sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Existe vida após o chifre?

Existe vida após o chifre?

— Depois de ter sido traída várias vezes, por homens diferentes, em quem eu confiava, decidi passar o resto da vida sozinha. Antes só do que mal acompanhada! Eu prefiro ficar em casa e assistir televisão.

— Faça exatamente o contrário! Saia e se divirta, encontre outras pessoas, vá ao cinema, dance... A solidão só é boa quando você se ama. Nos momentos de dilaceramento emocional, quando o ego se esfacela, você só precisa mostrar que essas pessoas não conseguiram destruí-la.

— Mas você sempre diz que eu não preciso provar nada a ninguém?!...

— É a si mesma que você precisa provar!...

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.




quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Fingir o orgasmo, um dom feminino...

Fingir o orgasmo, um dom feminino...

O homem narcisista não se importa com as suas emoções e sentimentos, se você, mulher, por medo de perdê-lo, insegurança, piedade altruísta ou simples desejo de abreviar o martírio, fingir o orgasmo. Agora, se você deseja condená-lo à autoflagelação, conte-lhe que o gozo era fingido... Ele irá do céu ao inferno antes que você lhe diga o merecido adeus.

No caso do homem, o macho do Homo sapiens sapiens, a maior das arrogâncias é proclamar-se capaz de levar todas as mulheres ao orgasmo; ilusão é acreditar que consegue; tolice é não encarar a realidade para tentar transformá-la.

Nada de silêncio nessa hora, minha querida leitora! A autoestima do homem — geneticamente programada para ser intocável — precisa receber esse choque de realidade. Se o diálogo não resolver — trazendo novas posições e técnicas sexuais, desejos secretos e incomuns, preliminares mais picantes, o clima certo, envolvimento afetivo e carinho —, procure um médico, mas não abra mão do seu gozo, para afagar o narcisismo machista do seu marido ou namorado.

Os homens nascem, crescem e morrem com a fantasia de que são máquinas perfeitas para a arte do sexo, mas não sabem o que se passa na dimensão do gozo feminino. Muitos sequer se preocupam com o que se passa ao norte da sua vagina... Foda-se você! — É o que eles dizem aos amigos na academia.

Mas a propaganda masculina, normalmente enganosa — os famosos “na cama eu esculacho”“sou foda, borracha forte”“mulher, depois que dou madeirada, não fica de pé”, etc. —, esconde o medo atávico, carregado pelo cromossomo “y”, de não ser capaz de satisfazer, na cama, o sexo feminino, que ele deseja acreditar que é fraco.

O sexo, para o homem, é o maior dos troféus da sua masculinidade. Imaginar que uma mulher não sente prazer com ele — e logo na cama, o reino onde ele se autoproclama soberano — é pior do que levar chifre. Pode acreditar, ele prefere ouvir que você meteu um par de guampas na cabeça dele do que saber que você nunca gozou... Pior ainda, se você lhe disser que gozava muito com o seu ex... Aí é tortura, crime de lesa-masculinidade... Ele nunca mais será o mesmo.

Por isso, nada de fingir orgasmos! A vítima será sempre você. Ele se vira e dorme, candidamente, alimentando, em seu ego frágil e imaturo, a ilusão de que a deixou com as pernas trêmulas; quem fica na mão é você... na mão e nos dedos...

Acorda, amiga! Vai ajudar um bocado, se você tiver orgasmos. Ele jura a si mesmo que você goza o tempo todo... Ele se acha o cara, e você, validando a péssima atuação dele com gozos fingidos ou permanecendo em silêncio, torna-se cúmplice dessa farsa...

Na hora que você jogar o papo reto, do tipo olho no olho, fique atenta à reação dele: se começar a chorar, sentindo-se menos macho, você terá feito a coisa certa, e ele irá amadurecer, transformando a dor em humildade para aprender; se ele se revoltar, você terá se livrado de um machão, conquistando, de quebra, o sagrado direito de ter orgasmos com outro.

A vida é curta! O seu gozo fingido, uma mentira altruísta que nasce da misericórdia com o machão em sua cama, acaba por criar um homem tolo e uma mulher frustrada. Goze já ou mude de homem! Você pode e tem direito.

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.

Post Scriptum: Acordei assim, meio “arretado”, com o machismo desses homens que precisam anunciar performances ilusórias, para confirmar com outros machos que são muito machos...

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Esperança...

Esperança...

Logo depois de morrer num trágico acidente, um homem se vê diante de Deus:

— Senhor, eu ainda não estou convencido de que a minha hora havia chegado. Deixei assuntos inacabados...

— Desejos insatisfeitos, você quer dizer...

— Ao menos, estarei ao seu lado. O que não gozei em vida, eu terei na morte. E isso me dá esperança.

— Esperança? Essa é uma das virtudes que eu não sou capaz de experimentar. A crença no porvir, a confiança que pode levar à realização dos sonhos é uma impossibilidade para mim.

— Como assim? Deus pode tudo!

— E sabe tudo, meu filho!... Esperança é ter fé de que algo — ainda incerto — haverá de acontecer no futuro; é esperar que os atos do presente construirão o destino, se eu perseverar. Eu já escrevi as linhas do porvir... Não posso ter esperança, se já tenho certeza de tudo!

