Não esqueça seu coração com ninguém!
O que mais dói? O saber da ausência
irremediável do ser amado, quando o amor por ele ainda não se foi, ou a certeza
de que ele a esqueceu?
Vou mudar a pergunta: você se sente
invisível, como se não existisse para ele? Tem a nítida sensação de abandono,
de ser rejeitada, física e emocionalmente, como se apenas os desejos e
problemas dele importassem? Você é sempre a primeira ligar e a última a
desligar o telefone? A primeira a procurá-lo nas redes sociais e a última a
dizer que precisa sair?
O que isso significa?
Que você tratou como amor verdadeiro o que
nunca passou de um jogo de poder, uma farsa para capturar a sua carência
afetiva!
E se o amor for mesmo um jogo? Você já se
perguntou?
Vou ainda mais longe: sendo um jogo, é um
jogo de poder? Manipular as emoções seria a primeira regra desse jogo de cartas
marcadas?
Vamos imaginar que sim... É bom refletir fora
do senso comum.
Sendo um jogo de poder, dar a primeira
cartada afetiva significa entregar o domínio da partida? Em outras palavras,
quem primeiro demonstra afeto cede o controle do jogo ao outro?
Antes de responder, pense nas relações que
fracassaram em sua vida. Com elas em mente, responda a si mesma as perguntas
que vou fazer:
Invariavelmente, você era a primeira a ligar
ou enviar mensagens e a última a se despedir? Dava presentinhos nos
aniversários e ocasiões especiais, mas ele raramente trazia algo, mesmo
podendo? Lembrava-se das datas importantes, e ele se fazia de esquecido? Quando
seus olhos se cruzavam, você achava romântico ir ao encontro dele primeiro?
Sempre o beijava, mesmo quando ele não tirava os olhos da periguete na fila do
cinema? Quando um beijo lhe parecia um presente especial da parte dele, você se
insinuava com a sutileza de um elefante, fazendo boquinha sensual e carinha de
pidona? Na hora do sexo, você abanava o rabinho para ele, como uma cadela no
cio? Estava sempre disponível, buscando encontrar nele o afeto perdido, mesmo quando
o via tentando fugir, sem você, para as mil e uma atividades que ele adorava
despejar em sua frágil autoestima?
Quando você agiu assim, quem parecia mais
frágil e carente, sempre entregando as cartas ao outro? Era você mesma, eu sei!
Você entregou o jogo, revelou todos os ases que deveria esconder na manga.
Sabe o que faltou nesse jogo? Amor próprio!
Você só estava disponível demais para amores de menos. Quem se trata
pateticamente, como você, acaba se tornando o bufão no jogo do amor. Quem muito
mendiga afeição recebe apenas migalhas!
Mas quem é esse cara para falar comigo assim?
— Você deve estar pensando com os seus botões.
Ressentida com o passado, necessitando de uma
escuta piedosa para a sua autocomiseração, você começa a achar que estou sendo frio
com os seus sentimentos mais nobres. — O amor é assim mesmo, nem sempre justo,
nem sempre fácil, mas não pode ter regras —, você me responde, tentando salvar
a dignidade que ainda lhe restou.
Minha querida leitora, vá devagar com o
andor, que o santo é de barro! Entenda primeiro o caminho a que desejo levá-la,
para depois me julgar. E não é para o caminho das relações mecânicas e
utilitárias que desejo convidá-la.
Só reduzindo seu pensamento ao absurdo,
porém, posso revelar o peso da crueldade que ele derrama sobre você.
As relações humanas, quando se transformam em
jogos de poder, deixam de ser amor e se tornam jogos de guerra.
Antes de entregar as suas cartas ou de
escondê-las, veja se vale a pena jogar. Enquanto o amor for encarado como um
jogo de poder, sempre haverá dominantes e dominados. Não preciso dizer quem
sofre mais, quando as guerras terminam... E é sempre o vencedor que conta a
histórias; ele é sempre o herói...
Se você sempre levou a pior, sempre acabou
com as piores cartas nas mãos, lembre-se de que, se houve um derrotado, no caso
você mesma, o vencedor era seu adversário, e não amante; era um jogo de poder,
e não de amor!
No jogo, os seres humanos são antagonistas, e
não parceiros: um deseja a derrota do outro, enfim, a submissão do outro à sua
própria vontade! Ninguém joga para perder! Se for esse o seu perfil de amor
ideal, vá em frente, mas leve Sun Tzu e a “Arte
da Guerra” com você... Quando perder esse jogo de cartas marcadas, não
culpe o destino, nem derrame sobre mim a sua autopiedade!
Contudo, se não for esse o amor que você
persegue, desarme-se, e não espere por ninguém.
