quinta-feira, 28 de julho de 2016

O ouro olímpico do vira-latismo tupiniquim vai para... você!

O ouro olímpico do vira-latismo tupiniquim vai para... você!

O que mais me espanta, na alma tupiniquim, é o complexo de vira-latas dos brasileiros, essa obsessão em depreciar o que é nacional e, por contaminação, desvalorizar a cultura produzida na América latina.

Quanto mais existo, mais me admiro com a genialidade do grande Nélson Rodrigues, quando falava da seleção de 1958, antes da Copa do Mundo que acabamos vencendo:

“Hoje vou fazer do escrete o meu numeroso personagem da semana. Os jogadores já partiram e o Brasil vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda parte, há quem esbraveje: “O Brasil não vai nem se classificar!”. E, aqui, eu pergunto:
— Não será esta atitude negativa o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado?
Eis a verdade, amigos: — desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 2 x 1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O tempo passou em vão sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há oito anos, que, aos berros, Obdulio arrancou, de nós, o título. Eu disse “arrancou” como poderia dizer: “extraiu” de nós o título como se fosse um dente.
E hoje, se negamos o escrete de 58, não tenhamos dúvida: — é ainda a frustração de 50 que funciona. Gostaríamos talvez de acreditar na seleção. Mas o que nos trava é o seguinte: — o pânico de uma nova e irremediável desilusão. E guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagino uma coisa: — se o Brasil vence na Suécia, se volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar no hospício. 
Mas vejamos: — o escrete brasileiro tem, realmente, possibilidades concretas? Eu poderia responder, simplesmente, “não”. Mas eis a verdade: 
— eu acredito no brasileiro, e pior do que isso: — sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Tenho visto joga dores de outros países, inclusive os ex-fabulosos húngaros, que apanharam, aqui, do aspirante-enxertado do Flamengo. Pois bem: — não vi ninguém que se comparasse aos nossos. Fala-se num Puskas. Eu contra-argumento com um Ademir, um Didi, um Leônidas, um Jair, um Zizinho.
A pura, a santa verdade é a seguinte: — qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma:
— temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de “complexo de vira-latas”. Estou a imaginar o espanto do leitor: — “O que vem a ser isso?” Eu explico.
Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos “os maiores” é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Por que, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: — e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: — porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.
Eu vos digo: — o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo.
O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que ele se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota.
Insisto: — para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão. (RODRIGUES, Nélson. “As cem melhores crônicas brasileiras”. Editora Objetiva, Rio de Janeiro. p 118-9).

O grande Nélson Rodrigues, imune ao vira-latismo nacional, foi um dos poucos que acreditou na seleção de 58...

A razão desse complexo de inferioridade é bem simples, e podemos buscá-la na formação da identidade nacional, sempre contaminada pela ideologia do paternalismo colonialista (branco e europeu), um desejo autofágico dos vira-latas tupiniquins, que se gratificam ao afagar paradigmas e interesses dos países centrais do mundo globalizado.

 A mente estreita de alguns brasileiros e a baixa autoestima de outros — assimiladas com ironia autodepreciativa — constituem campo fértil para o complexo de vira-latas dos intolerantes à brasilidade. Esse é um processo estimulado pelas grandes corporações estrangeiras e suas intenções escusas.

Subjacente à crítica autofágica que fazem à cultura nacional — em alguns casos, preconceituosa — está o desejo estrangeiro de estimular o consumo de bens e produtos importados, uma forma velada e perversa de reproduzir os ciclos econômicos do sistema colonial. O “bondoso” Cabral continua oferecendo seus espelhinhos em troca das nossas riquezas...

Quanto mais avançamos na escala “evolutiva” (ou involutiva), mais nos aproximamos das sociedades industriais modernas, as sociedades do desperdício, o mundo bem-aventurado dos que têm mais escolhas do que necessidades, embora, nas savanas da África, a fome ainda seja uma realidade desumana, também presente no Brasil, no Haiti e em muitos outros países, tristemente submetidos ao regime moderno de espoliação, eufemisticamente chamado de globalização.