— Mas isso não é bom?

— Ter certeza é um tédio!

— Eu queria ser Deus e ter certeza de tudo que irá acontecer.

— Você diz isso porque não é Deus. Nada pode acontecer sem que eu saiba previamente de tudo. Sabe aquela sensação de filme repetido, de déjà-vu? Uma existência sem suspense? É assim que eu me sinto! O imponderável — essa excitação caótica que faz os humanos caminharem, a possibilidade de dar certo ou errado, a probabilidade, sempre real, de que os sonhos não se realizem —, nada disso eu consigo experimentar. A incerteza que faz da vida um mistério sempre por resolver é a mesma que traz a esperança. Decifrar todos os enigmas é como jogar uma partida de futebol já sabendo de antemão o resultado. É como entrar numa partida de xadrez com a certeza da derrota. Não queria saber tudo, meu filho!

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.


O fundo do poço: um alívio verdadeiro ou, apenas, uma desculpa autoindulgente para justificar a zona de conforto?

O fundo do poço: um alívio verdadeiro ou, apenas, uma desculpa autoindulgente para justificar a zona de conforto?

Para iniciar a nossa pequena divagação pseudofilosófica (não sou filósofo, mas apenas um falastrão sem cultura!), eu creio que uma pequena conversa entre dois personagens imaginários, espelhos dessa gente do mundo real, poderia dar algumas pistas para solucionar o enigma proposto no título:

— Carlos, o lado bom de uma vida obscura, miserável e infeliz, como a minha, é perceber que eu fui feliz um dia, embora não soubesse.

 — E o que isso tem de bom, Frederico?

— Se um dia a minha vida foi melhor do que hoje — e agora consigo reconhecê-lo, embora não percebesse a felicidade enquanto a vivia —, espero que hoje seja o tempo feliz de amanhã. Descobrir que as coisas podem sempre piorar — enfim, que o poço existencial não tem fundo e que podemos decair, continuamente, até a morte — é a maior das nossas epifanias, pois nos permite viver cada dia como se fosse o último, dando cada sorriso como se não houvesse outro no horizonte das nossas vidas, bebendo cada copo d’água como se fôssemos enfrentar um deserto sem fim, comendo cada grão de alimento como se a fome nos espreitasse nas curvas do tempo.

— Cara, eu me sinto mal, quando você fala essas coisas... É doentio!

— Meu amigo Carlos, se eu já tiver consciência prévia de tudo poderá piorar amanhã — e isso é imponderável, mas possível; indesejável, mas plausível —, eu preciso valorizar o dia de hoje, vivê-lo intensamente, antes que a guilhotina caia sobre o meu pescoço. Preciso sentir o sabor da minha derradeira refeição, como os condenados à morte no dia da execução.

— Viver com esse pensamento é mórbido demais, Frederico!...

— Essa é a Lei de Murphy, meu amigo! Nenhum poço é tão profundo que não se possa revelar ainda mais profundo. Essa réstia de sol, que surge acima do plano das nossas cabeças, quando estamos caindo no poço existencial, serve manter viva a ilusão de que um dia subiremos.

— O futuro infeliz, que você antecipa hoje na forma de fantasia obscura, vivendo por antecipação um sofrimento que poderia ser evitado, será a sua verdade inexorável, se você continuar a viver com pena de si mesmo, imaginando-se um condenado, na sua ultima refeição.

— É o meu destino!...

— Viver com a guilhotina pendendo sobre o pescoço é escolha!

Depois de ler esse diálogo imaginário entre dois personagens do meu inconsciente, eu creio que se tornou possível, traduzindo nas inquietações do Carlos e do Frederico as minhas perplexidades, dar a dimensão exata do fundo do poço e seu significado para a minha frágil e finita condição humana.

Antes de prosseguir, imagine um poço — uma cacimba d’água, por exemplo — e se coloque do lado de dentro, a uns poucos metros da entrada, como um observador. Olhe para cima e veja as suas paredes marrons, formando um grande tubo de tijolos, com várias camadas que se superpõem, verticalmente, até a superfície. Acima, até onde a sua vista alcança, apenas o céu azul, ponteado com algumas nuvens brancas.

Mesmo não sendo um borrão de tinta, despido de significado objetivo, mas a imagem de um poço real e concreto, creio que a ilustração serve para subjetivar a percepção de cada um sobre a realidade. Podemos vê-la de ângulos diferentes, conforme a perspectiva do observador: debruçado sobre a abertura do poço, mirando a escuridão do seu fundo, que simboliza a falta de esperança e os desejos recalcados, ou do fundo, observando a luz reconfortante acima, que indica os desejos ainda ardentes nas câmaras do coração.

Serviria, neste sentido, como um Teste de Rorschach, aquele dos borrões de tinta com estímulos vagos e aleatórios, imagens com formas indistintas e sem qualquer significado objetivo, que são percebidas como representações da realidade, verdadeiros significantes que estimulam a construção de múltiplos significados, necessariamente diferentes e particulares para cada pessoa que as percebe sob a luz da sua própria subjetividade.

