quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Expectativas

Expectativas

Alimente um gato, um cachorro, um papagaio ou até mesmo um unicórnio com o chifre cor de rosa, mas não alimente expectativas!

Não quero vê-la por aí, aos prantos, com cara de cachorro que caiu da mudança, dizendo que o mundo é cruel, que ninguém presta, que vai se matar...

As expectativas são suas...

Você preenche a sua incompletude com ilusões e lança a culpa em quem não segue o roteiro da sua farsa.

Sabe por que não dói, quando você se dá conta de que jamais poderá pisar na lua? Porque você nunca contou com isso!

O desejo insatisfeito só dói quando você o alimenta com expectativas.


Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.

Informação aos leitores:

Informação aos leitores:

Informo aos amigos leitores que, em comemoração aos 60.000 acessos ao meu Blog, alterei o seu título para “Contos e Crônicas do Araken, o coletor de palavras perdidas” e renovei o layout. Confiram no endereço:


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Por oportuno, convido os leitores à minha Fanpage no Facebook, que pode ser acessada digitando-se, no mecanismo de busca da rede social, o seu novo título — “Contos e Crônicas do Araken” — ou através do endereço eletrônico abaixo:


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Antecipadamente grato,

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.


terça-feira, 27 de setembro de 2016

Guerra e paz: a indústria da morte

Guerra e paz: a indústria da morte

Depois de assistir a esse vídeo sobre a manipulação da imprensa nesses tempos de guerras imperiais disfarçadas de caça ao terror, responda-me, se for capaz: será possível alcançar a paz, enquanto existir uma indústria que vive da guerra?

Se você me responder que não — como creio que irá fazê-lo —, sugiro que eliminemos, ao menos em nossa utopia, a indústria bélica e seus trilhões de dólares. Vamos lá, faça esse esforço rumo ao impossível!

— Pronto! Resolvido o problema. Será mesmo? — Eu ousaria indagar. Mas é claro que sim! — Você me dirá. — Não temos mais armas de destruição em massa! Nada de bombas atômicas, nem de hidrogênio. Acabaram-se as granadas e artefatos explosivos. Os chineses “desinventaram” a pólvora, todos  jogaram fora seus arsenais de guerra; foram-se os revólveres, pistolas, aviões, navios, tanques e fuzis. Nenhuma arma de fogo à vista nesse terceiro planeta do Sistema Solar.

Deixamos apenas as  facas e machadinhas, para uso na caça, no artesanato e para facilitar o trabalho dos nossos dentes, que se tornaram frágeis nos últimos milênios. Um dia, quem sabe, voltaremos à ossatura do Neandertal e, nesse ponto, seremos capazes de destrinchar um bisão até os ossos, sem necessidade de facas e tacapes.

— Uh, uh, uh. . . Mim matou Lucy, aquela safada me traiu. Dei na cabeça dela com uma pedra. — Disse o marido de Lucy, o Australopithecus afarensis, antes de matá-la, há 3,2 milhões de anos.

Meu amigo, acho que precisamos eliminar as facas, os porretes e as pedras... Pronto, assim teremos a paz... Nada de facas, pedras, tacapes e porretes! Nem cordas ou flechas... Agora, viveremos felizes.

Interrompo a sua utopia, para dar uma notícia: Caim acabou de jogar Abel do precipício e depois se matou... Adão culpou Eva de tudo e a estrangulou até a morte. Solitário nesse mundo, Adão pulou do alto de um rochedo e pôs fim à humanidade. Enfim, alcançamos a paz que você tanto desejava.

 Só acredito na paz, quando morrer o último dos humanos. Contudo, nenhum passo será possível, rumo à utopia da paz duradoura, enquanto existir uma indústria que vive da guerra e se alimenta de cadáveres humanos.

As guerras — sejam elas religiosas, étnicas, econômicas, políticas, territoriais, pretensamente humanitárias, imperiais ou de combate ao terror — lavam o dinheiro sujo da indústria de armamentos, tornando lícitos os trilhões de dólares que ganham com a mercantilização da morte.

Não se engane com a propaganda da guerra limpa e sem vítimas inocentes: toda guerra é suja! Nos casos do Afeganistão e do Iraque 90% das vítimas eram civis. . .

Como bem disse Francis Claud Cockburn, um influente jornalista e escritor inglês, "believe nothing until it has been officially denied" (“Nunca acredite em nada até que seja oficialmente negado”).

Jorge Araken Filho, apenas alguém que deixou de acreditar na paz.

