sábado, 29 de julho de 2017

Depressão e suicídio... O que fazer diante de um deprimido?

Depressão e suicídio... O que fazer diante de um deprimido?

Há dois dias, logo ao despertar, deparei-me com uma tragédia, infelizmente rotineira no mundo moderno: mais uma jovem se suicidou. Desta vez, ao vivo, pelo Instagram... Ontem, os pais da jovem, quase tão jovens quanto ela, certamente desesperados com a tragédia, transmitida ao vivo, também se suicidaram... Perdas irreparáveis, que, infelizmente, cairão no olvido.

Não me canso de escrever sobre a depressão, como os meus leitores mais fiéis devem saber. Eu mesmo, apesar da consciência que tenho da minha doença, sofro de grave depressão. Sinto, na pele e no coração, a dor dessa jovem, o desespero de não ver saída. Cada dia é um tormento, cada segundo uma eternidade. Entre rendições, desistências e autossabotagens, vou lutando, todos os dias, para não me deixar seduzir pela pulsão de morte, essa força voraz que palpita no meu peito.

Aos depressivos desse mundo, gente como eu, a minha solidariedade. Não se sintam sozinhos! Estou aqui, no mundo virtual. Conversemos... Conte-me a sua dor, divida o seu fardo. Eu sobreviverei... Na verdade, sobreviveremos juntos... Nem tudo está perdido. Existe gente como você. Apenas se reconecte consigo própria através dessas almas que também sofrem por aí... De mãos dadas, a gente se encontra, e o peso se torna mais leve. Não enfrente tudo sozinha, nem se envergonhe de estar doente! Procure ajuda de amigos, parentes e, principalmente, de profissionais. Ter depressão não é vergonhoso. Vergonhoso é destilar preconceito.

Aos idiotas desse Planetinha azul, que tratam como frescura uma grave doença, o meu mais profundo desprezo. Leiam o meu texto e reflitam sem preconceito! Quem se mata não é fraco, apenas está doente. É verdade!, depressão é doença! Só você, um intolerante cheio de certezas, é que não sabe. A depressão se trata com remédios e um bom Psiquiatra, a sua intolerância provavelmente não tem cura.

Aproveitando as tragédias, que continuam a acontecer, sobretudo nas Cidades grandes — quase rotineiras, infelizmente —, devo relembrar, pela enésima vez, que depressão não é doença de ricos e inconsequentes, nem é frescura, como costumam dizer os desinformados e preconceituosos!

Depressão, na verdade, é o abandono de si próprio, é a insatisfação com o próprio eu, mas não é só isso; é uma patologia que envolve predisposição genética e afeta o equilíbrio químico do cérebro.

Depressão é uma doença crônica, muitas vezes incapacitante, que produz alteração do humor, quadro de tristeza profunda e sem fim, sentimentos de amargura, desencanto com a vida, desesperança sem motivo, déficit na autoestima e culpa recorrente, associada, quase sempre, à autopiedade.

Nos quadros depressivos, degrada-se, muitas vezes com graves consequências, a capacidade para lidar com as múltiplas perdas que a vida impõe aos seres humanos, e aqui me refiro não somente às mais óbvias — pessoas e objetos —, senão também às perdas da libido, da autoestima e da pulsão vital, que se expressam através de inibições como a anorexia, a insônia, a abulia e a indiferença diante da dor e do destino.

Mais do que tristeza, a depressão gera melancolia, um sentimento prolongado de revolta com o próprio ego e de frustração com a existência, um desânimo intenso, que envolve, em alguns casos, a recusa à vida, afastando o deprimido dos amigos e das atividades profissionais. O abuso das drogas — consentidas ou proibidas —, só agrava o quadro, abrindo o abismo sem fim que acaba engolindo o deprimido.

Frases do tipo: — Tão jovem assim, com a vida pela frente! Ou, ainda pior: — Como uma pessoa tão bonita e cheia de vida, comunicativa, repleta de amigos, pode estar deprimida? Todas essas afirmações e perguntas refletem o preconceito que, como uma serpente venenosa, se aninha no desconhecimento de que a depressão é uma doença, um desequilíbrio na química cerebral com graves consequências, não raro o suicídio. Tanto pior, quando associada ao abuso das drogas.

Depressão não é sinônimo de tristeza nem de desânimo, embora essas emoções se exacerbem nos quadros depressivos. O deprimido recrimina-se do que não fez e sofre com delírios de autopunição, reduzindo-se, progressivamente, a sua capacidade de amar e interagir com o mundo.

A depressão imobiliza o sujeito, mina os desejos e a energia para realizá-los. O deprimido se sente derrotado, imaginando que todo esforço seria inútil. Ele se paralisa na autocomiseração!

Não tem fé em si mesmo, nem se conecta com as próprias emoções: ao contrário, encontra nas expectativas dos outros, que nunca imagina atender, a fonte perene das suas frustrações, buscando, no exterior e no que as pessoas dizem que é certo, a felicidade que nunca consegue alcançar.