Cada pessoa captura as imagens com os seus próprios sentidos e com o filtro do seu próprio aparelho psíquico, que distorce a realidade objetiva, reconhecidamente aleatória e sem significado, para dar-lhe algum sentido ou padrão subjetivo que o cérebro reconheça.

As imagens, nos Testes de Rorschach, revelam a realidade psíquica de quem interpreta o desenho, e não a realidade objetiva ou a intenção de quem o fez. O paciente vê nas manchas de tinta os seus próprios desejos e pulsões, como alguém que projeta seus conteúdos “inaceitáveis” no outro, vendo, como se fosse um sinal da alteridade, o que, de fato, é a sua própria imagem refletida no espelho. Ao ver o outro ou, neste caso, a imagem aleatória que se conecta com o seu inconsciente, fazendo despertar significantes e significados recalcados na parte mais profunda do seu aparelho psíquico e encobertos pela névoa da negação, ele não vê senão a si próprio, rompendo as defesas do ego, num processo de subjetivação em que caminha para o self.

O mais difícil, nesse processo identificatório, essencial à subjetivação, é distinguir o eu do outro. Nem sempre o que tomo como meu é, na realidade, algo que vem do meu self, assim como raramente o que percebo no outro é dele, mas, apenas, uma projeção do meu próprio ego.

É verdade que o “eu” só se constitui, enquanto processo identificatório, a partir dos significantes que vêm do outro.  Em um conhecido texto — “O estádio do espelho como formador da função do eu” —, Lacan usa o estádio do espelho para explicar como a criança, ao perceber a sua imagem no espelho, acaba se reconhecendo como o “outro” imaginário, passando a manter, com essa imagem refletida, uma relação de identificação narcísica, que ele chama de identificação inaugural. À medida que evolui, a criança volta seus investimentos libidinais para outros objetos, libertando-se da alienação narcísica, para se perceber como aquele “outro” do espelho. Todavia, sempre mantém, como modelo, essa primeira identificação formadora da função do “eu”.

Precisamos sempre da confirmação do outro, para perceber o que somos. É como a mãe, diante da criança que sorri, ao perceber que o "outro" imaginário, refletido no espelho, é ela mesma. A mãe, com um simples sorriso, confirma a descoberta da criança, mesmo sem palavras. Aquele sorriso diz: — meu filho, esse "outro" é você. Essa identificação inaugural com o "outro" imaginário, mediada pela mãe, molda todos os processos identificatórios em nossas vidas. Sempre carecemos da mãe (o outro), para confirmar o que somos. E, assim, apegados a essa identificação primitiva, buscamos no “outro” a construção dos nossos processos identificatórios, significantes e significados.

Os Testes de Rorschach exploram um fenômeno psíquico interessante, a pareidolia, que é a percepção de objetos conhecidos em estímulos indefinidos e aleatórios. O paciente, quando captura as imagens com os seus próprios sentidos, busca coincidências entre o estímulo externo e as conexões internas do seu aparelho psíquico, vendo muito além do que, na verdade, existe como estímulo sensorial. Ele projeta alguns vestígios das suas moções pulsionais, capturando o que a mente escondeu no inconsciente, e não a realidade objetiva. Muitos veem rostos na lua, formas em pedras e até mensagens divinas em desenhos formados pela própria natureza, reagindo, com os seus próprios desejos e pulsões, a essas imagens aleatórias, mesmo às que se revelam despidas de qualquer significado real, que são preenchidas para formar — deslocado para a imagem — o desejo ou pulsão que o ego reprimiu no inconsciente. Dessa forma, emprestam significados subjetivos à realidade objetiva, expõem significantes em busca de sentido, lançando alguma luz sobre os conteúdos sombrios do inconsciente.

Quando olhamos o poço, criamos não só a proteção contra o desamparo — a segurança do fundo do poço —, mas também a ilusão de que podemos olhar para cima, buscando no alto — ou seja, fora da nossa realidade de habitantes das profundezas do poço — os prazeres que não conseguimos alcançar aqui nas sombras.

Não sou tão otimista quanto algumas pessoas do Facebook, que acrescentam um belo fundo no seu poço subjetivo e contemplam o céu que se abre acima... Estou mais para a Lei de Murphy: nenhum poço é tão profundo que não se possa revelar ainda mais profundo...

Essa réstia de sol, que surge acima do plano das nossas cabeças, serve para iluminar o caminho na subida ou, pelo menos, para manter viva a ilusão de que um dia subiremos...

A ilusão do fundo do poço — a ideia salvadora de que nada pode ficar pior — pode ser ainda mais perigosa do que a queda: ela noz faz acreditar em milagres... O fundo do poço pode ser apenas uma desculpa autoindulgente para justificar a sua zona de conforto.


Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.

Por que somos tão submissos?

Por que somos tão submissos?

Porque tememos perder algo ou alguém que nunca tivemos! Simples assim... É a pessoa que nunca nos amou, é a promoção no trabalho, é o “amigo” virtual...

Eles nunca foram “nossos” de fato — muitas vezes sequer nos iludiram com a ideia de que um dia o seriam —, mas essa quimera de pertencimento, malgrado as evidências contrárias, era a fantasia que vestíamos com as cores do nosso próprio destino.