O ex-amor, que nos dilacerou o coração, nem
sempre volta do Hades, para rasgar as nossas cicatrizes! Quase sempre permanece
por lá, assombrando outras pessoas iludidas e cheias de expectativas, como nós.
Carentes de afeto, desenganados pelo abandono
que escarnece das virtudes irreais que imaginávamos ter, desiludidos pelo pé na
bunda que expõe o nosso amor próprio ao degredo, alimentamos a ilusão de que o
ex-amor, depois de nos repudiar ou trair (ou ambos), haverá de voltar de cabeça
baixa, rastejando e sofrendo. Mas isso raramente acontece, e temos que lidar —
sozinhos — com a dor da separação. Não somos insubstituíveis no coração de
ninguém, nem no dos amantes, nem no dos filhos e parentes mais próximos.
Quando a certeza da nossa própria banalidade ensaia
seus passos, para invadir a consciência, simplesmente negamos a realidade,
imaginando que somos imprescindíveis à existência de quem nos abandonou.
Idealizamos que o objeto do nosso amor, num dia de iluminação e corroído pela
dor, haverá de perceber que somos insubstituíveis e santificados. Reconhecerá,
enfim, que a nossa fidelidade canina — afetos (sentimentos e emoções) que lhe
oferecemos sem exigir nada em troca, nem respeito — deve ser recompensada com
migalhas de amor piedoso. Nesse instante, quedará arrependido do mal que nos
causou, valorizando, assim, o sentimento de devoção que lhe dedicamos, não por
amor a ele, mas por desamor ao que somos. Realmente dói perceber que fomos
trocados assim tão facilmente.
Sentirmo-nos invisíveis e desprezados, sem
valor para novas conquistas, é uma forma imatura de lidar com o medo do
fracasso: transferimos para outras pessoas a responsabilidade pelo nosso próprio
destino, iludindo-nos com a ideia de que somos grandes guerreiros, cheios de
virtudes incomuns, embora a cegueira do outro obscureça os seus olhos ao
reconhecimento do nosso heroísmo arrebatado e bondade sacrossanta. Enfim, é
triste perceber que não éramos a última coca-cola gelada no Deserto do Saara...
Havia outras, ainda mais geladas, sem falar das fantas e guaranás...
O ser “odioso” e “desprezível” — mas
contraditoriamente amado — que nos abandonou ou traiu não foi tão crápula
assim, se nos enxergarmos sob uma perspectiva menos condescendente e
autopiedosa. É impossível mudar o outro — nem devemos perdoá-lo —, mas podemos
nos construir até o suspiro final, se começarmos a autoanálise pelo que negamos
em nós mesmos de forma tão obstinada, pelo que nunca falamos conosco, quando
estamos diante do espelho, pelo que tanto desprezamos nas pessoas que nos
rodeiam. Nesse olhar de desprezo e ressentimento que lançamos sobre os outros
nos encontramos.
Quando nos vemos solitários, depois da
despedida, quando percebemos a facilidade com que as pessoas amadas desistiram de
nós, o único remédio, para lidar com a dor do abandono, serenando as memórias
nostálgicas, é deixar de negar a realidade e duvidar das nossas ações e reações
diante do mundo. Olhar para dentro e não para fora.
Nós mesmos, enquanto nos posicionamos como
seres incompletos em busca da metade que nos falta, enquanto buscamos essa tal
felicidade no outro, podemos afastar as pessoas que verdadeiramente nos amam, alimentando
a ilusão autopiedosa de que foram elas que nos abandonaram. Não somos vítimas
inocentes, mas o nosso próprio carrasco.
Mas agora é tarde: ele se foi e, com ele, a nossa
autoestima...
Querida leitora, enquanto nos importamos com
a volta do outro ou com o seu sofrimento, ainda não superamos a sua ausência.
Prefiro não me importar com o outro e menos
ainda com a sua felicidade ou infelicidade sem mim. Não quero ser prisioneiro
do ódio nem do ressentimento por alguém que se foi por vontade própria ou
porque não soube agir com maturidade.
Que seja feliz longe de mim!
Ainda bem que os fantasmas do passado raramente
voltam... Isso não passa de um desejo reprimido no inconsciente pelo nosso ego
crispado de dor. E só dói porque o amor fica estrangulado entre a certeza da
ausência definitiva do outro e o saber de um amor que ainda não se foi.
O que mais dói não é o saber da ausência
irremediável do ser amado, quando o amor por ele ainda não se foi, nem a
certeza de que ele me esqueceu; o que mais dói é viver refém de uma ilusão, eternamente
à espera desse alguém que não irá voltar e, mesmo que voltasse, retornaria como
farsa.
Jorge Araken Filho, apenas um
coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.