domingo, 2 de abril de 2017

Será que o amor tem preço?

Será que o amor tem preço?

Tem certeza de que você o ama? Ou está apenas deslumbrada com os bens de consumo que ele pode proporcionar? Talvez você só ame as viagens, roupas, sapatos e baladas que ele pode pagar com esse dinheiro — ilusoriamente infinito — com o qual compra os seus afetos e aluga o seu corpo...

Posso afirmar que nós, seres humanos, pobres e ricos, jovens e velhos, homossexuais ou heterossexuais, temos necessidade do amor, mas o amor não nasce da necessidade! Pense bem antes de falar de amor! Você não faz a menor ideia do que significa o amor...

O grande dilema da humanidade é que os nossos ancestrais, em algum ponto da linha evolutiva, perceberam que o amor pode ser tedioso, já que transita pelo real e raramente se amolda aos nossos sonhos e desejos mais recônditos. Foi nesse instante da seleção natural, um desvio rumo à precificação das pessoas, que inventaram o “amor” obsessivo que se chama paixão. Mas não demorou muito para que os humanos primitivos, num raro momento de epifania, percebessem que a paixão, porque ilusória, pode ser fugaz. Foi aí que inventaram o consumo, a forma mais perfeita de escravidão.

E foi assim, como muletas emocionais, que nasceu o Dia dos Namorados, a data em que os humanos carentes de afeto se iludem com paixões ilusórias que compram na lojinha da esquina.

A ti, mulher sonhadora e romântica — por piedade, não te chamarei de fútil, banal e interesseira —, que recebeste ou esperas do namorado um presente caro, que não te define, mas compra a tua alma, vai um conselho: quando a tua essência esquecer quem tu és na aparência, e os rótulos e bens materiais importarem menos do que os sentimentos e sonhos, serás verdadeiramente feliz!

A felicidade em ti mesma, e não no outro ou projetada em bens materiais, pode custar falsos amores, falsos amigos, aparências enganosas, expectativas irreais que se dissipam nas areias do tempo, encobertas pela ganância, mas será perene, sem ilusões, e te trará paz de espírito, mesmo à sombra de um pé de carvalho, deitada em uma rede, porque estará em ti, e não nas coisas que possuis.

No amor, por incrível que pareça, também vigora a lei da oferta e da procura, aquela mesma da Bíblia dos liberais. Se exagerares na oferta de presentes e agrados, reduzir-se-á, na proporção inversa, o preço da commodity.

Dizem os economistas que a oferta e a procura, na eterna busca do equilíbrio, acabam por regular os preços na economia de mercado. Nessa premissa, considera-se que a escassez de um determinado produto, assim como a sua abundância interferem na formação dos preços relativos.

Por exemplo, se a produção de alface, em uma determinada safra, é atingida por intempéries, reduzindo-se a oferta do produto no mercado, a busca do equilíbrio tende a elevar os preços, a fim de reduzir a curva da demanda, adaptando-a, assim, à escassez de alface. Preço maior, menor capacidade de compra pelo consumidor, que deixa de adquirir o produto ou o adquire em menor escala, fazendo reduzir novamente o preço da commodity. Ao contrário, se há superabundância na oferta de alface, porque os produtores, na hora do plantio, vislumbraram preços altos, a tendência é a de se reduzirem os preços, para que não se estrague o produto antes da venda.

Na verdade, sempre se busca o ajuste entre a quantidade de produto ofertada e a demanda, obtendo-se o equilíbrio de mercado na interseção dessas duas curvas.

Depois desses excertos de economia, peço licença para falar contigo, homem carente de afetos, que precisas comprar paixões ilusórias, para te sentires valorizado e aceito nesse mundo de amores virtuais!

A sedução da conquista passa pelo justo e delicado equilíbrio entre a tua carência afetiva, que te impele ao exagero, para não perderes o bendito (ou será maldito?) fruto da tua conquista, e a real necessidade de surpreender a parceira com certos mimos, que só o maldito (ou será bendito?) dinheiro pode adquirir.

