Todo ser humano tem uma sombra
Por mais que a ocultemos no inconsciente,
negando-a com os mecanismos de defesa do ego,
ninguém pode fugir da sua própria sombra. Ela é parte da herança que carregamos
no inconsciente coletivo, é algo que perpassa as gerações do Homo “pretensamente” sapiens sapiens, e assim continuará
sendo pelos próximos milênios.
O difícil, na verdade, é não projetar a minha
sombra no outro, para me sentir menos sombrio; é não infectar com a minha
nostalgia quem parece feliz. Só assim, negando ao outro o direito de ser feliz,
eu me sinto menos desamparado. É só lançando no mundo os meus dejetos de
intolerância, o que não aceito existir em mim, que eu me sinto menos podre e
sombrio.
Esse é o grande desafio do amadurecimento, o
passo decisivo para iluminar o inconsciente, o olhar para dentro, para me
transformar no que sou de verdade e, assim, deixar de ser o que os outros
esperam de mim.
Só me olhando no espelho, reconhecendo-me, para
o bem e para o mal, exatamente como sou ou me tornei, eu posso sair dessa
postura apática e passiva. Só cortando com gilete a máscara social que encobre
o self — essa que me faz aceitar,
catatônico, as respostas que o mundo dá à indagação sobre quem eu sou —, eu me
torno capaz de superar as barreiras defensivas dessa rede de intrigas chamada ego. Esse olhar receptivo em direção ao
que nego em mim mesmo, ao que me irrita de alguma forma, permite-me ver abaixo
da crosta de aparências enganosas que mostro ao mundo na tentativa insana de me
fazer aceito e “curtido” como uma pessoa normal. Aceitando essas regiões
obscuras como partes indissociáveis do self,
em me unifico e me integro como ser humano, certamente imperfeito, mas sem carregar
a hipocrisia no rosto.
Quem sabe é lá, nesse lado sombrio, oculto na
posta-restante, que repousa o melhor que há em mim?
Aprendi a ser mais modesto: quero ser apenas
o que sou, e não que fingia ser. Carrego comigo todo o legado da miséria
humana, mas ao menos não nego, e isso já é revelador para uma existência banal
e pequena como a minha. Sei que sou eu próprio um flagelo, para mim e para os
que foram obscurecidos pela minha sombra.
Para ilustrar o que representa a sombra, na
psique humana, , eu evoco uma pintura de Salvador Dali, pintor surrealista
espanhol.
A tela representa a figura de uma mulher
pensativa e sua sombra, que se projeta no vazio, evocando a melancolia e o
desamparo da sua existência.
A solidão opressiva fica delineada na
tristeza do gesto e na cabeça inclinada, com as mãos encobrindo os olhos.
A sombra, neste caso, representa o
inconsciente, o “eu mais profundo”, do qual ela não consegue separar-se por
completo. A sombra sempre a persegue...
Todo ser humano tem uma sombra, tanto mais
densa e escura quanto menos ele a conhece, recusando a sua plena integração à
vida consciente. O lado sombrio e obscuro — negado com indefectível resistência
— e o lado consciente— superestimado como toda a sua vida psíquica — precisam integrar-se, com um mínimo de
harmonia, nessa totalidade chamada self.
O Ying e o Yang são as duas metades de mim mesmo. Só me resta aceitá-las.
Jorge Araken Filho, apenas um
coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.
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