Assista ao Documentário no link abaixo da imagem:






Dia histórico na minha vida: 60.000 acessos ao meu Blog!

Dia histórico na minha vida: 60.000 acessos ao meu Blog!

Hoje, 27 de setembro de 2016, às 12h48min (hora de Brasília), alcancei a marca de 60.000 visitas ao meu Blog, um número inexpressivo para os blogueiros de sucesso, com as suas legiões de fãs e seguidores, mas surreal para um simples coletor de palavras como eu, alguém que não escreve os textos idílicos que os leitores, normalmente, desejam ler, um ser que se automutila na contramão do tráfego. E nunca impulsionei a minha página com os mecanismos do Google ou do Facebook, que custariam recursos que não possuo...

Nos últimos anos, tornei-me o avesso do jovem sonhador que fui um dia, a antítese do cara sorridente que fantasiava realizações inesquecíveis, feitos gloriosos que impregnariam o ar fétido desse mundo com o cheiro adocicado da sua genialidade. Enquanto andava distraído, fui descobrindo, desiludido e nostálgico, que as pegadas que eu deixava nas areias do tempo iam se dissipando a cada sopro do vento...

Nunca tive fé, e deixei de ter esperança. Depois que alcancei o cume dessa montanha existencial que chamam de vida, o instante de magia e desencanto em que comecei a rolar como a pedra de Sísifo, eu caí numa espécie de fenda no tempo, que mudou a perspectiva do meu olhar sobre a vida. Iniciei, melancólico e angustiado, o flanco descendente da minha escalada, a fase em que me surpreendi mirando o passado não vivido, as escolhas que nunca fizera, as pessoas que abandonara enquanto subia. Iludido, imaginava que não as veria lá do alto, sem perceber que, na minha descida, poderia reencontrá-las subindo a montanha. Apesar do sofrimento, decidi cair de pé, sem mendigar afetos...

Hoje em dia, alimento unicórnios e dragões, mas nego um simples copo d'água às antigas ilusões.

Não sonho a vida, não imagino realizações fantasiosas e idílicas, não tenho qualquer ilusão de sobreviver do que escrevo. E hoje só escrevo... Desisti de ser o que não sou. A ilusão de ganhar seguidores, curtidas, compartilhamentos e comentários sinceramente não me comove.

Apenas vou dilacerando a minha própria carne, lançando no mundo virtual o que o meu ego não é capaz de recalcar no inconsciente. Aliás, para quem é sensível à escuta dos silêncios, às reentrâncias dos meus significantes e significados, à transparência dos meus textos, não é difícil capturar as minhas sombras.

Num certo momento da vida, quando abandonei o Direito (que nunca me seduziu), e renunciei à vida profissional (não por acaso mal sucedida), flagrei-me perdido e sem rumo, sem saber o fazer pelo resto dos meus dias. Dinheiro seria certamente um problema, que ainda não resolvi, mas deixei de me incomodar com as calçadas da vida: sempre existirá uma velha marquise para adormecer ao luar...

Sem saber o que fazer nas horas vãs, simplesmente resolvi escrever; e esse sempre foi o grande barato da minha vida de negações e desenganos, a injeção de adrenalina nas minhas noites de insônia, o néctar que me dava energia para sobreviver nos caminhos que escolhera por imitação ao meu pai, quem sabe, talvez, para ser aceito por ele. Não me importo mais com a aceitação de ninguém...

Escrever sempre foi uma terapia. Comecei sem prisões estéticas, sem fazer da palavra um claustro; usei-a como chave para as câmaras sombrias do meu inconsciente.

Depois de me libertar das palavras, inventei personagens, criei realidades paralelas, naveguei por sentimentos e afetos que não ousaria expressar como meus. Imaginei palavras que arranharam a minha sensibilidade, que despertaram ódios e ressentimentos, que alteraram o meu aparente equilíbrio psíquico. Quem sabe, nelas, eu acabaria me descobrindo... E assim tem sido nesses tempos de autoabandono!

Muito do que se passa em mim, mesmo o que está recalcado abaixo da superfície, acaba escapando nas parapraxias, aquelas palavras que surgem do nada, que brotam não se sabe de onde, mas revelam pulsões e desejos reprimidos.  Escrever tem sido uma forma de gratificá-los, burlando as defesas do meu ego outrora iludido. Nas minhas fantasias de “escritor”, esses afetos, algumas vezes brutais e autodestrutivos, não raro libidinais, passaram a ser puramente “fictícios”. É o mundo interior dos personagens, e não o meu, passei a dizer à censura do ego. Deixei que eles abrissem caminho para a consciência. Na escrita, tudo é permitido, inclusive ser eu mesmo, e não a minha máscara social!

