terça-feira, 25 de julho de 2017

Quem não se ama é incapaz de amar?

Quem não se ama é incapaz de amar?

Diálogo entre marido e mulher, depois de alguns anos de casamento, uma época difícil em que as feridas emocionais, mesmo as menores, tornam-se chagas terríveis. Acorda-se numa manhã chuvosa e, na letargia da noite mal dormida, percebem-se os cancros na superfície do ego. Reprimidos pelo medo da solidão, eles esperavam uma pequena chance para apodrecer os afetos. Progressivamente, Leonard e Jane foram se tornando estranhos um ao outro: o sexo se tornou mecânico, as conversas reduziram-se a monossílabos. A monotonia foi esgarçando os afetos e, a pouco e pouco, tudo não passava de um jogo narcísico de culpas e ressentimentos. O amor dos primeiros anos perdeu-se num aborto involuntário, restando, como despojo emocional, o desejo velado de punição recíproca, que se arrasta ao ser alimentado pelo medo do desconhecido:

Leonard, você tem fantasias sexuais? Indaga Jane, segundos antes de seu marido atingir o orgasmo.

O quê?

Tem alguma coisa que você queira fazer?

Assim como você está, Jane! Assim como está... Fica calada! É tudo que eu preciso. Nesse instante, ele ejacula...

Pensando em si mesmo, Leonard responde que aquela posição e o seu silêncio é tudo que "ele" precisa. A mulher, que renunciou ao prazer depois de perder o filho, percebe, no egoísmo do marido, que ela simplesmente deixou de existir para ele. Só a vontade dele basta.

No dia seguinte bem cedo, ela procura o jovem que a cortejara no dia anterior, que fora recusado depois de intenso conflito entre o superego e o id, entre o dever de fidelidade e a busca do prazer.

Depois de dois dias de ausência, ela volta ao marido, mas não lhe dá explicações. Este também não as exige, pedindo, apenas, que ela o avise, quando for se ausentar de casa, para que ele não se preocupe.

Ela dá pistas do que fez com Caleb, o jovem com quem iniciou um tórrido romance. Seu marido, mesmo angustiado, tenta mudar de assunto, temendo perdê-la. O que o motiva é o hábito de estar com ela, que faz tudo que ele precisa, e não o amor. Ele se nega a discutir a relação, fingindo não perceber a traição de Jane. Na verdade, ele a culpa, inconscientemente, por não ter filhos, já que ela perdeu o útero no aborto.

Ela diz ao marido que o está deixando:

Estou saindo com o Caleb. Diz Jane.

Saindo? O que você quer dizer com isso? Ele é só um garoto, uma criança que você conheceu há dois dias.

Faz mais tempo...

Ele me pediu para viajar com ele.

Está dormindo com ele, Jane?

O que você acha?

Leonard nada responde. Apenas arremessa um copo na parede, mantendo-se, porém, impassível. O seu rosto, frio como nos últimos tempos, não esboçava as emoções e sentimentos que lhe passavam na alma. Não transparecia, ao menos no seu semblante, a irritação do gesto; na cena, apenas um copo friamente estilhaçado na parede.

Jane dá o golpe de misericórdia:

Eu fiquei esperando que você visse algo, cheirasse a minha traição, sentisse alguma emoção, expressasse algum sentimento...

E daí? Eu fracassei no seu teste?

Você não me enxerga! Eu precisei dizer que o traí.

Eu sinto muito! Diz Leonard.

Sente muito pelo quê?

Por perder a cabeça e quebrar o copo.

Esse é o problema: você tinha todo o direito de perder a cabeça, mas você nem me nota. Isso não é amor!

Jane, pode ir! Faça o que quiser com o Caleb, depois volte pra mim. Diz Leonard, olhando-a com ternura.

Ela passa alguns dias com Caleb e volta para o marido, Leonard, que a esperava em uma plataforma de trens, sem perguntas e acusações.

Quando percebe a ternura no olhar do marido, a ausência de amor no coração dele se revela. Eles trocam olhares de cumplicidade, mudos e profundos. Ela o deixa na plataforma e embarca em um trem, iniciando uma nova vida, sem Leonard e sem Caleb. O trem se afasta, lentamente, enquanto a câmera acompanha Jane, que não se move na poltrona, divagando, absorta, em seus pensamentos misteriosos.

Os espaços vazios, áreas de sombra e falta de diálogo, interrompem o afeto e acabam com a relação. Conecte-se com o seu parceiro enquanto ainda existe algo além dos instantes de alívio trazidos pela ausência do outro.

Mas essa não é a moral da narrativa, segundo a minha visão. De fato, a mensagem do autor é clara: quem não se ama é incapaz de amar! Sempre se ame, antes de amar o outro!

E viva o cinema!

Para quem não reconheceu a trama, trata-se da obra cinematográfica And While We Were Here (Enquanto Houver Amor, na versão distribuída no Brasil), dirigida por Kat Coiro, uma jovem Diretora norte-americana que também assina o Roteiro. No papel de Jane, temos Kate Bosworth, no de Caleb, Jamie Blackley e no de Leonard, Iddo Goldberg. O Filme do tipo Sessão da tarde agarradinha ao seu amor com um balde de pipocas na manteiga é leve e bem conduzido em sua tessitura narrativa, revelando, nos cenários encantadores, a paradisíaca Ilha de Ischia, no golfo de Nápoles, no mar Tirreno. Certamente não tem a pretensão de ser cult, nem clássico, mas, ainda assim, é muito interessante, uma dessas películas despretensiosas que divertem pessoas românticas, como eu.

Perdoe-me se a minha interpretação contiver os comigos de mim mesmo, e ela os tem, inevitavelmente! Sei que a roteirista não pensou em muitas das minhas palavras, mas esse foi o Filme como eu o vi, e esse, por certo, não será o seu olhar. Afinal, vemos o mundo como somos, e não como ele se revela objetivamente. O real é sempre filtrado pela nossa subjetividade. O que vemos, de fato, não é a realidade, mas a nossa versão subjetivada da realidade.


Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.




Nenhum comentário:

Postar um comentário