Dilaceramos a nossa autoestima, vendemos a alma ao diabo, pelo simples medo de não merecer (do objeto do nosso amor, do patrão ou do “amigo” virtual) o que desejamos com tanta intensidade, ou seja, por receio de não agradar a quem, em nosso delírio, outorgamos esse poder — irreal — de transformar as nossas ilusões em cadinhos de verdade.

A maior das feridas narcísicas do ser humano — menor, talvez, do que a morte, que nos dilacera com a finitude da vida — é a que se abre no instante em que desistimos dos sonhos e, voltados para o passado, começamos o ciclo das lamentações, imaginando o que teria sido se tivéssemos feito algo diferente.

Quando as nossas expectativas e sonhos se desfazem nos caminhos obscuros da realidade, mas não sabemos, com as nossas próprias forças, mudar o curso implacável dos acontecimentos, não raro caóticos e imprevisíveis, só nos resta a resignação submissa a quem, mesmo ilusoriamente, possa preencher as nossas ausências e incompletudes.

Por isso, aceitamos da pessoa amada, do patrão ou do “amigo” virtual as mais abjetas violações aos nossos sentimentos e emoções. Tornamos-nos submissos e maleáveis, na ilusão de não perder o amor, a consideração e o respeito que eles nunca tiveram por nós.

Não rasteje! Você não nasceu um verme; você se tornou...

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.



terça-feira, 26 de setembro de 2017

Preconceito não é ideologia, mas sintoma de transtorno de personalidade psicopática!

Preconceito não é ideologia, mas sintoma de transtorno de personalidade psicopática!

Nas mentes pequenas e preconceituosas todas as ideias se tornam pequenas; nada se aproveita, nem se transforma em benefício para a humanidade, mesmo quando subjaz, nas entrelinhas do discurso, algo de minimamente proveitoso. O cadinho de inspiração logo se dilui na intolerância, e as ideias mais nobres se perdem na mesquinhez do caráter.

Preconceito não é ideologia; é sintoma de transtorno de personalidade psicopática! Ele se disfarça de ideologia para manipular os que entregam a outrem a sua capacidade de refletir. Ideologia é uma forma de pensar sobre a realidade, enfim é um sistema de ideias, pensamentos e doutrinas políticas, morais e sociais que legitima o poder da classe dominante (se necessário, com a alteração superficial do status quo, a velha história dos anéis e dos dedos) ou o desejo revolucionário da classe dominada. Ideologia — seja ela hegemônica ou subordinada — indica persuasão e convencimento pela palavra, e não pela força física, grito histérico, ofensa ou alienação da consciência.

Pensamentos de menosprezo à alteridade revelam um psicopata narcisista, alguém que, tendo a mente pequena e preconceituosa, precisa subir no ombro alheio para se sentir poderoso. O preconceito, ao contrário da ideologia, não se alimenta da razão, mas da irracionalidade. E os psicopatas têm plena consciência dessa irracionalidade perversa. Na verdade, eles sentem prazer com o sofrimento alheio, em especial quando decorre das suas ações e opiniões. Eles não são psicóticos, estes, sim, pessoas doentes, que não possuem consciência dos seus atos, nem do eventual sofrimento que causam, já que sofrem de delírios e alucinações que distorcem a percepção da realidade. O psicopata, ao contrário do psicótico, sabe que as suas palavras são irracionais, mas as propaga ainda assim, não porque acredite que sejam reais, mas porque sabe que causarão dor nas pessoas a quem ele dirige a sua intolerância.

Conceder à intolerância o status de ideologia significa reconhecer algum valor na argumentação dos psicopatas que a defendem. Não imagino o nazifascismo como ideologia, assim como não é ideológica a ideia de supremacia branca ou o totalitarismo de gênero. Isso é sintoma de psicopatia, pura e simplesmente! Ou você acha que Adolf Hitler, Heinrich Himmler e Josepoh Goebbels eram ideólogos? Ou que a famigerada Ku Klux Klan tem algum ser pensante em seus quadros? Para mim, eles não passam de um bando de psicopatas! Dar-lhes voz e significado ideológico é onda demais para gente de menos.

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.


Vale qualquer sacrifício em nome do amor?

Vale qualquer sacrifício em nome do amor?

Diálogo entre pai e filho, na véspera de natal, em um filme romântico:

Pai: — Há dois tipos de sacrifício que um homem faz por uma mulher: o bom e o mau!

Filho: — E como saber qual sacrifício nós estamos fazendo?

Pai:  Depende de como a história acaba!...

Antes desse diálogo, o filho — um jovem bem sucedido que deixara o lar paterno, para estudar na Cidade grande  revelara ao pai a sua intenção de abandonar a carreira e retornar à cidade natal, no interior dos EUA, para transformar em realidade o amor platônico que ainda alimentava por uma jovem, amiga de infância, a quem conhecia desde os 5 anos de idade.

