sábado, 28 de maio de 2016

Narcisismo digital

Narcisismo digital

Diante do absoluto desconhecimento da Mitologia greco-romana, por culpa, em parte, da educação moderna, que desconstruiu a dialética e inventou os acumuladores de dogmas, seres engessados em certezas absolutas, introjetadas sem reflexão — essa mesma educação que fabrica, em “mass production”, uma legião de autômatos programados para marcar com um “x” as escolhas inflexíveis de algum examinador de conhecimentos homogeneizados —, sinto-me obrigado a iniciar pela origem da expressão narcisismo.

Segundo a versão mais conhecida do Mito de Eco e Narciso, a Deusa Hera, esposa de Zeus, suspeitando dos passeios do marido com as Ninfas, mandou chamar Eco, a Ninfa tagarela, conhecida por distrair os Deuses do Olimpo com as suas histórias. E mandou chamá-la por saber que ela era a única que jamais cedera ao assédio do insaciável Zeus. E esse foi o seu erro...

 Enquanto Eco falava sem parar, distraindo a Deusa enciumada, Zeus a traía com outra Ninfa. Percebendo o engodo, Hera condenou-a a repetir, por toda a eternidade, as últimas palavras que ouvisse.

Tímida e envergonhada, por não ser capaz de iniciar um diálogo, a jovem Ninfa escondia-se nos bosques, seguindo os passos de Narciso, o jovem filho de Cefiso e Liríope, por quem se apaixonara perdidamente.

Mesmo sendo belo e formoso, Narciso não podia se olhar no espelho. Sobre ele, pesava um encantamento: viveria enquanto não visse a própria imagem. 

Apesar de segui-lo em seus passeios diários, a Ninfa permanecia oculta na floresta, envergonhada da sua condição, mas cultuando de longe, quase entorpecida, a incomparável beleza do jovem Narciso, a mais bela das criaturas que já existiu.

Por sua beleza, Narciso encantava as mulheres. O próprio nome "Narciso", no original grego (narkhé), significa torpor, uma metáfora para a sensação de entorpecimento e embaraço dos sentidos que a sua beleza provocava em quem o contemplava.

Certo dia, suspeitando estar sendo seguido, Narciso perguntou:

— Quem está aí?

  Em resposta, escutou:

— Quem está aí?

— Alguém aí? — insistiu Narciso.

— Alguém aí? — foi a reposta de Eco.

Encantado com a estranha voz, que repetia as suas palavras, ele gritou mais uma vez:

— Por que foges de mim?

E ouviu:

— Por que foges de mim?

 Antes de desistir, Narciso tentou uma última vez:

— Juntemo-nos aqui!

Incapaz de declarar o seu amor pelo jovem Narciso, Eco respondeu:

— Juntemo-nos aqui!

Enquanto Eco, impotente diante da condenação de Hera, repetia as palavras de Narciso, o belo jovem só escutava as suas próprias palavras.

Triste e desiludida, Eco retirou-se para as profundezas do bosque, chorando por muitos dias. Cansada da sua eterna sina, ela orou a Afrodite, implorando à Deusa do amor e da beleza que ceifasse a sua vida.

 Escutando as suas preces, Afrodite comoveu-se com o destino de Eco. Para ajudá-la, chamou a Deusa Artêmis e, juntas, combinaram um plano para que Narciso se encantasse com a jovem Ninfa.

Decidiram furtar um raio de Zeus (Não se assuste: na mitologia Greco-romana, os Deuses cometiam pecados), colocando nele um encanto: quem fosse atingido pelo raio, apaixonar-se-ia perdidamente pela primeira pessoa que olhasse.

Pediram a Eco que se escondesse perto do lago, até que Narciso se aproximasse para dar de beber ao seu rebanho. Assim que Artêmis o acertasse com o raio encantado, Eco deveria aparecer diante dele. Narciso se apaixonaria e eles seriam felizes para sempre. Um plano perfeito...

Mas algo saiu errado...

