terça-feira, 18 de julho de 2017

Os lobos vencem a batalha, quando as ovelhas, por medo ou resignação, também começam a uivar

Os lobos vencem a batalha, quando as ovelhas, por medo ou resignação, também começam a uivar

Com a lâmina afiada do teu silêncio, matas a democracia e, com ela, o futuro dos teus filhos e netos.

Diante da corrupção e da injustiça social, diante da exploração dos desvalidos pelo grande capital, não há neutralidade possível: a covardia revela o teu caráter mesquinho!

 Alguns países se diziam neutros durante o holocausto nazifascista, mas, na calada da noite, recebiam as próteses dentárias dos judeus, enquanto eles morriam nos fornos crematórios. Neutralidade que se alimenta de ouro roubado em campos de tortura e extermínio é crime de lesa-humanidade...

Quando escolhes a neutralidade, o teu lado é dos que estão no poder, como os que preferiram acumular riquezas, enquanto seres humanos morriam em Dachau, Treblinka, Auschwitz-Birkenau, Balzec, Sobibór, Chelmo, Majdanek, Jasenovac, Lwów, Maly Trostenets e no gueto de Varsóvia.

Muitos dos que se diziam “neutros” e, portanto, livres do sangue inocente, usavam travesseiros fabricados com o cabelo dos judeus mortos nos Campos de Extermínio nazistas. E, por incrível que pareça, dormiam tranquilos... Os abajures, que iluminavam as suas noites de pusilanimidade, eram feitos com a pele desses seres humanos que eles, encobrindo os olhos com hipocrisia, fingiam não ver. Afinal, eles estavam morrendo onde a vista não alcança e, para gáudio desses espíritos lenientes com o sofrimento alheio, estavam trazendo vantagens econômicas para os seus países vergonhosamente neutros. Neutros e aliados à barbárie...

Moda é a camisa de força ilusória que os escravos do conformismo social usam para encobrir a própria banalidade ou, mudando as palavras, a muleta emocional que os desamparados usam para se sentirem aceitos nesse mundo de aparências e consumo fútil.

Os que vivem além da normose, resistindo aos padrões excludentes e reducionistas que as modas impõem às pessoas e seus corpos, condenam-se ao ascetismo e à solidão. E não é fácil navegar contra a corrente em um rio tão caudaloso...

Eu mesmo, temendo não ser aceito nesse mundo de superfluidades, costumava esconder-me na zona de conforto da normose, aferrando-me, sem perceber, aos padrões que me ditavam as modas mais tolas e alienantes, que surgiam para me aprisionar ao consumo.

Como andava cabisbaixo diante do desamparo, que chamo de mal-estar do processo civilizatório, não percebia que a moda, na verdade, era o muro que me impedia de ver o outro lado... Como diz a música da banda Pink Floyd, na ópera Rock de 1979, “somos apenas mais um tijolo no muro” (“Another brick in the wall”).

Nossos professores e ídolos ditam certezas que nos acomodam na resignação consumista, a escola transforma seres pensantes em autômatos, carne moída e triturada pela propaganda alienante das grandes corporações do capital, cidadãos da normose, padronizados em arquétipos que aprisionam a sua criatividade em muros, pessoas que se reproduzem em massa, para atender às necessidades do sistema político dominante.

Construíram o muro, e me tornei parte dele! Despertei tarde demais, talvez. Mas, para quem vive como gado, nada melhor do que a moda. As grandes corporações agradecem...

Se pensas como todo mundo, não te iludas: és apenas um tolo; alguém está pensando por ti, escolhendo os teus caminhos. A ti, que segues vocações messiânicas, o meu sincero desprezo! O teu fanatismo pode ser sinal de demência.

Continua sendo apenas mais um tijolo no muro da exclusão social, rotulando seres humanos e os excluindo do teu mundinho cor de rosa — esse é um direito teu —, mas não coloques os teus padrões no meu corpo nem na minha mente! Eu não sou um desejo teu...

Escolhe o teu lado sem hipocrisia, porque o muro, esse que usas para iludir os incautos, é apenas a metáfora da tua opção covarde pelos poderosos.

Olha além do próprio umbigo, se quiseres que lutem por ti amanhã. Assim como Prometeu (filho de Japeto e de Ásia, irmão de Atlas, Epimeteu e Menoécio), não reclames da solidão, quando a águia de Zeus se voltar contra ti no rochedo da Cítia. Ninguém defenderá o teu fígado...

Não há neutralidade possível: a tua omissão já é uma escolha!

Os lobos vencem a batalha, quando as ovelhas, por medo ou resignação, também começam a uivar. Desse dia em diante, ambos se tornam carniceiros, e já não é mais possível distingui-los...

