “Pontes de Einstein-Rosen”, previstos, teoricamente, por Albert Einstein e Nathan Rosen, ainda são pouco compreendidos. Sabemos, desde a Teoria da Relatividade Geral, que matéria e energia deformam/dobram, em alguma medida, o espaço-tempo, mas isso não significa dizer que poderemos, em algum ponto do futuro, gerar a energia gravitacional necessária para manter as “Pontes de Einstein-Rosen” abertas, nas dimensões certas e no tempo necessário, para que possam ser usadas em viagens espaço-temporais.

Aceitar que isso é impossível é sinal de maturidade, pois, em certo ponto do caminho, seríamos invadidos pelo tédio de uma vida sem esses eventos caóticos que a tornam emocionante. Imagine, meu caro leitor, se pudéssemos voltar ao ano anterior a uma doença qualquer e, flagrando-a antes do seu nascedouro, conseguíssemos evitá-la. Decerto seria bom não ter doenças, mas isso não significaria, nem de longe, o dom da vida eterna. Nós retardaríamos a morte por algum tempo, mas não para sempre. A quem, na verdade, estaríamos iludindo? As células continuariam envelhecendo, os tecidos e órgãos chegariam ao seu esgotamento, de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde. Demais disso, a simples possibilidade de apagar os erros do passado ou de prever o futuro trágico nos impediria de aprender.

Sempre restaria a máquina do tempo, para que pudéssemos refazer o destino, poupando-nos o esforço de acertar ou, ao menos, fazer melhor na vez seguinte. É justamente essa percepção de que muitos erros são definitivos e incorrigíveis, assim nas consequências essenciais como nas secundárias, que nos move na direção certa. Saber que o passado está imune aos nossos desejos e pulsões, criando um campo de força que nos impede de modificá-lo segundo a nossa vontade, persuade-nos a agir e reagir com mais cautela e equilíbrio ou, ao menos, deveria...

Precisamos da experiência do fracasso e da dor, sem a possibilidade de dobrar artificialmente o tempo, para que possamos respeitar os segundos e minutos de cada dia da existência.

Esse poder absoluto de desconstruir o passado ou de construir um futuro sem as incertezas do caos, muito mais do que paz e alívio, traria irresponsabilidade e insensatez.

Viveríamos assombrados com o passado, que ficaríamos tentados a modificar a todo instante, e atormentados com o passo seguinte em direção a um futuro que seria desconstruído todos os dias.

A máquina do tempo, tornando permeável o destino, seria a mais suprema das nossas angústias. Outras pessoas, por simples deleite, poderiam alterar o seu próprio destino, insensíveis ao fato de que, muitas vezes, alterando um evento determinado em suas vidas, poderiam desviar a minha existência do seu curso, desencadeando o bater de asas da borboleta metafórica, que poderia criar um tufão no outro lado do mundo ou, neste caso, na minha vida.

Imagine se Adolf Hitler pudesse avançar no tempo, para depois retornar com a tecnologia da bomba atômica... Ou se os terroristas do ISIS pudessem ser salvos da derrota por seus companheiros do futuro... Mencionarei algo mais simples: quem seria campeão mundial de futebol em 2014, se um torcedor brasileiro pudesse reconstruir a final da Copa do Mundo, matando o técnico e cinco jogadores da Alemanha na véspera da partida? E se um torcedor alemão, também com a máquina do tempo, retornasse à data em que o brasileiro decidiu viajar no tempo, matando-o antes que este último pudesse retornar ao passado?... Ou suponha que um assassino em série pudesse matar indefinidamente, sempre retornando ao passado para desfazer os crimes que praticara na véspera? Seriam crimes perfeitos...

No estágio atual da tecnologia, ainda bem distante de dominar o tempo, a criatura já se considera o reflexo narcísico do criador; no dia em que manipular do tempo, será o próprio criador. Como não acredito na existência desse criador perfeito de obras imperfeitas, e não confio na criatura, prefiro não embarcar nessa viagem insólita pelas veredas do tempo.

Não é a tecnologia que me aflige; eu tenho medo é dos viajantes! Com os humanos que temos, é melhor deixar por conta do imponderável...

A quem deseja voltar no tempo, eu recomendo que use a memória; a quem pretende conhecer o futuro, eu sugiro que o construa a partir dos sonhos.

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.


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