No instante em que Artêmis o acertou com o raio encantado, o jovem debruçou-se sobre o lago, para saciar a sede. Mesmo não sendo essa a intenção do encantamento, foi ele mesmo a primeira pessoa que viu, depois de ser atingido pelo raio de Zeus. Acabou enfeitiçado mais uma vez, apaixonando-se por si mesmo.

Paralisado por sua beleza, refletida na água, Narciso se afoga em sua própria imagem, cumprindo-se, assim, o encantamento anterior, que sobre ele pesava, de que morreria, se visse o próprio reflexo no espelho.

Moral da história: narcisistas — os que agem como Narciso — só aceitam no outro o que é eco da sua própria fala, ou seja, só percebem o seu próprio eu refletido e projetado no outro.

Narcisismo, entretanto, não é só exibir a cauda do pavão, enfim, não é só o identificar-se diante de si próprio e dos outros com uma imagem de sucesso, de engrandecimento do ego ou de beleza, como ocorre no Mito.

Narcisismo pode ser, também, o eterno identificar-se com o fracasso, com o apequenamento do ego, o fascínio com a autoimagem da tristeza e da derrota, o autodesprezo com o qual o narcisista se encobre e se apresenta para o outro.

A ladainha do "ninguém me quer", "ninguém me chama de meu amor", "eu expio os pecados do mundo", "eu não consigo", "vou me matar", quando passa a identificar a imagem com a qual eu me apresento diante do outro, também é investimento narcísico.

Em outras palavras, falar bem ou mal sobre mim mesmo, fazendo desse monólogo a identidade com a qual eu me apresento diante do outro, é narcisismo.

Quando passamos a investir a nossa energia psíquica nessa imagem, bela ou feia, com a qual nos identificamos, sem lançar outra perspectiva para o olhar sobre nós, acabamos servos desse fascínio pela nossa própria condição, deixando de ver a riqueza multifacetada da vida humana.

Ninguém deve ser espelho de nós mesmos! Ou seja, não devemos receber do outro apenas o nosso eco.

Mas esse novo olhar, esse relacionar-se com o outro em busca de algo além de mim mesmo, é um processo doloroso, que muitos nunca conseguirão superar. Raros, na verdade, são os que não se "afogam" em sua própria imagem refletida no espelho d'água.

Apesar das dores que experimentamos nesse processo, quando nos esvaziamos dos excessos do narcisismo, enxergando e aceitando o que não é espelho, deixamos a posição de centro do universo e caminhamos, paradoxalmente, para nós mesmos.

Só a liberdade desse Narciso que nos fascina e que nos escraviza pode nos assegurar que estamos caminhando para revelar o que ocultamos por trás da cortina do narcisismo.

Será que você conhece o avesso do Narciso que habita a sua mente?

Suspeito que não!

Por isso, esvazie-se de si mesmo e pare de investir a sua energia psíquica na falsa imagem que alimenta sobre o seu ego! Veja-se olhando para dentro, e não para o espelho. Para não se identificar, diante do outro, com a visão distorcida que tem sobre si próprio, projete-se menos. Não use o outro para ver, como se estivesse fora, o que não admite estar em si mesmo.

Só aceitando o que não é espelho, sabendo, enfim, o que é seu ao olhar o outro, vendo as suas próprias sombras, sem projetá-las no outro, você poderá se libertar das correntes do narcisismo, que se alimenta da necessidade de reconhecimento e aceitação. Dessa forma, você será capaz de se ver e de se mostrar como você verdadeiramente é.

O narcisismo é o pior dos mecanismos de defesa do ego, já que nos impede de olhar para fora. Mesmo quando vemos o outro, na verdade estamos nos vendo.

E quando nos projetamos em alguém, limitando o outro ao que é espelho, acabamos criando, dentro de nós, o monstro que haverá de nos devorar.

Narcisismo é quando a fala aparece mais do que a escuta, a forma mais do que a essência, o continente mais do que o conteúdo, a versão mais do que o fato, a fantasia mais do que a realidade, a imagem do corpo mais do que a sua linguagem.

O grande mal dos relacionamentos, verdadeira chave para a infelicidade a dois, é só percebermos o outro, quando ele é espelho dos nossos desejos.

