Perdoe-se: o que não tem remédio, remediado
está
Por maior que seja a dor e o arrependimento,
alguns erros jamais se consertam. Não adianta baixar a cabeça ou buscar, na
autoimolação servil, o perdão dos que sofreram com as nossas atitudes imaturas,
que tomamos, não raro, sem pesar as consequências. Dizer que sentimos muito não
desfaz o passado, nem diminui a dor pelo que foi feito ou dito por vontade
própria.
Quando tentamos esquecer o sofrimento,
recalcando-o no inconsciente, apenas alimentamos uma ilusão, temporária e
imatura, de alívio, uma simples defesa do ego que não sabe lidar com a dor.
O esquecimento não supera o trauma,
simplesmente anestesia a consciência, deixando o sofrimento em estado latente.
A dor psíquica, em especial a que vivenciamos
na separação amorosa ou na morte do ser amado, mas também nas rupturas
familiares — com os pais, filhos ou irmãos —, traduz, na verdade, uma reação
defensiva de quem busca reencontrar-se depois de uma ruptura traumática com o
objeto do seu amor.
Amadurecer não é se iludir com o
esquecimento, mas superar a dor; é aprender com o trauma, para se reencontrar;
é unificar o próprio eu que, ficou esquartejado entre o amor ao outro e a sua
ausência.
Devemos viver as nossas dores, para não
repetir as suas causas! As setas lançadas ao vento não podem ser apagadas do espaço-tempo,
mas apenas transformadas em amadurecimento.
Enuncia a “lei da conservação das massas”,
mais conhecida como “lei de Lavoisier”,
que "na Natureza nada se cria, nada
se perde, tudo se transforma".
Nada se perde, nem a dor psíquica: ela apenas
se transforma!
A dor apenas se decompõe em algo criativo ou
destrutivo, conforme a sua vítima, no processo de superá-la, aprenda a usar
essa energia em estado bruto para pavimentar um caminho alternativo ou para
atolar-se no pântano da negação enganosa.
Quando renegamos a dor, fingindo que
desapareceu misticamente, criamos uma ilusão temporária de paz, que tampa a
cratera do vulcão, mas não extingue a chama inicial, que permanece nas
profundezas do inconsciente, somando forças com o id, para atacar o ego. Um dia,
normalmente quando estamos distraídos, ocorre a erupção catastrófica. Só então,
destruídos pelas forças que não enfrentamos com maturidade, percebemos que a
dor não sumiu.
Não se iluda com negações delirantes! A dor
não desaparece: ela se transforma na singularidade de um buraco negro, de onde
nem a luz escapa, se você simplesmente negá-la; ou se torna uma nova estrela,
um recomeço, se você alimentá-la com o gás do amadurecimento.
Antes de imaginar que o seu mal não tem cura
ou é privilégio seu,
“Volte seus olhos para dentro,
contemple suas profundezas, aprenda primeiro a conhecer- se então compreenderá
porque está destinado a ficar doente e, talvez evite a adoecer no futuro.” (Sigmund
Freud, “Uma Dificuldade no Caminho da Psicanálise”. Versão extraída da tradução
inglesa, com um novo título, “A Difficulty in the Path of Psycho-Analysis”,
publicada em 1925).
Estou propondo a física das emoções,
reduzindo os sentimentos (“pathos”)? Longe disso. . . Trata-se, apenas, da
singularidade das leis emocionais, um estranho lugar onde a gravidade é tão
absurda, as forças em jogo são tão violentas, que distorcem o tempo e o espaço
das nossas ações e reações diante do destino, o estranho ponto das emoções e
afetos em que vamos criando o caminho, mas chamando de sorte ou azar.
Tudo começa com um mal-estar e, aos poucos,
vem a dor psíquica, que, deixando de ser apenas sintoma, transforma-se na
própria doença.
Diante de algum sintoma, procure um
especialista!
Contudo, enquanto permanecer sentado na
poltrona dos reprimidos, à espera de Godot, negando a si mesmo os sintomas,
aproveite o tempo para descarregar-se dos afetos patogênicos,
conscientizando-se deles, antes que distorçam a sua realidade psíquica,
contaminando a vida que ainda tem por usufruir.
Lugar de lixo emocional é no setor de
reciclagem da realidade, e não no seu inconsciente, recalcado sob o manto da
negação e da fantasia.
Não negue a si mesmo o seu lixo afetivo:
reconheça-o e o recicle.
O que resta, muitas vezes, é conviver com as
sequelas e seguir em frente, deixando pelo caminho os destroços que não puderam
ser refeitos.
A cada um a sua própria jornada, embora o
destino seja o mesmo! E nem sempre é fácil atravessar os nossos desertos. Eles
são pessoais e intransferíveis. A poeira nos olhos é o menor dos desafios. A
grande provação é não fechá-los ao caminhar.
Os erros que cometemos, as pessoas magoamos
são caminhos sem volta. É impossível retornar no tempo. . . Qualquer mudança,
qualquer compensação estará no presente, e não apagará o que foi feito. Mas o
perdão — necessário para seguir em frente — deve vir de você mesmo, porque o
sentimento de culpa corrói mais do que mágoa do outro.
Não deixe para amanhã, simplesmente deixe
para lá! O que não tem remédio, remediado está. Perdoe-se!
Jorge Araken Filho, apenas um
coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.