Disse Paulo Freire, com a sua língua incômoda e ferina:

“Silenciar sua opção, escondê-la no emaranhado de suas técnicas ou disfarçá-la com a proclamação de sua neutralidade não significa na verdade ser neutro, mas, ao contrário, trabalhar pela preservação do ‘status ‘quo’
(...)
Quanto mais vamos conhecendo a realidade histórico-social em que se constituem os temas em relação dialética com seus contrários, tanto mais nos é impossível tornar-nos neutros em face deles. Por isso mesmo é que toda neutralidade proclamada é sempre uma opção escondida.
(...)
Deste modo, entre os que proclamam esta neutralidade, vamos encontrar, de um lado, os ingênuos, de diferentes matizes, ‘inocentes’, com a melhor das intenções, na sua percepção da igreja e da história. De outro lado, os/as que, ‘espertamente’, escondem sua opção real.” (Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 5. ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1981. p. 32, 79, 85).

Em outra obra, escrita no exílio, durante a Ditadura militar, observou Paulo Freire:

“A neutralidade frente ao mundo, frente ao histórico, frente aos valores, reflete apenas o medo que se tem de revelar o compromisso. Este medo quase resulta sempre de um ‘compromisso’ contra os homens, contra sua humanização, por parte dos que se dizem neutros. Estão ‘comprometidos’ consigo mesmos, com seus interesses ou com os interesses dos grupos aos quais pertencem.” (FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Tradução de Moacir Gadotti e Lílian Lopes Martin. 12. ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, s/d. p. 09).

Para encerrar, “A Pedagogia da Autonomia”, um verdadeiro clássico, também de Paulo Freire:

Primordialmente, minha posição tem de ser a de respeito à pessoa que queira mudar ou que recuse mudar. Não posso negar-lhe ou esconder-lhe minha postura mas não posso desconhecer o seu direito de rejeitá-la. Em nome do respeito que devo aos alunos não tenho por que me omitir, por que ocultar a minha opção política, assumindo uma neutralidade que não existe. Esta, a omissão do professor em nome do respeito ao aluno, talvez seja a melhor maneira de desrespeitá-lo. O meu papel, ao contrário, é o de quem testemunha o direito de comparar, de escolher, de romper, de decidir e estimular a assunção deste direito por parte dos educandos.
(...)
O que devo pretender não é a neutralidade da educação, mas o respeito, a toda prova, aos educandos, aos educadores e às educadoras. O respeito aos educadores e educadoras por parte da administração pública ou privada das escolas; o respeito aos educandos assumido e praticado pelos educadores não importa de que escola, particular ou publica. É por isto que devo lutar sem cansaço. Lutar pelo direito que tenho de ser respeitado e pelo dever que tenho de reagir a que me destratem. Lutar pelo direito que você, que me lê, professora ou aluna, tem de ser você mesma e nunca, jamais, lutar por essa coisa impossível, acinzentada e insossa que é a neutralidade. Que é mesmo a minha neutralidade senão a maneira cômoda, talvez, mas hipócrita, de esconder minha opção ou meu medo de acusar a injustiça? “Lavar as mãos” em face da opressão é reforçar o poder do opressor, é optar por ele. Como posso ser neutro diante da situação, não importa qual seja ela, em que o corpo das mulheres e dos homens vira puro objeto de espoliação e de descaso?
O que se coloca à educadora ou ao educador democrático, consciente da impossibilidade da neutralidade da educação, é forjar em si um saber especial, que jamais deve abandonar, saber que motiva e sustenta sua luta: se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação pode. Se a educação não é a chave das transformações sociais, não é também simplesmente reprodutora da ideologia dominante. O que quero dizer é que a educação nem é uma força imbatível a serviço da transformação da sociedade, porque assim eu queira, nem tampouco é a perpetuação do ‘status quo’ porque o dominante o decrete. O educador e a educadora críticos não podem pensar que, a partir do curso que coordenam ou do seminário que lideram, podem transformar o país. Mas podem demonstrar que é possível mudar. E isto reforça nele ou nela a importância de sua tarefa político-pedagógica.
A professora democrática, coerente, competente, que testemunha seu gosto de vida, sua esperança no mundo melhor, que atesta sua capacidade de luta, seu respeito às diferenças, sabe cada vez mais o valor que tem para a modificação da realidade, a maneira consistente com que vive sua presença no mundo, de que sua experiência na escola é apenas um momento, mas um momento importante que precisa ser autenticamente vivido.” (FREIRE, Paulo. A pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Editora Paz e Terra. 1996. p. 36 e 57/8)

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.


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