Mas não exageres na dose, porque o equilíbrio está no meio (“in medio stat virtus”, dizia Aristóteles)! Bem sei que a ansiedade e o medo de perder novamente, repetindo, melancolicamente, outras experiências fracassadas, fazem pender a balança para o lado da oferta, mas essa atitude, embora cercada, aparentemente, de boas intenções, pode esconder a tua tentativa ilusória de comprar a parceira, enfim, de conquistá-la com a troca de favores, e não de seduzi-la com as tuas virtudes.

E tudo que começa errado dificilmente se corrige, assim como aquele velho pau, que nasce torto, nunca se endireita. A sua avó já dizia isso!

Por isso, não conquistes essa mulher com mimos e presentes, nem a subjugues com ilusões de grandiosidade e poder. Usando as tuas virtudes e lidando com a realidade, sempre cheia de sombras, poderás, enfim, seduzi-la a compartilhar a vida ao teu lado, sendo a parceira que te oferece um sorriso, quando chegas cansado das batalhas da vida. Se tu a desejas, não como objeto de investimentos libidinais, mas como amante e companheira, não a trates como propriedade ou extensão do teu próprio corpo, nem a sufoques com os teus agrados narcísicos. Jamais a rotule com os teus padrões, nem os procure no seu corpo ou na sua alma! Dá à parceira espaço de conformação e liberdade, para que ela atue com a sua persona verdadeira, e não com a máscara da tua farsa de amor, aquela mesma que projetas nela, iludido com a compra de afetos que, na falta de autoestima, não imaginas merecer gratuitamente.

Se não queres subjugá-la com joguinhos de poder — ao estilo de Sun Tzu, que apetecem às guerras, mas sepultam o amor e só trazem prazer momentâneo —, não compres o seu amor e a sua amizade, porque acabarás decepcionado, quando perceberes que essa linda mulher não é exatamente o que projetaste para ela. O sapato 42, que lhe compraste na loja mais cara, pode esconder um pé 32, enfim — se ainda não entendeste a metáfora —, essa falsa Cinderela pode ser bem menor, pelas virtudes enganosas e defeitos ocultos, do que as ilusões que alimentas sobre ela. Aquele sapatinho tão lindo, que compraste imaginando que se adquirem almas em sapatarias da moda, pode não calçar na tua Princesa de contos de fadas, que, reduzida ao mínimo essencial, não deve passar de uma abóbora em forma de carruagem!

 Cerque-a de carinhos, faça-lhe surpresas, sem perder de vista que a relação é de amor, e não de comércio; é de doação, e não de compra e venda. Seja como for, não exageres no remédio, porque acabarás matando a paciente, imaginando curá-la do seu mal, que é, apenas, ser diferente de ti, enfim, ser alguém que te confronta com carinho, que te cobra com energia, que te ama, mas não é o espelho das tuas projeções, nem a continuidade do teu próprio ego. Respeites a alteridade, se buscas ser respeitado!

Se a relação for saudável e equilibrada, se for construída sobre alicerce sólido, não precisarás agradar o tempo todo, porque não somos santos, nem precisamos usar máscaras para seduzir o outro a ver em nós alguém que, na verdade, não somos. Mostra do que tu és feito, quem realmente és, porque o amor, se surgir nesse processo de sedução, sobrevivendo à paixão inicial, revelar-se-á mais duradouro e intenso. Quando se extinguir a chama do amor — e ela provavelmente se extinguirá um dia —, ao menos terá valido a pena! O que é a vida humana, senão a luta do efêmero para se tornar eterno? Elixir da juventude, cirurgia plástica? Presentes e mimos? Triste ilusão! “Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”, dizia o poetinha Vinícius de Moraes (“Soneto de Fidelidade”, in Antologia Poética)!

E não acredites no amor à primeira vista, porque esses amores platônicos, quase sempre, são o resultado das tuas projeções. Como não conheces a parceira, mas, apenas, o seu corpo, imaginas as qualidades desconhecidas, projetando nela o rosário de virtudes que desejas ver em alguém que sonhas amar. As qualidades que não conheces nela, simplesmente imaginas, escondendo os seus defeitos sob o tapete da tua carência afetiva. Nessa hora, o medo de perdê-la, como ocorreu outras vezes na tua vida, te faz obscurecer os olhos à realidade. Só vês o que desejas ver, e escondes o resto, como se, fechando os olhos, tudo fosse desaparecer, como num passe de mágica, e o objeto da tua paixão, repentina e inexplicavelmente, fosse transformar-se em um modelo de virtude, à prova de tudo e de todos. Só a Lois Lane vê graça em amar o super-homem, meu caro leitor!