Como disse o poeta Caetano Veloso, em Sampa:

"Quando eu te encarei frente a frente,
e não vi o meu rosto,
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto.
É que Narciso acha feio o que não é espelho."

Somos essencialmente narcisistas e autocentrados, rejeitando o que não reflete os nossos desejos. Obcecados pelo próprio umbigo e cegos à diversidade, só enxergamos o que nos parece espelho das nossas pulsões e desejos.

Quando a pessoa com quem nos relacionamos, seja no amor, seja na profissão, é diferente de nós, quando contraria as nossas expectativas, simplesmente a rejeitamos, entendendo essa negação, voluntária ou involuntária, dos nossos desejos como um ato de hostilidade. A pessoa que não nos parece espelho — feia, portanto, aos nossos olhos! — revela-nos o que não gostamos de ver em nós mesmos, agredindo, assim, os nossos desejos e pulsões mais profundos, quase sempre inconscientes, que invadem o ego em busca de satisfação.

E quando nos sentimos agredidos, simplesmente reagimos...

Bem conhecido é o narcisismo digital em sua forma clássica, o enaltecimento do próprio ego, a propagação de virtudes imaginárias nas redes sociais. O objetivo do narcisista é fazer o mundo girar em torno de si mesmo, é fazer-se tema dos diálogos com os amigos, não porque esbanje autoestima, mas para compensar a sua falta com o autoelogio de virtudes que ele deseja ter, mas não reconhece em si mesmo.

Na verdade, a coceirinha narcísica é incontrolável, nascendo da luta entre os princípios da realidade e do prazer. O ego, no seu papel de mediar o conflito entre as instâncias psíquicas, negociando e harmonizando as exigências do id e do superego, acaba percebendo que a realidade é diferente, que, talvez, o autoelogio seja falso. Quando isso acontece, tenta refrear os impulsos que se esforçam para emergir do inconsciente, as forças que o compelem a experimentar o prazer na ilusão do eu ideal, aquele que é propagado nas redes sociais. Premido pela realidade prosaica e simplória do self, o ego tenta fazer o sujeito cair na real, nem sempre com sucesso.

Mas a forma de narcisismo digital que me interessa, nesse momento, é mais sutil, e raramente se percebe como inquietação narcísica. É a compulsão ao autoaniquilamento virtual.

É o exibir nas redes sociais o autoaniquilamento psíquico, o esgarçamento progressivo do ego, para que o público o assista em contemplação piedosa. Isso também é narcisismo, embora o público reaja como os abutres em busca de carniça.

Apesar da pulsão autodestrutiva, que flerta com o masoquismo, a pessoa deseja, ainda assim, ser o para-raios da atenção virtual, o centro desse universo hedonista e inconsequente, mesmo que, para capturar a plateia, precise desconstruir-se em público.

Para os autossabotadores, esses cujo ego não consegue reprimir minimamente a pulsão autodestrutiva, que emerge à consciência em busca de gratificação, ser dissecado em público em espetáculos de autopiedade é melhor do que permanecer no limbo da indiferença virtual.

Essa compulsão a se tornar vidraça, mostrando-se vulnerável, também é narcisismo.

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.








Mecanismos de defesa do ego

Mecanismos de defesa do ego

O problema dos mecanismos de defesa do ego contra as pulsões e afetos — especialmente das negações, formações reativas, projeções, identificações e fantasias — é que são eles inconscientes, ou seja, rejeitamos qualquer luz que, eventualmente, seja lançada sobre a nossa vida pulsional, negando, mesmo sem perceber, mas de forma obstinada, todo o vasto mundo recalcado pelo ego, o universo das sombras, pulsões, fantasias e desejos.

As manifestações defensivas do ego diante das exigências das outras instâncias psíquicas — id e superego — não são percebidas no plano da consciência, tornando mais difícil e, por vezes, doloroso o processo de irrupção dos recalcamentos, para que sejam, enfim gratificados.

Abaixo da sua consciência, como a parte submersa de um iceberg, existe um vasto mundo de sombras que o seu ego se recusa a aceitar.

Por isso, o que mais dói, no processo de amadurecimento, é descobrir, desiludido e melancólico, mas tarde demais, que não somos nada parecidos com a imagem que projetamos no mundo.


Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.




“Autoestupro” ou “estupro à brasileira”

“Autoestupro” ou “estupro à brasileira”

Poder-se-ia esperar por algo, além da barbárie, em um país que acaba de criar um novo tipo penal, o “autoestupro”?

Segundo alguns internautas — de mente distorcida pelo narcisismo machista —, basta que a os autores sejam traficantes ou membros de gangue, e a mulher esteja por perto, para que a autoria do estupro se desloque para a vítima.

É mais ou menos como o caso daquele rapaz de classe “A”, que trafega pela Avenida Brasil, aqui no Rio de Janeiro, a caminho da Região dos Lagos. Ele dá uma paradinha na Vila do João, com a sua Range Rover, para comprar a maconha recreativa do fim de semana. Se for morto a marretadas, com requintes de crueldade e tortura, “é claro” que a culpa será dele, vítima, por estar com as pessoas erradas.

“Mutatis mutandis”, essa é a nova “teoria” penal das redes antissociais, ao menos para os neuróticos e psicóticos, quando envolve a filha ou o filho dos outros. . .

Quem sabe, agora, com esse novo tipo penal, os estupradores adotem um perfil mais eclético, para alcançar a impunidade? É só criar uma gangue e estuprar quem estiver por perto. . . Seria esse um “crime perfeito”?

Diriam os Engenheiros do Hawaii:

“Somos suspeitos de um crime perfeito
Mas crimes perfeitos não deixam suspeitos.”

Por favor, parem o trem que eu estou enjoado. . .

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.




sexta-feira, 27 de maio de 2016

O primeiro “não” o machão nunca esquece!

O primeiro “não” o machão nunca esquece!

Você está mesmo apaixonado ou é o seu narcisismo machista que não sabe lidar com o não que ela lhe deu?

Seja menos egocêntrico!

Quem sabe, baixando a bola ao nível dos seus neurônios de macho ofendido em sua masculinidade arrogante, ela enxerga algo além da insignificância com a qual você se define para o mundo?

Não custa tentar. . .


Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos  do tempo.


Azar com os homens

Azar com os homens

"Eu não tenho sorte no amor!" – Disse a “coitadinha” do Facebook.

Você não tem azar com os homens! O nome disso é mau gosto! Quem os escolheu foi você. Na verdade, as ilusões eram suas, e as expectativas também.

Sabe qual é o seu problema? Você vive essa fantasia de que está sempre certa e eles, errados. Começo a imaginar que esse azar com os homens, na verdade é o momento de sorte deles, livrando-se de você...

Não gostou do que eu disse? Pode até me odiar, que não vai fazer diferença para mim, mas pense nisso antes de dormir. A errada pode ser você, que não sabe o que procura e, quando encontra, não percebe que achou...

A maior parte do problema é você!

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.








A culpa é sempre do estuprador, e não da vítima!

A culpa é sempre do estuprador, e não da vítima!

O espaço onde a mulher caminha pode ser público, a sua saia pode ser longa ou curta, ela pode até estar nua, mas o seu corpo não é público.

O problema é que nem sempre é fácil distinguir o lobo do cordeiro, que andam, amiúde, em posições trocadas: quando pensamos lidar com o cordeiro, na verdade estamos sendo devorados pelo lobo. Muitas vezes, o humano e o monstro convivem na mesma pessoa, como Dr. Jekyll/ Mr. Hyde, o personagem esquizofrênico de Robert Louis Stevenson. Por isso, algumas mulheres podem confiar em um empresário de sucesso ou em um conhecido político — o bondoso Dr. Jekyll —, sem perceber que, de fato, estão prestes a serem estupradas pelo abominável Mr. Hyde...

A culpa nunca é da vítima, nem mesmo quando ela, sendo inocente ou incauta, confia no lobo, imaginando tratar-se de um cordeiro!

Estupro não é sexo, é violência!

Nenhuma mulher merecer ser estuprada!

A culpa é sempre do estuprador!

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.
  

É nostalgia ou o presente é que está uma merda?

É nostalgia ou o presente é que está uma merda?