Abstraindo a falta de criatividade do roteiro, que revela, em sua tessitura narrativa, um clichê dos filmes do gênero, podemos observar os arquétipos da mocinha inocente, sonhadora e romântica e do garoto idealista, boa praça e bem sucedido. Repetindo velhos modelos do gênero, eles se conheceram na infância, amaram-se em silêncio por muitos anos, mas nunca viveram esse amor "impossível".

Suspeito que esse "amor platônico" nunca se concretizou, justa e precisamente, porque eles sabiam tudo um do outro, não só as qualidades visíveis, como os defeitos insondáveis. Sem os mistérios do outro a serem desvendados, tudo virou uma longa amizade, escondendo um amor latente! Na verdade, amamos no outro o ser ideal que projetamos nele, e não a realidade que ele esconde ou revela!

Apesar dos clichês, o diálogo entre pai e filho remete-nos a um dilema existencial: se a consciência de que o sacrifício foi bom ou mau só virá no final da história, vale a pena sacrificar o presente, mesmo sem saber se o prêmio futuro compensará a imolação de ambos? Somos o único animal que tem consciência da inevitabilidade da morte, e isso nos obriga a conviver com a angústia que nasce do adiamento dos desejos. Uma hora qualquer será tarde demais, para tentar aquele amor platônico...

Não existe uma resposta única e objetiva, que sirva de modelo para todos nós! A subjetividade dos nossos medos e a resiliência para suportar eventuais fracassos é que define se o risco de tentar é maior do que a dor de não tentar. Numa vida tão curta, pode ser preferível experimentar uma história de amor, mesmo a sabendo improvável, a viver na ilusão de que bastaria haver tentado.

Mas toda decisão tem o seu preço: arriscar-se nem sempre dá certo. Contudo, tentar e quebrar a cara pode não ser o pior dos cenários possíveis... Na verdade, com a cara quebrada você já está, se a não realidade desse amor ou a sua unilateralidade já o angustia tanto assim...

 De uma coisa, porém, você não pode abrir mão: do seu amor próprio. Quem não se ama é incapaz de amar e busca no outro um motivo para viver. E esse motivo, seja ele qual for, deve estar dentro de você, e não no outro. A vida é sua, e não dele. Encontre você mesma um sentido para a sua vida! O sacrifício em nome do amor é sempre uma escolha, mas nem toda escolha lhe convém!

Você queria uma resposta objetiva da minha parte? Lamento dizer que o amor é um livro aberto, com folhas em branco... Não existem receitas para a felicidade. De fato, só existe uma regra: escreva você mesma a sua história! E por mais intenso que se torne esse desejo de amor, nunca entregue a outrem a caneta do seu destino.

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.







sábado, 23 de setembro de 2017

Não preciso provar nada a ninguém!

Não preciso provar nada a ninguém!

O maior obstáculo a ser transposto, para transitar da existência para a essência, deixando de “existir” apenas, para enfim “ser”, não é me tornar a pessoa que sou, mas me livrar da angústia existencial — verdadeira ferida narcísica — por não ser a pessoa que eu acho que deveria ser ou, pior ainda, que o mundo pretende que eu me torne, ao responder, antes de mim, a pergunta sobre quem eu sou.

Essa é a pedra no caminho da existência humana: lidar com a inevitável imperfeição que nos persegue como uma sombra! O barato da vida só se alcança quando relativizamos as expectativas (nossas e do mundo), para que elas não se tornem um peso desnecessário na caminhada.

Não desejo ser bom o suficiente para me tornar a resposta que o mundo espera de mim, nem quero dialogar com as expectativas alheias: sou assim e ponto! O que os outros irão pensar de mim é problema deles.

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Seja misericordiosa, mas não seja besta!

Seja misericordiosa, mas não seja besta!

Não se esqueça de perdoar a quem a feriu! A sua clemência não precisa ser sincera, mas deve ser bem ensaiada. Ao chegar a hora do adeus, atue como uma grande atriz, na cena do perdão. Nada incomoda mais a quem agiu mal do que o perdão. É difícil controlar o sentimento é culpa!

Perdoe, mas não seja tola, iludindo-se com a repentina santidade do parceiro! Do perdão em diante, ele até poderá se tornar santo, mas que vá espargir santidade com outra mulher iludida, e não com você. O mundo ficará agradecido por você ter santificado essa criatura, convertendo-a para o respeito à alteridade.

Contudo, recomendo cautela com o perdão. Lembre-se do  diálogo entre o Padre Nicolau e Herculano, no Terceiro Ato da Peça “Toda  nudez será castigada”, de Nélson Rodrigues:

"HERCULANO — Padre, hoje eu acordei com vontade de perdoar.
PADRE — Perdoar o que e por quê?
HERCULANO — Não pensei em ninguém, particularmente. Um perdão impessoal, indiscriminado. Perdoar a todo o mundo, sei lá.
PADRE — Meu filho, não tenha pressa de perdoar. A misericórdia também corrompe."

Caso você resolva perdoar, deixe bem claro que a sua clemência (um gesto de pura bondade e altivez!) não significa aceitar a pessoa perdoada de volta!