Depois que um amigo — de vastas leituras — tocou em Michel Foucault, um gênio da humanidade, um ser de luz que viu as interconexões entre a psicanálise e a literatura, dois fascínios na minha existência medíocre, precisei fazer-lhe uma confissão, que estendo, agora, aos meus leitores: sempre que escrevo, tenho em mente que

“A literatura (. . .) faz parte desse grande sistema de coação através do qual o Ocidente obrigou o cotidiano a se pôr em discurso; mas ela ocupa um lugar particular: obstinada em procurar o cotidiano por baixo dele mesmo, em ultrapassar os limites, em levantar brutal ou insidiosamente os segredos, em deslocar as regras e os códigos, em fazer dizer o inconfessável, ela tenderá, então, a se pôr fora da lei ou, ao menos, a ocupar-se do escândalo, da transgressão ou da revolta. Mais do que qualquer outra forma de linguagem, ela permanece o discurso da ‘infâmia’: cabe a ela dizer o mais indizível – o pior, o mais secreto, o mais intolerável, o descarado.” (FOUCAULT, Michel. A vida dos homens infames. In: Estratégia, poder-saber. Ditos e escritos IV. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 203-222).

Por ser, também eu, um desses “homens infames”, de que falava Foucault, ao se referir aos escritores, preciso seguir a minha sina e espalhar o indizível, o secreto e o intolerável... E devo segui-la sozinho, apesar desse meu louco desejo de acampar o coração em terreno alheio! Mas a verdade, triste e dolorosa verdade, e que o escritor é sempre solitário.

Quando penetrei no reino das palavras, abandonando as memórias em dissipação, percebi que o escritor precisa da solidão contemplativa, do estar consigo próprio, para ver o outro, sem se projetar e sem se confundir com ele.

Para desamarrar as palavras, trocar a sua pele desgastada, precisei dissolver as correntes de dogmas sem vida, as certezas covardes que as prendiam à secreta mesquinhez dos Narcisos desse mundo virtual, que só escutam os próprios lamentos.

É tempo de palavras imobilizadas em velhas muletas, caminhando, trôpegas, para o esquecimento no Hades, devoradas por Cérbero, o cão de três cabeças que guarda o mundo subterrâneo.

Para salvar Perséfone da mediocridade, saciando a minha fome de encantamento, eu precisava decifrar os mistérios de Elêusis.

Mas no meu caminho havia muitas pedras... Por isso, busquei no recolhimento o despertar da consciência, a sabedoria para observar os seres humanos em suas interações virtuais, capturando o que eles não mostram, vendo abaixo da superfície calma e intacta, mas sem interferir em suas vidas, sem projetar sobre eles as minhas sombras.

E assim, no isolamento do meu pequeno quarto, entre fantasmas insepultos e desejos enganosos, escorriam as horas da minha existência como escritor, estranhamente flácidas e letárgicas, guardiãs sonolentas de antigos sonhos de infância, que se transformaram em profundas e dolorosas lamentações. Só a cama devorava a minha solidão!

Apesar das interações aparentes, com pessoas breves, que não deixaram pegadas, e até com seres de luz, que me iluminaram na cegueira, sempre fui solitário, mesmo quando caminhei, perdido, na multidão dos carentes de afeto, dos que vivem em busca de curtidas, dos Narcisos que se vestem de glórias efêmeras, para anestesiar a alma das dores perenes.

As pessoas nunca passaram de pontos insignificantes, quase imperceptíveis, fora das curvas do meu destino. Obstáculos a superar, fontes de prazer transitório, que estavam ali por um único motivo: gratificar os meus desejos.

Sedento de prazeres e brevidades, carente de aceitação, eu as sugava até a última gota de sangue, abandonando as carcaças ao próximo abutre.

Depois da ascese monástica, as palavras, antes adormecidas, acordaram do seu sono profundo, transformando as pessoas em cobaias para o meu silêncio, que se rompia enquanto desvendava os enigmas de muitas vidas, as afinidades que nos sincronizam, os gozos e sentimentos não revelados, os equívocos que definem caminhos sabotados pelo sabor amargo da desesperança.