O conceito de "aldeia global", criado pelo filósofo e educador canadense Marshall McLuhan — bonito na aparência e nos conceitos teóricos —, revela, contudo, a sua face perversa e excludente, para quem vive na periferia do mundo globalizado. Essa “aldeia global”, quando separamos o joio do trigo, inclui, de forma ampla e hegemônica, os países centrais, que usufruem de plena liberdade de escolha, mas exclui os periféricos, que ficam com as sobras, cabendo-lhes, quando muito, alimentar as rodas do capitalismo global com a sua subserviência elogiosa e mão de obra barata.

Sem qualquer pretensão sociológica, ouso afirmar que essa desigualdade me parece o exemplo perfeito da Lei de Pareto, segundo a qual, para os fatos humanos, 80% das consequências advêm de 20% das causas. Sem dúvida, Joseph M. Juran — que lhe deu esse nome em honra ao economista italiano Vilfredo Pareto — estava certo, em especial quando falamos dos efeitos perversos da globalização, porque 20% dos países, chamados de centrais, usufruem de 80% dos bens, enquanto os 80% de países restantes, os periféricos, ficam com apenas 20%. Sem falar que, dentro desses países periféricos, os 20% mais ricos gozam de 80% do bolo, restando, para os 80% mais pobres, apenas 20% dos bens de consumo.

Nas sociedades emergentes, como a nossa, que se espelham nos países centrais, o grande sonho é usufruir a mesma liberdade de escolha dos ricos e abastados, se possível com lançamentos simultâneos de produtos de alta tecnologia, sempre produzidos fora do Brasil, como se a felicidade estivesse atrelada à possibilidade de escolher entre mil opções de um determinado produto, em sua maioria importadas. Feliz, nessa visão estreita, é quem pode importar o que não precisa; é quem pode viver nos países centrais do mundo globalizado ou, pelos menos, consumir o que eles nos vendem como símbolos da bem-aventurança. Jogos Olímpicos bem realizados, para os vira-latas da brasilidade, são sempre os que se realizam nas metrópoles coloniais.

A própria ideia de democracia que nos vendem já se conecta, de forma implícita e subjacente, com a liberdade de escolher os bens supérfluos que eles nos oferecem como necessários, direito que deriva, por sua vez, da maior facilidade de acesso aos bens de consumo, índice que mede, inclusive, o desenvolvimento dos países periféricos, embora não represente, necessariamente, o bem estar e a felicidade das pessoas.

Complexados, como vira-latas da periferia, projetamos a nossa riqueza cultural e identidade no modelo difundido pelas metrópoles centrais do mundo globalizado, menosprezando o que não é espelho dos países hegemônicos.

Quanto maior o acesso ao “american way of life”, quanto mais variados os bens disponíveis, numa escala infinitamente crescente, mais desenvolvido é o País, segundo o dogma da liberdade absoluta e ilimitada das escolhas. Não se leva em conta a qualidade do consumo, nem a desigualdade na sua distribuição entre as classes sociais.

Contudo, nem sempre a maior liberdade de escolha significa bem-estar ou felicidade, trazendo, ao contrário, a eterna sensação de incompletude, quase uma insatisfação crônica com as nossas escolhas tupiniquins. E essas escolhas são percebidas, ilusoriamente, como exercício de liberdade, mesmo quando depreciam a cultura e os produtos nacionais e, afagando o que é produzido nos países centrais do mundo globalizado, resultam de propaganda maciça e subliminar, incutida nas crianças desde a mais tenra idade.

De tanto viver sob o jugo dos colonizadores, apegamo-nos a eles. É a síndrome de Estocolmo dos colonizados mentais. Tudo que vem de fora é sempre melhor do que o que produzimos na "terra brasilis", mesmo para os que desconhecem as mazelas que campeiam por lá. Nem vou mencionar a exclusão xenofóbica dos africanos e asiáticos na Europa moderna, que fede a limpeza étnica, com viés nitidamente eugênico.

Peço, apenas, que leiam os deboches e comentários de ódio e intolerância sobre os Jogos olímpicos do Rio de Janeiro, que se espalham como vírus nas redes sociais, baseados, quase sempre, em notícias falsas ou boatos. Só assim, com senso crítico e sem vira-latismo colonizado, poderão compreender o que estou dizendo...

Basta que um australiano — louro, rico, alto e de olhos azuis — abra a sua grande boca colonizadora, para que os colonizados gozem de prazer autofágico, confirmando a sua mediocridade de vira-latas.

Jorge Araken filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.






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