Como Don Quixote, vive a perseguir ilusões e objetos irreais, num mundo em que a fantasia retroalimenta as suas angústias e frustrações.

Nesse delírio de autopunição, representa seu ego como algo sem valor e desprezível, incapaz de qualquer realização digna, num quadro delirante de inferioridade física e moral, que é acompanhado, quase sempre, de insônia e da recusa em se alimentar ou, em alguns casos, da compulsão por comida, um quadro patológico em que o instinto de sobrevivência é superado pela dor. Não raro, surge, como válvula de escape, o abuso das drogas, uma tentativa infrutífera de neutralizar a melancolia, que vai se tornando, pouco a pouco, um monstro devorador de sentimentos e emoções. Abusar das drogas, para aplacar a depressão, é como lançar gasolina ao fogo, na ilusão de apagá-lo... Só o médico pode receitar drogas, e apenas as lícitas.

O sintoma mais persistente da depressão, talvez o mais nocivo, é a autossabotagem. Quando o deprimido começa o ciclo de autodestruição, mergulhando na chamada pulsão de morte, inicia-se a negação da doença e do tratamento. Ele simplesmente não vai ao psiquiatra ou abandona a psicoterapia e, pior ainda, a medicação. A ajuda dos parentes e amigos não passa pela prescrição de receitas milagrosas, mas pelo segurar o outro pelas mãos e levá-lo a buscar ajuda especializada. Convencer o paciente de que não vergonhoso ir ao Psiquiatra é o primeiro passo. Mostre que não tem preconceito, e ele acolherá a sua mensagem, percebendo que depressão é doença e que o psiquiatra é o especialista mais indicado. Se fosse uma mal do estômago, o indicado seria um gastroenterologista, no pulmão, um pneumologista, no coração, um cardiologista, na mente, um Psiquiatra. Simples assim!

Por isso, diante de tanta desinformação e preconceito, eu dou um alerta aos que sofrem de depressão, essa doença insidiosa e cruel que surge do nada, atinge ricos e pobres, crentes e descrentes e, por mais que você tente superá-la sozinho, não se cura sem tratamento médico especializado: assim como uma gripe, pneumonia, diabetes ou cardiopatia não significam "falta de Deus”, a depressão, também uma doença, representa um desequilíbrio na química cerebral, mais precisamente nos chamados neurotransmissores, que são responsáveis pela comunicação entre os bilhões de neurônios do ser humano. Ter depressão é estar doente, enfim, é estar em 50 volts num cérebro que só funciona corretamente em 110, e isso nada tem a ver com as suas crenças ou descrenças. Não se desespere, meu amigo depressivo, quando alguém, por desconhecimento, culpar a sua relação com Deus pela depressão. Apenas lhe indague: se fosse uma virose, igualmente uma doença, também seria falta de Deus? Então, bastaria ter fé para não ficar gripado... Imagine uma criança inocente, com depressão ou sarampo, e isso é mais frequente do que você supõe. Crianças podem ter depressão, assim como podem ter febre, dor de cabeça, infecção na garganta, diarreia, etc.! Elas ainda não sabem o que é pecado, sequer possuem consciência do bem ou do mal, não fizeram mal a ninguém, mas, ainda assim, estão doentes. Estariam sendo punidas com essas doenças, algumas tão terríveis quanto a depressão? Claro que não! Depressão não é escolha nem castigo! Pessoas boas e tementes a Deus ficam doentes o tempo todo, por maior que seja a fé que possam ter. Somos humanos, e não deuses. Abaixo o preconceito!

Estar deprimido não é fraqueza nem falta de Deus; é como entrar no labirinto do Minotauro sem porta de saída...

Depressão não é uma doença contagiosa, embora a sua origem possa ser genética, resultando de vulnerabilidade biológica hereditária. Em outras palavras, você não fica deprimida por culpa das más companhias, nem se cura, apenas, com boas amizades, mas deve ficar alerta diante de pais depressivos. Uma pessoa pode viver num presídio, cercada de facínoras, e não ficar deprimida, assim como pode morar na Igreja, mas contrair a doença e se matar.

Assim como não se escolhe ficar gripado, diabético, ter câncer, hipertensão ou cardiopatia, o deprimido também não escolhe a sua doença. A química cerebral se altera, muitas vezes por predisposição genética, comprometendo os neurotransmissores, e a depressão se instala. Simples assim! Quem fica doente vai ao médico, e não ao padre ou ao pastor. Existem remédios para controlar os sintomas. Nada impede que você ore ou reze ao seu Deus, mas só os médicos poderão ministrar o remédio certo para tratar a sua depressão. Se você for religiosa, imagine-se com câncer ou infarto no miocárdio. Agora pense: você iria ao médico? Creio que sim, e imaginaria que Deus usou o médico como instrumento da cura. Vá á Igreja, se desejar, mas nunca deixe de consultar um psiquiatra. Ele também é filho de Deus...