Realmente sozinho — recolhido para dar voz aos impulsos do inconsciente, longe das luzes do mundo —, passei a observar, com os olhos marejados de lágrimas, a vida que escorre ligeira e desinteressada, cheia de esquecimentos e culpas trocadas, a vida que passa no outro lado da fechadura do pequeno quarto em que me recolhi.

Ao contrário de Alice, a linda garotinha de Lewis Caroll, que se enamorou do País das Maravilhas, um mundo cheio de encantamentos que descobriu no buraco da fechadura, eu vi seres desumanizados, do lado de fora do meu quarto, pobres criaturas sem rosto, exauridas em pequenas questões, mergulhadas no umbigo dos seus próprios devaneios, caminhando, hipnotizadas, como zumbis, nessa busca insana por interesses mesquinhos e bens de consumo que recebem as suas projeções de sucesso aparente. E nada de chave dourada para esse mundo de maravilhas e encantamentos... Onde estaria Alice e seu mundo de alegrias? Não tenho a ilusão de encontrá-los. Na minha existência banal e pequena, escrever pode ser a única forma possível de gratificar as ilusões perdidas.

Longe das sensações e afetos fugidios, sublimando gozos e tormentos, busquei, no refúgio dos aflitos, a pessoa que nunca tolerei: eu mesmo.

Enquanto as ausências se acumulavam, passei a imaginar o que as pessoas faziam no espaço aberto das suas vivências, como superavam o desamparo da condição humana.

É mais fácil ver o outro, quando nos reduzimos a nós mesmos, quando entramos em contato com as nossas dissonâncias, harmonizando, como totalidade, as nossas personas que vivem em conflito.

Quando deixei de conviver com os normais desse mundo, nos momentos em que a fechadura deixou de me revelar os seus contornos, completei o cenário com as minhas fantasias, penetrando na alma de seres transparentes, que deixam vestígios nas redes sociais, largando côdeas de pão embolorado e azedo, para quem os observa com o olhar penetrante dos solitários.

Recluso em mim mesmo, como Gregório Samsa, o homem que se transformou em inseto, no eterno Romance de Franz Kafka, inventei monstros e demônios, para testar os meus próprios medos; deuses e heróis, para exorcizá-los.

Antes de me recolher fisicamente, eu já me sentia sozinho, não porque me faltassem companhias fáceis e descartáveis, mas porque, de fato, eu não as via, mesmo quando as olhava nos olhos. Elas eram apenas espelhos, onde eu me via refletido. Como Narciso, só aceitava o que me devolvia a minha própria imagem, o que gratificava os meus desejos.

Com o recolhimento, passei a viver nas sombras, ao menos por algum tempo, preso ao buraco da pequena fechadura do meu quarto, que alguns chamam de Facebook, dependendo de um "amigo" virtual que caminhasse do outro lado da porta, reconhecendo as minhas glórias efêmeras, apiedando-se dos meus tropeços, para me fazer feliz por breves instantes. Mas esses momentos de prazer, transitórios como a vida, mesmo quando recebia alguns elogios sinceros, tinham gosto de carência, cheiro de prazer banal, que não queima a pele da alma.

No início, qualquer ser humano fútil, banal e pequeno, qualquer navegador de mares rasos que eu pudesse capturar no espaço das minhas visões estreitas, na fechadura virtual das redes sociais, já me encantava o espírito, sempre carente de afeto. E eu nunca abandonava a velha fechadura, em busca de almas distraídas que pudessem domar as feras que eu mesmo criava.

Nesses instantes, quando pensava estar realmente sozinho, subornando a melancolia com o bálsamo do esquecimento, as dores recalcadas, essas ignóbeis feras adormecidas, arrancavam-me da cama. De repente, surpreendia-me com o olho direito no pequeno orifício, não sei se mágico ou trágico, onde deveria estar a chave dourada do meu quarto. Mas ela nunca estava lá... Onde estaria essa bendita chave?

Assustado com o mundo, afastava-me da porta diante de qualquer movimento, paralisado pelo medo das criaturas que via lá fora, estranhamente humanas, cheias de carrancas para dissimular seus medos, e falsas máscaras de bondade e ternura para esconder seus demônios obscuros e perversos. Nesses instantes de pânico, longe da fechadura, eu me sentava na velha poltrona, pegava o único espelho que ainda restara e me punha a contemplar, com olhar perdido, o inseto em que acabara me transformando, uma criatura horrenda e cheia de pernas, asquerosa como as sombras que carregava sem ver.