Por medo de perderes o amor que, na realidade, nunca recebeste, tu não resistes à compulsão de manter a parceira no cativeiro da necessidade econômica e da incompletude. Tu a manténs ocupada pelo consumo fútil, sempre preenchida por viagens e mimos que não podes pagar sem sacrifícios futuros e, tentando comprar afetos, tu crias uma relação de aparência e ilusão, que só é de amor na tua fantasia imatura.

Em nome desse enlaçamento frágil e superficial, só de aparências feito, aceitas o falso amor que ela te devolve, mesmo que tenhas que lhe pagar, todos os dias, uma prestação na forma de presentes e mimos adquiridos no balcão de uma loja qualquer no Shopping da Cidade. Não se compram amores verdadeiros em lojas, meu amigo carente de afetos! Nem Mastercard resolve o teu problema emocional...

Infelizmente, essa é a lei da vida! Bem que eu queria que fosse diferente, mas somos seres humanos, e não deuses! Carregamos conosco as nossas decepções e angústias, e acabamos tentando comprar o amor verdadeiro, para fugir da solidão!

Isso que você chama de relação amorosa, namoro ou casamento é apenas obsessão. Relacionamentos pressupõem ao menos duas pessoas, e não metades em busca de completude.

Quando escraviza a parceira na dependência emocional ou econômica, comprando afetos ou projetando no mundo uma imagem desconectada do seu próprio self, você se faz refém da fantasia de amor que a sua amada lhe oferece para mantê-lo cativo.

Na verdade, você se fixa na parceira e, para manter a ilusão de ser amado e curtido, de se sentir acolhido e afagado no ego, tenta fazer-se indispensável na vida dela, seja no sexo, seja na grana ou na sua infinita capacidade de satisfazer os desejos mais mesquinhos e infantis do objeto da sua paixão, um monstro devorador de homens que se imaginam capazes de comprar afetos. Com a sua prodigalidade submissa, você alimenta um ser humano banal e mesquinho, dando-lhe o espelho de Narciso de que ela carece para se sentir valorizada. O problema é que ela acaba desejando cada dia mais espelhos... E descobre que outros podem dar espelhos ainda maiores...

Na sua ilusão de macho alfa, enquanto precisar de você — financeira ou emocionalmente —, ela continuará preenchendo a metade que falta na sua incompletude. Isso não é amor, é carência obsessiva. Ninguém merece ser a metade de ninguém, muito menos de uma pessoa egocêntrica e obsessiva como você, um ser humano arrogante que compensa a falta de autoestima comprando afetos e aprisionando as pessoas pelos seus desejos de consumo.

Quem tenta fazer-se necessário na vida do outro, para ser amado, acaba na sarjeta, descartado como dejeto emocional. Como já disse, temos necessidade do amor, mas o amor não nasce da necessidade!

Os afetos surgem da liberdade, e não da dependência. Solte-a, para ver se ela fica ao seu lado. Se não voltar, agradeça-a pela oportunidade de continuar caminhando sem pesos desnecessários.

Afetos comprados nunca valem o preço pago!

Se quiseres ser feliz, não exageres na produção de alfaces, ou acabarás reduzindo o preço da commodity! Em outras palavras, não exageres nos mimos, ou acabarás desvalorizando o gesto...

Não brinques de Deus, a criar e moldar personalidades na forma dos teus desejos, nem compres afetos e carinhos! O investimento é alto, e a recompensa não vale o risco...

Respondendo à pergunta inicial, se tem preço não é amor, é deslumbramento consumista por um comprador de afetos. Enfim, é "amor de consumo" ou, simplesmente, paixão.

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.

Post Scriptum: não me consideres mal amado, por desfazer as tuas ilusões românticas! Na pior das hipóteses, creias-me não amado... Contudo, a verdade é que não escrevo memes confortáveis, nem textos de confirmação indulgente da tua autopiedade. Quero mesmo é rasgar o véu de negação que te impede de ver a realidade desse universo em desencanto. Só assim, conscientes das sombras humanas, podemos mudá-la.


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