Saudades,
sim... Por que não?
Crônica escrita por Jorge Araken Filho
Sentir
a falta de alguém é muito mais do que sentir saudade; é esvaziar-se do próprio
eu, para se sentir incompleto na ausência do outro; é ausentar-se de si mesmo,
vivendo a nostalgia de um reencontro que nunca haverá de acontecer.
Sentir
saudade é muito mais do que isso; é celebrar a presença do outro em nosso
coração, apesar da ausência; a saudade é um sentimento benfazejo que estimula o
reencontro, mas não nos faz reféns da ausência do outro.
Quando
somos metades em busca de completude, a ausência do outro significa a carência
de uma parte de nós mesmos. Neste caso, a falta do outro se transforma em
nostalgia, e sentimos a sua ausência. Isso não é saudade; é incompletude e
alheamento de si mesmo; é o ego, despedaçado
e perdido, tentando reencontrar no outro, que se perdeu no tempo, a metade que
lhe falta, na vã ilusão de, fundindo-se com ele novamente, absorvendo e se
impregnando do antigo parceiro, recompor os fragmentos em que se dissipou
depois da ruptura desse amor. É a metade esquartejada entre o saber de um amor
que ainda não se foi e a certeza inevitável da ausência do outro; é o ego fracionado, tentando reunificar-se
no outro, e não em si mesmo.
Quando
somos inteiros e nos experimentamos como totalidade, a ausência do outro não
significa a ausência de nós mesmos, nem o esvaziamento do nosso próprio eu.
"Saudades! Sim.. talvez..
e por que não?...
Se o sonho foi tão alto e forte
Que pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!
Esquecer! Para quê?... Ah, como
é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não
importe.
Se ele deixou beleza que
conforte
Deve-nos ser sagrado como o
pão.
Quantas vezes, Amor, já te
esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais decididamente me lembrar
de ti!
E quem dera que fosse sempre
assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a
mim!"
(Florbela
Espanca, in "Livro de Sóror
Saudade")
Desse
tempo de felicidade, doce princesa dos meus contos de fadas, só restaram as nossas
mãos — unidas por um breve sentimento, infinito enquanto durou, como revela o
anel que você usava naquele dia — e uma imensa saudade!
Você
quer saber o nome dessa princesa angelical? A Cinderela que escapou da fantasia
para o mundo real e, num gesto de carinho, pousou a sua mão sobre a minha n’algum
lugar perdido nos ermos do tempo? Esse é um segredo que morrerá comigo!...
Só
direi uma coisa: as memórias só se tornam saudade, um sentimento que nos faz
reviver bons momentos da vida, quando não precisamos enfrentar o passado e
lutar para apagá-lo...
Cada
mulher que passou pela minha vida levou um pouquinho de mim e deixou um
pouquinho de si. Nenhuma delas pode ser substituída, já que ninguém é igual. Os
menores detalhes é que nos diferenciam, e são eles que nos fazem falta, quando
o outro desaparece na poeira do tempo: o jeito de sorrir, uma palavra que o
outro repetia, as noites e madrugadas nos lanches da Cidade, a forma como
afagava os meus cabelos, o menear do corpo ao caminhar, o ondear dos cabelos
soltos ao vento. Ninguém é igual! Cada ser humano tem os seus mistérios, e são
essas peculiaridades que tornam excitante o encontro e dolorido o instante do
adeus. Sempre perdemos algo no processo de ruptura, mas a vida precisa seguir
seu curso inexorável, mesmo que os nossos caminhos se tornem paralelas que
nunca mais se cruzem.
Essa
linda mão, repousando sobre a minha, com o anel do infinito, é um dos raros
instantes de epifania da minha vida, um desses segundos que dobram e distorcem
o espaço-tempo e, malgrado as leis da física, congelam-se na memória do
coração. Não importa que as horas se tornem dias e os dias se tornem meses e
anos, mas esse gesto permanecerá vivo n’algum lugar do meu coração. Nem a inclemência
do tempo poderá apagá-lo. Considerando que “nada
se cria, nada se perde, tudo se transforma”, como diz a Lei de Lavoisier, talvez
a lembrança desse momento, condensada na imagem, tenha se tornado nostalgia...
Ela
se foi e, receio, para sempre, mas jamais será substituída! Outro amor — se um
dia eu tiver outro, algo improvável diante das minhas circunstancias de vida — será
uma nova história, e não a continuação dessa que ficou no passado.
As
minhas perdas são definitivas, pois ela levou um pedacinho de mim, como todas
as outras a quem entreguei o coração. Certo grau de incompletude, sobretudo no
amor, é inevitável, mesmo quando nos tornamos conscientes dele. E teria graça,
se não fosse assim?... Valeria a pena amar?...
Alguns
anos depois, eu continuo com o coração solitário, mas aberto para iniciar um
novo poema de amor. Medo? Passei dessa fase... Sempre haverá dor na hora da
partida... Nada é eterno, nem a vida e, muito menos, o amor:
“Que não seja imortal, posto que
é chama, mas que seja infinito enquanto dure”, dizia o poetinha Vinícius de
Moraes (“Soneto de Fidelidade”, in “Antologia Poética”).
De
tanto carregar pedaços alheios e perder os meus bocadinhos, em amores ganhos e
perdidos, eu acabei me tornando essa metamorfose ambulante... E essa sensação
me comove...
Era
uma vez, em um Reino muito distante, um escritor que se perdeu das palavras, e
as encontrou, solitárias, nos ermos do tempo...
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