Insistia em fugir do mundo e continuava em busca das palavras escondidas no inconsciente. Trancado no meu pequeno universo, tentava fugir das dores que me cortavam a carne, que me incendiavam a alma de ilusões, tentando distanciar-me de uma época, não muito distante, em que buscava o prazer do dia seguinte, numa eterna insatisfação com as conquistas do momento.

Mas só o recolhimento solitário poderia me revelar os seres partidos, os homens sem cor, que compram certezas banais, que vendem ilusões cuidadosamente embrulhadas como fatos. Pobre mundo virtual! Tão rico de convicções e tão pobre de ideias...

Aprendi, contudo, que os escritores, os que interrompem os silêncios com as suas redes de fantasia, devem expressar as falas que transbordam do inconsciente de recalques do leitor, os desejos e impulsos que buscam oxigênio na superfície do ego, vencendo o superego castrador que eles recebem como legado no triângulo edipiano. Só de longe, no silêncio da observação, o delicioso caos da relatividade se revela em palavras, perdido e oculto em meio às certezas do absoluto.

Mas onde estaria a maldita chave do quarto? — Costumava me perguntar, nos momentos de angústia.

Em ascese monástica, distanciado das distrações que me afastavam do que sou, comecei a ver, de início indistintos e, depois, em cores vivas, os muros e barreiras que ergui na ilusão de me proteger do desamparo e da dor. Decepcionado com a minha própria cegueira, mas com a esperança renovada pela visão do meu próprio self, percebi que sempre estivera longe de me tornar o que sou de verdade. Sem perceber quem eu era, vendo, nos amigos e inimigos, a minha própria imagem — que o espelho me devolvia —, deixei de construir pontes perenes entre o meu mundo interior e as frágeis conexões que criei com o mundo exterior. Só ergui paredes e muros!

Imaturo e egocêntrico, passei pela existência sem vivê-la, recolhido, não física, mas emocionalmente, na ilusão de completude no outro, sempre buscando a outra metade desamparada que haveria de preencher o espaço vazio das minhas carências. Ironicamente, nunca me sentia inteiro, nem mesmo quando capturava a vítima seguinte do meu desamparo.

Esse foi o mundo particular em que me enredei nos anos de existência sem vida, um espaço de sonhos grandiosos, sempre adiados, tempo de pessoas cortadas ao meio, divididas em suas dissonâncias, acomodadas ao relento, lambendo as próprias feridas.

Olhava o mundo pela fechadura, com os olhos perdidos e vazios. Os outros, pobres diabos, os outros não eram nada! Detalhes tão pequenos, que, depois da autoflagelação, tornaram-se virtuais. Depois de me dissecar, o que restou foi o meu próprio self.

Com pena de mim mesmo, corroído pela autopiedade, descobri — tarde demais ou, talvez, menos cedo do que deveria — que nunca vivi de verdade, nunca senti o inseto que habitava o meu corpo. Alheio a mim mesmo, fantasiando o ego que desejava ver no espelho, só percebia uma pequena parte dessa rica e multifacetada experiência de viver. E era tão pequeno o meu mundo, apenas um quartinho perdido nesse universo em desencanto!

E a chave, onde estaria essa maldita chave? Ou seria bendita? Já nem sei mais! Tudo ficou tão confuso, tão incerto e cheio de possibilidades depois que despertei...

Frágil e impotente, pensei em pedir a Deus que me ajudasse a encontrar a chave dourada da felicidade. É o que as pessoas fazem, quando se sentem incapazes de correr atrás dos seus sonhos, quando desejam fugir das próprias responsabilidades.

Fugimos de nós mesmos, gastando palavras, destilando culpas, na tentativa insana de sobreviver aos nossos pecados. Deus sempre perdoa... E seguimos, frágeis e iludidos, entorpecendo o senso moral e o remorso, aspirando ópio divino com o nariz sujo de arrogância. Incomodados com a degradação do pecado, mas sedentos por cometê-los, buscamos a salvação em outro lugar muito longe de nós próprios, na esperança de receber de um Pai todo poderoso a proteção contra o desamparo, o lenitivo para as misérias e sofrimentos que nós mesmos criamos. É mais fácil imaginar-se salvo por Deus do que lidar com o peso da culpa nas noites mal dormidas, contemplando a inexorável finitude da vida, que não tem pena dos sonhos que deixamos pelo caminho, quando a morte nos alcança mais cedo do que esperávamos. E ela sempre chega mais cedo, sorrateira e imprevisível, sombria como o caixão em que somos esquecidos e abandonados aos vermes...

Mas pensei em pedir a Deus, mesmo assim: – Ele que se vire nos trinta, para realizar os meus desejos, fazer por mim tudo o que imagino merecer! – Arrogância pouca é bobagem!

Mas eu me lembrei de um pequeno detalhe: como poderia pedir a Deus que realizasse os meus desejos, se não acredito em Deus, nem no gênio da lâmpada dos contos das mil e uma noites? A vantagem de não acreditar no divino é não temer o demônio, seu contraponto indissociável, como o preto e o branco, o Yin e o Yang, a pecado e o perdão.

Deveria ter outro jeito de encontrar essa porcaria de chave. Ela é maldita mesmo! — Comecei a dizer em voz alta.

Mas algo me angustiava... De onde viria aquele aperto no coração, um leve odor de queimado? Viria da pele da alma em chamas? Achei que seria saudade! Mas saudade do quê? Se eu decidi fugir das imperfeições do mundo, para ser escritor, eu que me aguente com os “comigos” de mim mesmo! O quarto se tornou o meu claustro, de onde só as palavras escapam... pelo buraco da fechadura.

Saudade do que perdi, quem sabe; saudade do que deixei de ter, pelo simples medo de tentar! Saudade, talvez, dos sorrisos, que ignorei, por estar ocupado em outras questões, agora sem importância!

E ainda dizem que o tempo não para! Gente inocente, mal sabe que a saudade faz parar o tempo. Leis da física? Que me importam as leis, se a saudade repousa na memória do coração?

Eu quero essa maldita chave! — Dizia, aflito e angustiado. Aquele adjetivo — "maldita" — sempre martelava a minha cabeça, quando me lembrava da chave que poderia me libertar da autodestruição... Atos falhos revelam os desejos que o ego reprime nas sombras do inconsciente. A chave poderia romper o ciclo da autossabotagem, o vício nos prazeres sem dor, na ilusória proteção do quarto fechado, dando-me o que o id me negava: a realidade que também traz sofrimentos, mas amplifica a experiência de prazer dos instantes de alegria. Que seja infinito enquanto dure, diria o poetinha Vinícius de Moraes.

Um dia, não sei se por coragem ou por medo, movido, talvez, pela saudade da vida de cores difusas, de perigos ocultos e desafios imponderáveis, da vida sem a tediosa proteção do quarto, percebi que a fechadura fora trancada por dentro, e a chave, a bendita chave dourada que me libertaria de mim mesmo, sempre estivera no meu próprio bolso.

Abri a porta, rasguei o véu do esquecimento e descobri a vida, com seus montes escarpados e vales floridos, alegrias e tristezas que escondem o tédio.

Ainda não se inventaram armaduras contra as dores! Mas é preferível andar à beira do precipício a se proteger numa fortaleza de gelo. É só aprender a voar e não ter medo do abismo:

“Mas quem ousaria
 ser hóspede aqui,
ser teu hóspede?...
Uma ave de rapina, talvez,
que se apega aos cabelos
do firme sofredor
em maldosa alegria, com louca risada,
risada de ave de rapina...
Por que tão firme?
— ela zomba cruel:
é preciso ter assas, quando se ama o abismo...
é preciso não se pendurar
como tu, pendurado!”
(NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. “Entre aves de rapina”, um dos nove poemas da série “Ditirambos de Dionísio”, que recebeu, na edição brasileira, o título de “Canções de Zaratustra”).

Cutuquem-me sem pudores e amenidades elegantes; tirem o carnegão dos meus tumores; arranquem a casca pútrida que encobre as minhas feridas. Eu me alimento do oxigênio que purifica a podridão do meu ser.

Mas é preciso ter asas, quando se ama o abismo! E eu, poeta e caminhante da vida, alma que luta contra moinhos de vento, resolvi criar asas.

Agora sou livre, sem fechaduras invisíveis que me aprisionem a alma!

Cansado dos direitos; só desejo encontrar os meus avessos!

O que me preocupa, agora, não é sair da gaiola, mas saber o que fazer fora dela, sem perder o tesão pelo doce perigo de andar à beira do abismo, soltando pipas ao vento, para viajar nos sonhos.

O mais difícil não é amadurecer, mas continuar menino...

Depois de dilacerar a alma, rasgando a pele sensível e me despojando dos falsos invólucros da persona, alcancei algumas verdades sobre mim mesmo.

Como disse Hegel,

"O espírito só alcança sua verdade à medida que se encontra a si mesmo no dilaceramento absoluto." (Hegel, Georg Friedrich Wilhelm. Fenomenologia do Espírito. p. 16).

 A mesma chave que tranca o coração, ironicamente semeia a liberdade! Vou usá-la sem medo. Finalmente, descobri que o essencial é viver!

Um dia desses, quando um parente qualquer postar a notícia do meu sepultamento, entre lágrimas fingidas e encenações de saudade, serei como um poeta encantado, ao menos na melancolia do destino. Se pudesse sentir algo, mesmo depois da morte, saberia o que sentiram as testemunhas no velório do poeta Blas de Otero:

“Nem dez pessoas iam aos últimos recitais do poeta espanhol Blas de Otero. Contudo, quando Blas de Otero morreu, muitos milhares de pessoas acudiram à homenagem fúnebre que se fez numa arena de touros em Madri. Ele não ficou sabendo.” (GALEANO, Eduardo. El libro de los abrazos. Ediciones la Cueva. p. 52) (A tradução do original em espanhol é minha).

Será esse o meu fadário? Só a minha morte o dirá... Quando será esse dia? Ainda não tenho planos...

A quem me perguntar o que ando fazendo, direi, apenas, que andei semeando poesia e colhendo liberdade.

“A quem me alugar? Que besta é preciso adorar? Que santa imagem atacar? Que corações destruirei? Que mentira devo sustentar? Sobre que sangue caminhar?” — Perguntava-se Arthur Rimbaud, “l’enfant terrible (“a criança terrível”) da poesia francesa (Arthur Rimbaud, “Uma Estação no Inferno”: “Mau sangue”).

Cabe ao poeta desnudar as máscaras da conformidade resignada, demolir as barreiras da falsa moral burguesa, desfazer as certezas confortáveis e rotas, para iluminar as sombras desse universo que caminha apesar de nós e malgrado os nossos desatinos.

Como um andarilho do tempo, que vai se reencontrando enquanto caminha, ele semeia poesia e colhe a liberdade de ser tudo que ele na verdade é.

O poeta não carece de drogas, para desregrar os sentidos; ele é a própria droga; e você, leitor, a pobre vítima do seu inebriante mel...

Por enquanto, só desejo agradecer as 60.000 visitas que recebi no meu Blog, um feito inesperado para alguém que não publica selfies e memes, um ser que destila o seu ascetismo nos ermos do mundo virtual, sem contatos ou interações — ao menos físicas — com os bem-aventurados!

Quando eu morrer, que se inscreva na minha lápide: “nasceu como todos e morreu como ninguém.” E que todos proclamem aos quatro ventos: “esse malfadado escritor teve raros prazeres na vida, e um deles foi caminhar na contramão atrapalhando o tráfego.”

O verdadeiro escritor deve sentir na pele o fogo das suas paixões, deve dar voz aos que morreram de tédio, dar um coração aos nostálgicos enclausurados no medo.

É tempo de encontrar as histórias que se perderam nos porões da existência virtual, de libertar as memórias aprisionadas pela insensibilidade da negação.

Quando a saudade se fez sonho, um grito se libertou do silêncio. O silêncio se fez palavra; a palavra se fez luz; a luz mostrou o caminho, e comecei a escrever o que os heróis não contam:

Era uma vez, em um Reino muito distante, um escritor que se perdeu das palavras, e as encontrou, solitárias, nos ermos do tempo...

Jorge Araken filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.



segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Esse louco amor chamado paixão

Esse louco  amor chamado paixão

Que felicidade! Finalmente, você encontrou a metade que lhe falta(va), a pessoa perfeita, enfim, o amor da sua vida!

E demorou tanto para encontrar.... Não foi mesmo?

Meu amigo, vai se tratar que isso é carência afetiva! Você precisa de tratamento, e não de alguém que preencha a sua incompletude.

Acorde antes do precipício! Ninguém é metade de ninguém.

Se eu desejo presenciar a sua queda?

Nem de longe! Só quero que você aprenda a voar antes de começar a cair...


Jorge Araken Filho, apenas alguém que vai morrer na contramão atrapalhando o tráfego.

domingo, 25 de setembro de 2016

Quando não querem agir, muitos prometem...

Quando não querem agir, muitos prometem...

Por isso, desaponte-os logo de uma vez, corte com gilete as expectativas alheias.

É sempre melhor do que carregar o fardo de uma promessa que você não deseja cumprir.

Quanto a mim, eu crio demônios, e não expectativas...