Quando você perdoa o outro por carência afetiva, ou seja, por falta de opção melhor e, portanto, para não ficar sozinha, o perdão resultará em dor ainda maior do que a traição ou desprezo do outro. Na verdade, ao perdoar por falta de autoestima, você recalca no inconsciente o sentimento de ódio, que acaba retornando, mais cedo ou mais tarde, como sintoma neurótico. É como a represa que se rompe, quando não se abrem as comportas.

Algumas atitudes, todavia, não merecem perdão, pois dizem muito sobre quem nos fere ou despreza. A traição é uma delas. Ninguém perdoa impunemente que o traiu. Um dia se arrepende... Vai por mim! Existem traços de personalidade que podem até se modificar, mas é mais fácil assistir a uma final de Copa do Mundo entre o Taiti e a Tailândia.  A fidelidade é um deles... Iluda-se se você for tola ou masoquista, mas não diga que eu não avisei.

Para não eternizar mágoas e ressentimentos, você pode até perdoar o seu algoz, ou simplesmente fingir o perdão (o que é mais gostoso!), mas deixe-o ser santo em outro altar. Sempre haverá outra mulher  iludida nesse mundo, com a autoestima em baixa e a carência afetiva em alta, ansiando para confiar, de olhos vendados, num pecador contumaz que se tornou beato. Não você! Aliás, você não precisa mais confiar nele. Diga-lhe que ficou feliz com a santificação repentina — prometida, mas raramente cumprida! —, e o passe adiante, enquanto ainda existe quem o queira.

Livre-se de quem não respeitou o seu espaço e ofendeu a sua dignidade. A arte do desapego também é um ato de amor, não ao outro, mas a si própria.

— Agora é tempo de seguir em frente! — Essa deve ser a sua última fala para ele. Depois, não olhe para trás, nem o procure nas redes sociais. Ele pode estar vivendo melhor sem você; pode estar mais feliz do que você imagina. Certas coisas é melhor não saber...

Por pior que seja a sua ira, porém, não detone a reputação de quem a sacaneou. Não que ele, de fato, não mereça ser execrado publicamente, mas o fato é o seguinte: você precisa se livrar dele, e não será uma boa propaganda cuspir na mercadoria! Falando mal ou contando os podres, ninguém desejará o canalha. Se surgiu, enfim, uma pessoa iludida a ponto de aceitá-lo (por tolice ou fé na humanidade), escolhendo acreditar na repentina transformação em santo da pessoa que lhe fez mal, não atrapalhe a “transação”. Vai que ela acorda e não leva o safado!

De tudo que eu disse, memorize uma coisa: perdoar não significa continuar convivendo com quem lhe fez mal! Reconheça você mesma o seu valor, já que o outro não reconheceu. Perdão combina com pé na bunda, e não com o rosto virado para receber outro tapa na cara. Seja misericordiosa, mas não seja besta!

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.






Arrisque-se, minha querida poetisa

Arrisque-se, minha querida poetisa

Você está se habituando ao seu casulo, e isso a levará ao tédio ou, ainda pior, apequenará o seu destino. Mas a pergunta que eu faço é outra: a sua concha emocional a protege do mundo ou a isola na zona de conforto?

Escreva o que vier à cabeça, sem medo de se revelar nas palavras ou nos silêncios. Que sejam textos "nada amorosos", mas que sejam poemas! O amor pode estar oculto na negação do próprio amor. A simples necessidade de falar desse "não amor" já é reveladora de algo a ser desvendado, algo que pode estar reprimido no seu inconsciente.

Quanto à cautela da sua concha, o nome disso é medo do desconhecido e do que se mostra caótico, a parte do destino que é imponderável e não pode ser controlada. Não tente controlar todas as cordinhas do destino e permita, aqui e ali, que a onda leve o seu barco.

Beijos no seu coração temeroso!

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Generais, fascistas ressentidos, viúvas da Ditadura, cura gay e o retorno ao Australopithecus afarensis

Generais, fascistas ressentidos, viúvas da Ditadura, cura gay e o retorno ao Australopithecus afarensis

O problema do intolerante é que ele faz muitas perguntas, mas só aceita as suas próprias respostas.

Ainda bem que Sigmund Freud não conheceu as redes sociais, a pós-verdade nem as edições eletrônicas dos Jornais e Revistas do nosso tempo! O Pai da Psicanálise, felizmente, não presenciou a face mais cruel da intolerância, o espaço sem ética onde os hipócritas ditam regras morais, o inferno onde os pequenos tiranos encontram seus reinos, a terra de ninguém onde os preconceituosos destilam a amargura que os envenena.

Passeava, um tempo desses, pelo noticiário do dia, quando, sem surpresa alguma (nada mais me surpreende!), vi a fotografia de um torturador da época da Ditadura militar, um senhor de 77 anos e vasta cabeleira branca, cujo nome, em respeito à memória das suas vítimas, eu prefiro ocultar. Um tempo atrás, ele fora denunciado, formalmente, pelos seus crimes, que incluíam a tortura de um religioso católico e de outros jovens que ousaram resistir ao Regime de 1964.

