Murmuramos todos ao mesmo tempo
Por que falamos e escrevemos tantas tolices, quase sem
notar que, ao mesmo tempo, outras pessoas também falam e escrevem as suas
próprias tolices?
De fato, raramente desejamos ler as tolices alheias,
embora alimentemos uma grande mágoa, quando o outro nos retribui com o mesmo
desinteresse em relação ao que escrevemos.
Com a fala acontece algo ainda mais absurdo e surreal:
murmuramos todos juntos, um sem compreender o murmúrio do outro.
Você sabe por que falamos ao mesmo tempo em que as
pessoas com quem supostamente deveríamos dialogar? Creio que esse tipo de
situação já aconteceu em sua vida. Aquele instante em que todos falam ao mesmo
tempo, tão senhores do próprio argumento, tão plenos de certeza narcísica, que
escutar o outro parece perda de tempo.
Contudo, parece óbvio, ao menos para um tolo como eu,
que a arte da conversa, tão antiga quanto o Homo
sapiens, deveria basear-se na fala seguida do silêncio necessário à escuta
do outro. Mas não é assim que agimos... Eu, pelo menos, raramente agi assim na
minha vida. Confesso que já fui muito arrogante nas minhas opiniões formadas
sobre tudo, principalmente quando tratava de assuntos que não conhecia. Quanto
menos conhecia o assunto ou a pessoa de quem se falava, mais certeza eu
tinha...
Depois de mergulhar na lama a minha autoestima, acho
que não sei de mais nada...
Com certa dose de incredulidade, mas sem a mente fechada
à negação absoluta, tento ficar aberto à descoberta dos meus erros e enganos,
das minhas palavras sem sentido, dos meus limites intelectuais.
Agora, um pouco mais louco, deixo que todos tenham razão.
Já não me importa estar certo... Se eu estiver errado, foda-se! Se for o outro
a vociferar tolices, foda-se também... Esse Planetinha azul continuará girando
em torno do sol, e não do meu umbigo, pouco importa quem esteja eventualmente
certo ou errado. Uma hora serei eu, outra você...
No diálogo entre os personagens Estragon e Vladimir,
na Peça “Esperando Godot”, de Samuel
Beckett, encontrei a melhor resposta:
“ESTRAGON. - Entretanto, tentemos falar sem
exaltarmo-nos, já que somos incapazes de estarmos calados.
VLADIMIR. - É verdade, somos incansáveis.
ESTRAGON. - É para não pensar.
VLADIMIR. - Está justificado.
ESTRAGON. - É para não escutar.
VLADIMIR. - Temos nossas razões.
ESTRAGON. - Todas as vozes mortas.
VLADIMIR. - É como um ruído de asas.
ESTRAGON. - De folhas.
VLADIMIR. - De areia.
ESTRAGON. - De folhas.
(Silêncio)
VLADIMIR. - Falam todas ao mesmo tempo.
ESTRAGON. - Cada uma para si.
(Silêncio.)
VLADIMIR. – Melhor, cochicham.
ESTRAGON. - Murmuram.
VLADIMIR. - Sussurram.
ESTRAGON. - Murmuram.
(Silêncio)
VLADIMIR. - O que dizem?
ESTRAGON. - Falam de sua vida.
VLADIMIR. - Não lhes basta ter vivido.
ESTRAGON. - É necessário que falem.
VLADIMIR. - Não lhes basta tendo morrido.
ESTRAGON. - Não é suficiente.
VLADIMIR. - É como um ruído de plumas.
ESTRAGON. - De folhas.
VLADIMIR. - De cinzas.”
(BECKETT,
Samuel. Esperando Godot, Segundo Ato).
Só agora — tarde demais, talvez, para recompor os elos
perdidos da minha existência fútil — eu entendo essa pulsão incontrolável que
me leva a falar demais, a escrever tantas tolices; pior que isso, entendo a
raiz dessa obsessão por falar ao mesmo tempo em que as pessoas com quem
converso: é para não pensar, não escutar as vozes mortas do meu inconsciente. O
meu medo é saber que elas estão vivas...
E reparem que eu já havia lido a Peça de Beckett há
muitos anos, antes, contudo, de ter o mínimo necessário de maturidade para
entendê-la.
Teatro do absurdo? Nem tanto! Agora, com o peso dos
anos, finalmente comecei a esperar Godot...
Como disse Estragon a seu amigo Vladimir,
“Todos nascemos loucos. Alguns
continuam sendo.”
Eu não quero mais deixar de ser...
Jorge Araken filho,
apenas alguém que fala e escreve para não escutar nem pensar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário