terça-feira, 8 de agosto de 2017

Saudades, sim... Por que não?

Saudades, sim... Por que não?

Crônica escrita por Jorge Araken Filho

Sentir a falta de alguém é muito mais do que sentir saudade; é esvaziar-se do próprio eu, para se sentir incompleto na ausência do outro; é ausentar-se de si mesmo, vivendo a nostalgia de um reencontro que nunca haverá de acontecer.

Sentir saudade é muito mais do que isso; é celebrar a presença do outro em nosso coração, apesar da ausência; a saudade é um sentimento benfazejo que estimula o reencontro, mas não nos faz reféns da ausência do outro.

Quando somos metades em busca de completude, a ausência do outro significa a carência de uma parte de nós mesmos. Neste caso, a falta do outro se transforma em nostalgia, e sentimos a sua ausência. Isso não é saudade; é incompletude e alheamento de si mesmo; é o ego, despedaçado e perdido, tentando reencontrar no outro, que se perdeu no tempo, a metade que lhe falta, na vã ilusão de, fundindo-se com ele novamente, absorvendo e se impregnando do antigo parceiro, recompor os fragmentos em que se dissipou depois da ruptura desse amor. É a metade esquartejada entre o saber de um amor que ainda não se foi e a certeza inevitável da ausência do outro; é o ego fracionado, tentando reunificar-se no outro, e não em si mesmo.

Quando somos inteiros e nos experimentamos como totalidade, a ausência do outro não significa a ausência de nós mesmos, nem o esvaziamento do nosso próprio eu.

"Saudades! Sim.. talvez.. e por que não?...
Se o sonho foi tão alto e forte
Que pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão.

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais decididamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!"
(Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade")

Desse tempo de felicidade, doce princesa dos meus contos de fadas, só restaram as nossas mãos — unidas por um breve sentimento, infinito enquanto durou, como revela o anel que você usava naquele dia — e uma imensa saudade!

Você quer saber o nome dessa princesa angelical? A Cinderela que escapou da fantasia para o mundo real e, num gesto de carinho, pousou a sua mão sobre a minha n’algum lugar perdido nos ermos do tempo? Esse é um segredo que morrerá comigo!...

Só direi uma coisa: as memórias só se tornam saudade, um sentimento que nos faz reviver bons momentos da vida, quando não precisamos enfrentar o passado e lutar para apagá-lo...

Cada mulher que passou pela minha vida levou um pouquinho de mim e deixou um pouquinho de si. Nenhuma delas pode ser substituída, já que ninguém é igual. Os menores detalhes é que nos diferenciam, e são eles que nos fazem falta, quando o outro desaparece na poeira do tempo: o jeito de sorrir, uma palavra que o outro repetia, as noites e madrugadas nos lanches da Cidade, a forma como afagava os meus cabelos, o menear do corpo ao caminhar, o ondear dos cabelos soltos ao vento. Ninguém é igual! Cada ser humano tem os seus mistérios, e são essas peculiaridades que tornam excitante o encontro e dolorido o instante do adeus. Sempre perdemos algo no processo de ruptura, mas a vida precisa seguir seu curso inexorável, mesmo que os nossos caminhos se tornem paralelas que nunca mais se cruzem.

Essa linda mão, repousando sobre a minha, com o anel do infinito, é um dos raros instantes de epifania da minha vida, um desses segundos que dobram e distorcem o espaço-tempo e, malgrado as leis da física, congelam-se na memória do coração. Não importa que as horas se tornem dias e os dias se tornem meses e anos, mas esse gesto permanecerá vivo n’algum lugar do meu coração. Nem a inclemência do tempo poderá apagá-lo. Considerando que “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, como diz a Lei de Lavoisier, talvez a lembrança desse momento, condensada na imagem, tenha se tornado nostalgia...

Ela se foi e, receio, para sempre, mas jamais será substituída! Outro amor — se um dia eu tiver outro, algo improvável diante das minhas circunstancias de vida — será uma nova história, e não a continuação dessa que ficou no passado.

As minhas perdas são definitivas, pois ela levou um pedacinho de mim, como todas as outras a quem entreguei o coração. Certo grau de incompletude, sobretudo no amor, é inevitável, mesmo quando nos tornamos conscientes dele. E teria graça, se não fosse assim?... Valeria a pena amar?...

Alguns anos depois, eu continuo com o coração solitário, mas aberto para iniciar um novo poema de amor. Medo? Passei dessa fase... Sempre haverá dor na hora da partida... Nada é eterno, nem a vida e, muito menos, o amor:

“Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”, dizia o poetinha Vinícius de Moraes (“Soneto de Fidelidade”, in “Antologia Poética”).

De tanto carregar pedaços alheios e perder os meus bocadinhos, em amores ganhos e perdidos, eu acabei me tornando essa metamorfose ambulante... E essa sensação me comove...


Era uma vez, em um Reino muito distante, um escritor que se perdeu das palavras, e as encontrou, solitárias, nos ermos do tempo...


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