Para quem não sabe história, ou gosta de reescrevê-la, a fim de negar o passado de desonra, essa famigerada Ditadura, dentre outras barbaridades, baixou os dezessete Atos Institucionais que rasgaram a Constituição liberal, de viés oligárquico, promulgada em 1946, que já não era grande coisa! A Constituição de 1934 — que chegou a ousar em alguns direitos sociais, introduzindo o voto secreto, dando ao sufrágio feminino status constitucional, criando a Justiça do Trabalho e definindo alguns dos direitos constitucionais do trabalhador, como jornada de 8 horas, repouso semanal e férias remuneradas — já era história nesse tempo. Pois foi esse Regime de Exceção, que muitos, cinicamente, dizem não ter existido no Brasil, que jogou na lata do lixo a Constituição dos liberais de 1946, avós dos neoliberais oligárquicos de hoje. Não que os Atos da Ditadura de 1964 tenham afastado do poder as nossas oligarquias de matriz liberal. Bem longe disso! Só foram cassados os que pensavam em algo parecido com a ideia de povo. O que me intriga, no entanto, é o seguinte: se não se tratava de uma Ditadura, por que coube aos Generais, e não a uma Assembleia Nacional Constituinte legitimamente eleita pelo povo, baixar os dezessete Atos Institucionais com força supraconstituicional e, pior ainda, outorgar a Emenda n. 1 de 1969? Ou, por outra: se não foram os generais da Junta Militar que rasgaram, sem consulta popular, plebiscito ou legitimidade pelo voto, a Constituição liberal oligárquica de 1946, promulgada, mal ou bem, por uma Assembleia Nacional Constituinte, quem teve a ousadia de fazê-lo, assinando, ao final, os nomes do General de Exército Aurélio de Lira Tavares, do Almirante de Esquadra Augusto Hamann Rademaker e do Tenente-Brigadeiro Márcio de Sousa e Melo? Deve ter sido o “Fantasma da Ópera”, de Gaston Leroux...

Li a matéria, esperando notícias sobre o julgamento, mas logo percebi que ele falecera na véspera, em São Paulo, vítima de câncer no pulmão. Não consegui ter piedade, por mais que tentasse. Tentei ver um cadinho de bondade perdida naquele torturador idoso, mas acho que sou "humano, demasiado humano", diria Nietzsche.

O que mais me chamou a atenção, contudo, não foi a matéria jornalística em si, nem a notícia da morte daquele homem de idade avançada.  A matéria — devo confessar a minha estranheza — até foi sóbria e direta, talvez para não deixar transparecer o saudosismo dos fascistas ressentidos e das viúvas da Ditadura que controlam esse conhecido Jornal, um dos primeiros a lamber as botas sujas do Regime Militar e a se beneficiar com ele.

O que mais me tocou foi a defesa sectária e irritada dos “feitos gloriosos” desse Senhor, que foram exaltados em prosa e verso pelos intolerantes do mundo virtual. Os mais ensandecidos até o criticavam por não ter “completado o serviço” com a Presidente Dilma Roussef. Tratava-se, antes que eu me esqueça, do Capitão do Exército que a torturara no início dos anos 70.  Como ironia da história, antes de morrer, ele teve que engolir a sua vítima exercendo o comando supremo das Forças Armadas, nomeando os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promovendo os seus oficiais-generais e os exonerando dos seus cargos, como preceitua, para seu desprazer, o art. 84, inciso XIII, da Constituição de 1988.

Sem qualquer pudor ou autocensura e sem conhecer qualquer um dos mortos e sobreviventes, mas simplesmente por ouvir dizer nas redes sociais e nos “livros de história dos torturadores”, pontificavam outros, como dogmas absolutos e verdades imutáveis, que eram todos “terroristas e bandidos” e, por isso, mereceram a tortura e até a morte sumária, sem julgamento ou processo.

Não vou relatar as ofensas à memória dos que pereceram na tortura, nem à dos que sobreviveram para nos contar como era a vida nos porões da Ditadura.

Para aprender sobre esse período negro, as minhas palavras não bastam, sendo mais instrutivo, para os desinformados e intolerantes, visitar o site “Brasil Nunca Mais Digital” (http://bnmdigital.mpf.mp.br/#!/), do Ministério Público Federal, o mesmo Órgão do tão exaltado Procurador-Geral da República, por trágica ironia, o mesmo que é elogiado por contribuir, direta ou indiretamente, para apear do poder a Presidente torturada pelo Capitão...

Como se nada disso bastasse, um General ameaça a República com um Golpe de Estado, e ainda tem a desfaçatez de invocar a Constituição... Como desgraça pouca é bobagem, um cantor — a quem prefiro não ofender nem dar publicidade imerecida — acaba de proclamar que nunca existiu uma Ditadura do Brasil... E um juiz, em nome da liberdade, abre as portas à “cura gay”, intrometendo-se na sexualidade alheia, para ditar regras morais e inventar doenças. Nem do c... somos donos... Republiqueta de merda essa em que vivemos! Mundo de merda esse que criamos desde que o Australopithecus afarensis desceu das árvores há 3,7 milhões de anos!