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.




Castelos de areia e afetos fingidos

Castelos de areia e afetos fingidos

O que dói, muitas vezes, não é perceber que o ser amado não deseja estar ao seu lado, mas ver que ela(e) não consegue fingir o sentimento que você deseja em troca.

Nesse ponto do destino, quando você constrói o seu castelo de ilusões, a sinceridade dela(e), como uma onda poderosa, desfaz cada grão de areia do seu abrigo ilusório.

Tem gente que nos impede até de alimentar ilusões, e essas, as que não conseguem fingir afetos, são as melhores... Com elas, só perdemos tempo sonhando a vida amorosa, quando temos medo de enfrentar a banalidade do nosso poder de sedução.

Aproveite que ela(e) não consegue fingir um sorriso ao seu lado e aprenda a sorrir sozinho(a). De repente, e sem perceber, você se tornará sedutor(a)...


Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.


O velho e o mar

O velho e o mar

Quem sou eu nesse momento da vida? Será que me tornei o bem-aventurado dos sonhos da infância, o ser humano cheio de vida, que estudava italiano, francês e inglês, que sentava aqui mesmo, diante de ti, Oceano, fazendo planos para superar as vagas incessantes que o separavam da felicidade em algum ponto do horizonte?

No meio do caminho, ainda sentado diante de ti, oceano de ilusões, eu começo a ver, embaçadas e difusas, as ilusões coloridas daqueles anos que não voltam mais. Começo a te culpar pela minha própria paralisia, e vou chamando a tudo de destino.

As línguas dessa Babel — que chamam de mundo — só me serviram para o olvido, para vestirem de fantasia as viagens fantásticas que nunca fiz e, malgrado o tempo que resta, jamais farei. Doces fantasias... Nada do que vai ser, nos dias, anos e meses que ainda me restam, será do que jeito que já foi um dia...

As suas águas rolaram, muitas marés inundaram essas areias escaldantes, muitos planos nasceram e, sem embargo das oportunidades, acabaram sepultados na espuma das tuas águas revoltas.

Um dia cheguei a sonhar... Acredite-me, Netuno, Deus dos mares, eu sonhei um dia... Mas acabei afogando o sonhador na maré dos meus desenganos.

Agora, mirando o infinito, vejo que a felicidade não estava no paraíso que repousa do outro lado da tua imensidão. Ela deveria estar comigo esse tempo todo, aqui mesmo nessa praia de areias claras, nesse ondear das tuas águas sem fim.

Busquei noutras línguas e na doce quimera de terras longínquas o combustível para as viagens que nunca haveria de fazer. O puro conhecimento jamais me moveu. Não as estudei por deleite, nem para ostentá-las em versos e trovas, mas para viajar sem destino. Eu só queria singrar os mares, mas nunca superei a tua arrebentação inclemente...

Se o estou acusando de criar as tormentas que, sorrateiras e caprichosas, sempre me lançaram de volta à praia? Nem de longe, oceano de liberdade! Sou prisioneiro de mim mesmo. Sou o carcereiro e o próprio cárcere, o cativo e o sequestrador de esperanças e sonhos. E o pior é que me apeguei à masmorra do meu próprio castelo.

Não posso dizer que a minha existência foi um tempo perdido, que as línguas que aprendi e desaprendi, as horas que passei diante de ti foram em vão!

Talvez por autopiedade, aprendi que o grande barato era contemplar as tuas águas e não transpassá-las; era mirar o infinito das tuas possibilidades, e não desvendá-las; era imaginar os teus mistérios, e não me desiludir com a realidade desse mundo que tu escondes muito além do horizonte, esse lugar secreto em que a minha vista jamais haverá de repousar.

Quando já te imaginava traiçoeiro, tu me revelas o segredo da tua força, o móvel do teu agir: tu me protegias da realidade que eu — humano frágil e contingente — não conseguiria suportar... Crianças morrem no Mediterrâneo, o “Mar do Meio”, ironicamente o berço e, também, o túmulo da humanidade...

Obrigado, Oceano sem fim, por não me roubar a esperança! Mirando-te daqui, com a brisa salgada lambendo o rosto, só percebo os meus sonhos...

Fiquei, em vão, a esperar o que já me davas desde o início: paz de espírito!

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.

Post Scriptum: embora o meu texto nada tenha a ver com "o velho e o mar", de Ernest Hemingway, o título é uma singela homenagem que tenho a honra e a felicidade de fazer ao grande escritor norte-americano.