Quem não
se ama é
incapaz de amar?
Diálogo
entre marido e mulher, depois de alguns anos de casamento, uma época
difícil
em que as feridas emocionais, mesmo as menores, tornam-se chagas terríveis.
Acorda-se numa manhã
chuvosa e, na letargia da noite mal dormida, percebem-se os cancros na superfície
do ego. Reprimidos pelo medo da solidão,
eles esperavam uma pequena chance para apodrecer os afetos. Progressivamente, Leonard
e Jane foram se tornando estranhos um ao outro: o sexo se tornou mecânico,
as conversas reduziram-se a monossílabos.
A monotonia foi esgarçando os
afetos e, a pouco e pouco, tudo não
passava de um jogo narcísico de
culpas e ressentimentos. O amor dos primeiros anos perdeu-se num aborto
involuntário,
restando, como despojo emocional, o desejo velado de punição
recíproca,
que se arrasta ao ser alimentado pelo medo do desconhecido:
—
Leonard, você
tem fantasias sexuais? — Indaga
Jane, segundos antes de seu marido atingir o orgasmo.
— O quê?
— Tem
alguma coisa que você queira
fazer?
— Assim
como você
está,
Jane! Assim como está...
Fica calada! É
tudo que eu preciso. — Nesse
instante, ele ejacula...
Pensando
em si mesmo, Leonard responde que aquela posição
e o seu silêncio
é
tudo que "ele" precisa. A mulher, que renunciou ao prazer depois de
perder o filho, percebe, no egoísmo do
marido, que ela simplesmente deixou de existir para ele. Só
a vontade dele basta.
No dia
seguinte bem cedo, ela procura o jovem que a cortejara no dia anterior, que
fora recusado depois de intenso conflito entre o superego e o id, entre o
dever de fidelidade e a busca do prazer.
Depois
de dois dias de ausência,
ela volta ao marido, mas não lhe dá
explicações.
Este também
não
as exige, pedindo, apenas, que ela o avise, quando for se ausentar de casa,
para que ele não
se preocupe.
Ela dá
pistas do que fez com Caleb, o jovem com quem iniciou um tórrido
romance. Seu marido, mesmo angustiado, tenta mudar de assunto, temendo perdê-la.
O que o motiva é
o hábito
de estar com ela, que faz tudo que ele precisa, e não
o amor. Ele se nega a discutir a relação,
fingindo não
perceber a traição
de Jane. Na verdade, ele a culpa, inconscientemente, por não
ter filhos, já
que ela perdeu o útero no
aborto.
Ela diz
ao marido que o está
deixando:
— Estou
saindo com o Caleb. — Diz
Jane.
—
Saindo? O que você quer
dizer com isso? Ele é só
um garoto, uma criança que
você
conheceu há
dois dias.
— Faz
mais tempo...
— Ele me
pediu para viajar com ele.
— Está
dormindo com ele, Jane?
— O que
você
acha?
Leonard
nada responde. Apenas arremessa um copo na parede, mantendo-se, porém,
impassível.
O seu rosto, frio como nos últimos
tempos, não
esboçava
as emoções
e sentimentos que lhe passavam na alma. Não
transparecia, ao menos no seu semblante, a irritação
do gesto; na cena, apenas um copo friamente estilhaçado
na parede.
Jane dá
o golpe de misericórdia:
— Eu
fiquei esperando que você visse
algo, cheirasse a minha traição,
sentisse alguma emoção,
expressasse algum sentimento...
— E daí?
Eu fracassei no seu teste?
— Você
não
me enxerga! Eu precisei dizer que o traí.
— Eu
sinto muito! —
Diz Leonard.
— Sente
muito pelo quê?
— Por
perder a cabeça
e quebrar o copo.
— Esse é
o problema: você
tinha todo o direito de perder a cabeça, mas
você
nem me nota. Isso não é
amor!
— Jane,
pode ir! Faça
o que quiser com o Caleb, depois volte pra mim. —
Diz Leonard, olhando-a com ternura.
— Ela
passa alguns dias com Caleb e volta para o marido, Leonard, que a esperava em
uma plataforma de trens, sem perguntas e acusações.
Quando
percebe a ternura no olhar do marido, a ausência
de amor no coração
dele se revela. Eles trocam olhares de cumplicidade, mudos e profundos. Ela o
deixa na plataforma e embarca em um trem, iniciando uma nova vida, sem Leonard
e sem Caleb. O trem se afasta, lentamente, enquanto a câmera
acompanha Jane, que não se
move na poltrona, divagando, absorta, em seus pensamentos misteriosos.
Os espaços
vazios, áreas
de sombra e falta de diálogo,
interrompem o afeto e acabam com a relação.
Conecte-se com o seu parceiro enquanto ainda existe algo além
dos instantes de alívio
trazidos pela ausência do
outro.
Mas
essa não
é
a moral da narrativa, segundo a minha visão.
De fato, a mensagem do autor é clara:
quem não
se ama é
incapaz de amar! Sempre se ame, antes de amar o outro!
E viva
o cinema!
Para
quem não
reconheceu a trama, trata-se da obra cinematográfica
“And While We Were Here”
(“Enquanto Houver Amor”, na
versão
distribuída
no Brasil), dirigida por Kat Coiro, uma jovem Diretora norte-americana que também
assina o Roteiro. No papel de Jane, temos Kate Bosworth, no de Caleb, Jamie
Blackley e no de Leonard, Iddo Goldberg. O Filme —
do tipo Sessão
da tarde agarradinha ao seu amor com um balde de pipocas na manteiga —
é
leve e bem conduzido em sua tessitura narrativa, revelando, nos cenários
encantadores, a paradisíaca
Ilha de Ischia, no golfo de Nápoles,
no mar Tirreno. Certamente não tem a
pretensão
de ser cult, nem clássico,
mas, ainda assim, é muito
interessante, uma dessas películas despretensiosas
que divertem pessoas românticas,
como eu.
Perdoe-me
se a minha interpretação
contiver os comigos de mim mesmo, e ela os tem, inevitavelmente! Sei que a
roteirista não
pensou em muitas das minhas palavras, mas esse foi o Filme como eu o vi, e esse,
por certo, não
será
o seu olhar. Afinal, vemos o mundo como somos, e não
como ele se revela objetivamente. O real é
sempre filtrado pela nossa subjetividade. O que vemos, de fato, não
é
a realidade, mas a nossa versão
subjetivada da realidade.
Jorge
Araken Filho,
apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.
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