A tal ponto chegam os neoliberais da Casa Grande, na defesa dos seus privilégios, que não se pejam de defender um retrocesso autoritário, quando lhes convém ao bolso. Como explicar, então, a defesa do autoritarismo de crise entre os neoliberais? É simples: quando ameaçados de perder os anéis, eles sonham com uma "ditadurazinha suave e provisória”, que lhes assegure os seus privilégios, domando a utopia revolucionária dos indigentes da senzala. O problema é que não existem “ditadurazinhas suaves e provisórias”! Que o diga Carlos Lacerda, um dos líderes civis do Golpe de 1964, um lambe-botas da Ditadura que teve os direitos políticos cassados em dezembro de 1968, logo depois do famigerado AI-5. Ironias da história neoliberal, nessa pátria-mãe tão distraída. Agarrados aos seus privilégios, eles venderam a alma ao "diabo", acreditando na sacralidade dos generais e seus mentores do “Tio Sam”, a quem enxergavam, interesseira e hipocritamente, como Vestais do Templo de Minerva... Quem muito lambe as botas uma hora é pisado...

Tenho insistido, ultimamente, que esse estado de estupor e embrutecimento — uma descrença absoluta em tudo e em todos os que não são o espelho onde projetamos os nossos desejos, uma revolta indiscriminada contra tudo que contraria os nossos interesses mesquinhos —, obscurecendo a razão e abrindo feridas incuráveis, acabará semeando o destino que tanto deveríamos evitar.

Se não posso abstrair a realidade do meu tempo, que me modula com as suas idiossincrasias e limitações, devo concluir, com certo incômodo às minhas certezas confortáveis, que todas as verdades em que acredito, inclusive as mais irrefutáveis e dogmáticas, só existem no tempo histórico em que foram produzidas: o que hoje se parece com a mais absoluta das verdades pode não explicar o passado nem o futuro.

Se o anacronismo ufanista — esse constante escrever, reescrever e ressignificar a história em busca de feitos gloriosos que a tornem romântica e menos violenta, quase asséptica e bem intencionada — fosse um privilégio dos brasileiros, bastaria iluminar com a razão os antigos textos, debruçar-se sobre as fontes históricas que não se apagaram com o tempo, para conhecer o verdadeiro Brasil e seus caminhos nem sempre cheio de flores, mas muitas vezes injusto e repleto de sangue de gente inocente. Em alguns casos, deturpa-se a verdade por vergonha do passado.

O problema é que escrever e reescrever a história, sob a perspectiva dos vencedores (o homem branco de origem europeia em detrimento do índio e do negro; o torturador em detrimento do torturado), é um traço do ser humano, na verdade um condicionamento atávico do Homo sapiens sapiens. Quem escreve a história é sempre o vencedor, usando, para isso, as suas idiossincrasias, enfim, as suas próprias ideias e motivações, mesmo que alterem, de forma anacrônica, o que de fato aconteceu.  A verdade realmente não importa. Como dizia Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do Terceiro Reich, “uma mentira contada mil vezes torna-se uma verdade”. De tanto repetirem que não existiu uma Ditadura, que torturava e matava por crimes de consciência, muitos acabaram acreditando nessa pós-verdade.

Ainda bem que existem historiadores bem intencionados — bem diferentes de mim —, homens que ainda acreditam no gênero Homo, investigadores da realidade nua e crua desse universo em desencanto, seres humanos que, malgrado a corrente da barbárie antropofágica, ainda ousam refazer os caminhos históricos até o ponto em que a mentira surgiu para alterar a narrativa de fatos que já haviam ocorrido.

Mas não sei se, algum dia, conseguiremos evoluir tanto assim. Sempre atribuiremos, em alguma medida, os nossos afetos, ideias e sentimentos aos fatos passados, vendo-os sob a perspectiva atual, a única que conhecemos e vivenciamos. Acho improvável, aos historiadores e aos humanos em geral, dissociarem-se da subjetividade do seu próprio tempo, nem sempre apta a explicar o evento do passado. Contudo, é libertador, para um ser humanos simples, como eu, imaginar que a história deve estar condicionada à subjetividade do tempo em que foi efetivamente vivida, e não aos desígnios e idiossincrasias do presente.

Parabéns aos historiadores desse mundo — apenas aos que não se vendem aos poderosos! —, por lançarem as suas luzes sobre o nosso passado!

Isso me torna muito menos arrogante e muito mais humano. Nós, Homo sapiens sapiens, construímos a história da humanidade num constante movimento, quase pendular, em que saltamos no abismo, algumas vezes descemos à barbárie, para aprender a voar sem temer as relatividades do nosso tempo!

Nenhuma verdade, enfim, é absoluta, mas relativa ao momento histórico em que foi construída. Ainda valerão, amanhã, as minhas verdades de hoje? Só amanhã terei instrumentos para avaliar. As incertezas de hoje já me bastam!

Por isso, só espero que as novas ideias — as que transformam o mundo, depois de serem esmagadas cem vezes pela intolerância — continuem a desfazer, como castelos de areia, as respostas que damos para perguntas que não fizemos.

O ser humano e sua mania de saber tudo... Mas esse é o preço da liberdade de expressão: demos voz aos idiotas e fomos condenados a escutá-los! Caminhamos para o Australopithecus afarensis!... Em breve, estaremos nas árvores...

JorgeAraken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.