Antes de responder à indagação inicial, preciso falar da solidão, um sentimento de vazio e desencontro, uma profunda sensação de isolamento que inquieta a alma, mas anima o escritor e desperta a sua criatividade.

Solidão é quando todos se vão, por escolha própria ou porque os afastamos de nós; é o instante em que percebemos, com nostalgia, que não há ninguém ao nosso lado, para secar a lágrima furtiva que denuncia as ilusões perdidas. Só algumas fotografias na carteira, já amareladas e sem brilho. . . O tempo é cruel, até com as nossas memórias!

Por isso, devemos estar conscientes de que a nostalgia é um peso desnecessário a ser carregado, um fardo que nos faz olhar para o lado errado. Caminhar de costas para o futuro, demonizando o presente, para evocar um passado idealizado, é sem dúvida a direção do abismo, o ponto de não retorno, o buraco negro que engole a mente na mais profunda depressão.

Mas solidão é exatamente essa ruptura; é não ter para onde voltar. Contudo, talvez seja disso que eu esteja precisando, para me tornar menos nostálgico: alguém que não me reconecte com o passado, vivências solitárias que me permitam romper os laços da idealização romântica dos tempos vividos. . . Perceber, enfim, que chegou a hora de seguir em frente! O tempo que me resta é menor a cada dia que passa.

Sendo infeliz comigo mesmo, ninguém pode me fazer feliz! A ideia é ser feliz sozinho, antes de romper a solidão que me corrói. E assim, reconstruindo as minhas personas, encerrar o diálogo com o espelho, conectando as duas metades que me habitam.

Ao traçar o caminho para mim mesmo — processo que Carl Jung chama de individuação —, só desejo me experimentar como totalidade, unindo as diferentes porções do meu self, especialmente as antagônicas, para me reconciliar, equilibrando as alegrias e os sofrimentos da vida, a tristeza e a felicidade, na eterna busca por harmonia.

Ninguém pode me fazer feliz, se eu não estiver feliz comigo mesmo. Mais do que imaturidade, é egoísmo condenar alguém a compartilhar felicidade com uma pessoa infeliz. . .

A nostalgia — essa estranha e pegajosa saudade de um passado idealizado, esse desejo, algumas vezes obsessivo, de retornar a uma situação de renúncia ou conflito que, agora, por filtros distorcidos, vemos como prazerosa — não indica que os afetos associados ao tempo vivido tenham sido pouco ou menos dolorosos. Ao contrário, sugere o desamparo do presente.

Essa coceirinha irresistível para voltar a um ex-amor ou a um velho emprego — incontrolável quase sempre — pode ser apenas o cheiro de podre que exala da relação ou do trabalho do presente, concebidos, provavelmente, para esquecer o passado e suas conexões dolorosas. Pode sugerir, também, uma reação imatura à solidão atual, o que a torna ainda mais opressiva. Nem de longe pode ser tratada como uma evidência de que o passado tenha sido realmente prazeroso.

Para carregar menos passado é preciso ressignificar o presente.

Respondendo à indagação inicial, confesso que o presente é que está uma merda. Se estivesse perfeito, porém, eu não lhe daria valor, assim como não dei ao passado, no tempo em que foi vivido. . . Só agora, depois de negar a dor do presente, é que o passado, nostalgicamente, tornou-se florido...

Então, eu só desejo morrer? Que nada! Viver é nunca estar satisfeito! Só a morte traz quietude, e ainda não estou pronto para os vermes desse mundo.

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.








Lembranças da ex-namorada

Lembranças da ex-namorada

É impossível seguir em frente, para quem guarda esqueletos no armário, bagagens não despachadas que vagam no limbo da posta-restante.

Não se iluda! Se o objeto do seu amor ainda cultiva lembranças da ex-namorada — presentes, bilhetes, mensagens, cartões postais, etc. —, a memória do coração, a mais duradoura de todas, ainda não se dissipou.

Posso até estar errado quanto ao objeto da sua paixão, mas não sei se você estaria disposta a pagar o preço. Em caso de dúvida, ame-se! Deixe que ele atravesse sozinho o seu próprio deserto.