Para facilitar a compreensão da doença, criei uma pequena narrativa, fictícia, mas possível. Eu falo da doença em idosos, ainda mais comum do que em adolescentes:

— Acabado, sem amor, gasto pelo tempo, cabelos brancos, rugas no rosto, olheiras profundas, bolsas sob os olhos, músculos flácidos, pele sem brilho... Isso não é justo! — Dizia o homem, enquanto examinava, com estranho fascínio, a triste figura em que se transformara.

Confuso, diante da imagem decadente que se refletia no espelho, ele vislumbrou, sob a velha carcaça, os traços da juventude que se perdera no outono da vida. Ele sorriu, pensando, talvez, que ainda lhe restassem alguns traços de formosura debaixo da pele encarquilhada:

— Pense, homem! Seria ainda pior, se você fosse mulher... Pelo menos a celulite não habita o seu corpo... — Ele dizia isso com uma estranha maldade nas palavras, um sabor acre que escorria dos lábios.

Depois de um breve momento de esperança, uma repentina fé na vida, a sua fisionomia se fechou, restando, no rosto envelhecido, um amargo sorriso, a enunciar a nuvem negra que encobria a sua mente:

— E desde quando você não tem celulite? Não seja autoindulgente com toda essa flacidez! Nem por piedade, aceite autoelogios! Você foi abandonado, trocado por carne mais jovem, com músculos mais rijos e pele sedosa, um rapaz jovem, com uma carreira pela frente! Ela o abandonou! Também, trinta anos mais jovem... O que você esperava? Que ela afagasse seus cabelos brancos ou trocasse suas fraldas geriátricas na velhice? — Ele disse a si mesmo, ao estilhaçar o espelho, com os punhos cerrados.

Perdendo a luta com o tempo, ele se sentia derrotado, incapaz de ver em si mesmo o sonhador que fora um dia. Sem qualquer aviso, a vida se tornara um lento e nostálgico remoer do passado, uma busca incessante do tempo perdido. Sentia-se impelido a escavar velhas culpas, a destilar lamentos pelo perdão que negava a si mesmo.

Foi assim, hipnotizado pelas gotas de sangue que pingavam no tapete branco, que ele conheceu a depressão...

Diante de algum dos sintomas que apontei, pegue o deprimido pela mão, sem julgamentos morais ou religiosos, e o leve ao psiquiatra. Ele dificilmente irá sozinho. A resistência ao tratamento é um dos sintomas da depressão. Ele pode morrer sem ajuda!

Sei que muitos fazem pouco da depressão, tratando-a como tristeza ou simples incapacidade para lidar com os desafios da vida. Por isso, encerro com o poema de Boris Vian, citado pela Psicanalista Maria Rita Kehl no Preâmbulo de “O tempo e o cão: a atualidade das depressões”:

“Morrerei de um câncer na coluna vertebral

Morrerei de um câncer na coluna vertebral
Será numa noite horrível
Clara, quente, perfumada,
sensual Morrerei de um apodrecimento
De certas células pouco conhecidas
Morrerei de uma perna arrancada
Por um rato gigante surgido de um buraco gigante
Morrerei de cem cortes
O céu terá desabado sobre mim
Estilhaçando-se como um vidro espesso
Morrerei de uma explosão de voz
Perfurando minhas orelhas
Morrerei de feridas silenciosas
Infligidas às duas da madrugada
Por assassinos indecisos e calvos
Morrerei sem perceber
Que morro, morrerei
Sepultado sob as ruínas secas
De mil metros de algodão tombado
Morrerei afogado em óleo de cárter
Espezinhado por imbecis indiferentes
E, logo a seguir, por imbecis diferentes
Morrerei nu, ou vestido com tecido vermelho
Ou costurado num saco com lâminas de barbear
Morrerei, quem sabe, sem me importar
Com o esmalte nos dedos do pé
E com as mãos cheias de lágrimas
E com as mãos cheias de lágrimas
Morrerei quando descolarem
Minhas pálpebras sob um sol raivoso
Quando me disserem lentamente
Maldades ao ouvido
Morrerei de ver torturarem crianças
E homens pasmos e pálidos
Morrerei roído vivo
Por vermes, morrerei com as
Mãos amarradas sob uma cascata
Morrerei queimado num incêndio triste
Morrerei um pouco, muito,
Sem paixão, mas com interesse
E quando tudo tiver acabado
Morrerei.”
(Poema de Boris Vian, na tradução de Ruy Proença. Apud. KEHL, Maria Rita. O tempo e o cão: a atualidade das depressões. — São Paulo: Boitempo, 2009.).

Deu para entender? Então, vejas as ilustrações...

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.

Post scriptum: as fotografias que ilustram o texto são de Edward Honaker, fotógrafo norte-americano de 21 anos que, aos 19, descobriu na fotografia uma maneira de lidar com a sua depressão e de exteriorizá-la.














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