Bagagens emocionais pesam mais do que você imagina. O preço do frete é alto e não vale o custo afetivo.

Se ele voltar para a ex-namorada um dia, ou até se escolher outra, jogando na sua cara a verdade que só você não queria ver — ou seja, que você não era a pessoa certa para romper os laços emocionais que ele tinha com o passado —, não me venha dizer que foi por falta de aviso que você ficou chupando o dedo!

Precisar de alguém não significa amar! Na maior parte das vezes, é só carência afetiva, uma obsessiva necessidade de preencher com ilusão o espaço vazio da sua incompletude.


Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.





Amor ou carência afetiva? Eis a questão!

Amor ou carência afetiva? Eis a questão!

Precisar de alguém não significa amar! Na maior parte das vezes, é só carência afetiva, uma obsessiva necessidade de preencher com ilusão o espaço vazio da sua incompletude.


Jorge Araken filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.





Morreu um grande artista ou escritor. . .

Morreu um grande artista ou escritor. . .

“Nem dez pessoas iam aos últimos recitais do poeta espanhol Blas de Otero. Contudo, quando Blas de Otero morreu, muitos milhares de pessoas acudiram à homenagem fúnebre que se fez numa arena de touros em Madri. Ele não ficou sabendo.” (GALEANO, Eduardo. El libro de los abrazos. Ediciones la Cueva. p. 52) (A tradução do original em espanhol é minha).

Será esse o fadário dos escritores e artistas?


Jorge Araken filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.


Transtorno Obsessivo Compulsivo

Transtorno Obsessivo Compulsivo

Você se aprisionou a pensamentos obsessivos e compulsivos, ideias que não consegue controlar e que são estranhas aos padrões da sociedade? Não consegue se libertar de comportamentos repetitivos e que não fazem sentido, atitudes desagradáveis e extremamente difíceis de evitar? Imagina que algo ruim pode lhe acontecer, se não forem cumpridos certos rituais que a sua mente concebeu sem qualquer lógica aparente? Costuma exagerar, sem motivo justificável, em regras de saúde, organização, higiene, simetria, perfeição, checagem, contagem, colecionismo ou em manias incontroláveis ou de difícil controle?

Cuidado, você pode ter uma doença mental chamada Transtorno Obsessivo Compulsivo, mais conhecido pela sigla TOC!

Trata-se de um distúrbio psiquiátrico de ansiedade, bem descrito na quinta edição do "Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais", o famoso DSM-V, como é conhecida a sua edição em inglês.

Consulte um Psiquiatra! Você pode estar doente.


Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.


quarta-feira, 25 de maio de 2016

O meu maior segredo?

O meu maior segredo?

Fazer parecer a todos que sei o que digo. Agora, que lhes confessei a minha ignorância absoluta, o nada que ocupa os meus devaneios, sinto-me livre, enfim, desse fardo que é ter sempre uma velha opinião formada sobre tudo. Finalmente, não tenho mais segredos. Não me perguntem, pois, o que apenas dou a ilusão de saber.

Consciente de que sei pouco mais do que nada, abandonei a antiga “persona” do vendedor de ilusões, deixando para trás a arrogância do saber que nunca possuí. Tornei-me, apenas, um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo. Recolho os despojos egocêntricos que os sábios deixam pelo caminho, as migalhas de ignorância que os tolos derramam nos prados ilusórios desse mundo virtual.

Não me pergunte por que ainda escrevo, depois de confessar que nada sei! Acho que é para gratificar o seu desejo obsessivo de saber muito mais do que eu. . .

Jorge Araken Filho, apenas um fingidor sem talento.








O direito de ser feliz

O direito de ser feliz

Devemos nos envergonhar da felicidade, quando outros sofrem próximos de nós? Ou ser feliz é uma escolha necessariamente narcísica, que abstrai os que sofrem nas esquinas da vida?

É disso que trata o livro “A Peste”, de Albert Camus, uma das melhores obras de todos os tempos, clássico atemporal e de várias leituras, sábio nos pretextos e rico no intertexto.

Camus nos fala de homens comuns, que se encontram com a morte, que a veem sentar-se à mesa ou à cabeceira dos que lhes eram queridos, homens que a sentem de perto, caminhando ao seu lado, mas tentam, ainda assim, preservar os últimos traços de humanidade.

Para se sentirem vivos, eles tentam preservar antigas rotinas, frivolidades do convívio social, velhos hábitos e costumes que os fazem alhear-se à morte, como se ela fosse algo distante, que toca outras vidas, e não as suas. Diante da peste, aquele mundo de aparências revela-se surreal e ilusório, um mundo em que a alienação os torna insensíveis ao sofrimento alheio.

Neste contexto, são primorosas as idas ao Teatro, que encena a mesma Peça todas as semanas, mas, ainda assim, se mantém lotado, com as mesmas pessoas, até que os atores, pouco a pouco, vão morrendo; os passeios e encontros nos bares e cafés; tudo, enfim, que nos mostra esse universo paralelo, em que se tenta negar a dor e o sofrimento, simplesmente ignorando a morte. . . até que ela visite um parente próximo.

Sitiados na pequena Oran, na peste de 1947, esses homens desejam resgatar o humano que foram um dia, rever cenas que tragam à memória a experiência da interação olho no olho, mesmo quando o medo do outro sugere o isolamento.

É o homem que enfrenta os esqueletos do armário, que se confronta com os seus medos e pulsões autodestrutivas, na tentativa, talvez ilusória, de se manter minimamente humano.

Você teria vergonha de ser feliz sozinho, sem remorsos, mesmo sabendo que tanta gente sofre nesse exato instante?

Antes de responder, não se esqueça de algo importante: quem compartilha as desgraças alheias pode não ter tempo de ser feliz e ainda corre o risco de alimentar, com o gesto piedoso, a autocomiseração do outro.

Tão difícil quanto iluminar o inconsciente, para responder com as verdades reprimidas, é escapar dos julgamentos morais e aceitar que esse ser egoísta, que vejo no espelho d’água, sou eu mesmo.

Certo estava Nietzsche, quando disse que

“As grandes épocas de nossa vida ocorrem quando sentimos a coragem de rebatizar o mal que em nós existe como o melhor de nós mesmos.” (NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Além do bem e do mal ou prelúdio de uma filosofia do futuro. Tradução de Márcio Pugliesi. Curitiba, Hemus Livraria, Distribuidora e Editora. 2001. Quarta Parte: aforismos e interlúdios. n. 116. p. 84).

O mal que existe em você é que o livra do tédio. Por isso, não se envergonhe da sua felicidade, mesmo que esteja cercado de desgraças, como a morte inevitável que nos aguarda.

Você tem medo de morrer? Parabéns! Isso é comum entre os seres vivos. . . Chama-se instinto de sobrevivência. Até seu cachorro tem. . .

Quer um conselho bem egoísta, mas sincero? Não sinta vergonha por estar vivo e, menos ainda, por ser feliz, mesmo depois que os seus parentes e amigos se forem. Eles provavelmente fariam o mesmo. . .

Enquanto houver desejo, haverá vida!

Como disse Blanche du Bois a Harold 'Mitch' Mitchell, amigo de Stanley Kowalski, ao ver, do lado de fora da janela, a mulher mexicana, vendedora de flores, na Peça “O Bonde chamado Desejo”, de Tenessee Williams:

“O oposto da morte é o desejo.” (Cena IX).

A felicidade, além de fugaz, como uma estrela cadente, pode ser muito injusta: miserável com quem mais precisa, mas pródiga com quem pouco faz para merecê-la: ela nunca alcança a todos com a mesma intensidade. Não se envergonhe, se você for o único a escapar provisoriamente do seu beijo. Só na morte somos iguais, o resto é ilusão. Aceite, que é mais fácil, ou morra negando a verdade!

Vida que te quero vida, insensatez é que o que te faz assim, misteriosa e bela, caótica e sem sentido, muitas vezes injusta e sempre fugidia: quando nos apaixonamos por ti, tu te escondes no mais recôndito infinito. . .

A paz, muitas vezes, só a encontramos no túmulo, quando ela já não é mais útil.

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.