E
assim se passaram 19 anos, minha querida filha. . .
Lembro-me
do dia em que a tomei nos braços, no Hospital Santa Juliana, uma pequenina
boneca de carne, linda e amada por esse pai, que ainda aprendia, a duras penas,
a arte da paternidade.
Os
curativos que fiz no seu umbigo, os primeiros banhos que dei, as visitas que
fazíamos ao Pediatra, noites que fiquei orgulhosamente acordado, curtindo as
alegrias que você sempre me deu. . .
Hoje,
passados 19 anos, muita coisa mudou. Nós acabamos distanciados, sem interações
olhos nos olhos, sem o calor de um beijo no rosto.
Mas
seu pai a ama, como sempre amou, sente a sua presença em cada minuto do dia,
orgulha-se do DNA que compartilha com você.
Sei
que dei muito menos do que devia, fiz muito menos do que podia, mas os erros
fazem parte do que sou, representam os caminhos que percorri até a maturidade.
Não posso negá-los. . .
É verdade, posso até estar longe, mas a carrego
no coração, orgulhoso da sua mente aberta e sem preconceitos, da sua inteligência
criativa e da sua humildade.
A
pessoa que você se tornou é muito mais do que a soma do meu DNA e da sua mãe, é
a soma dos nossos afetos, é a prova de que os filhos nascem para ser livres,
nascem com alguns cromossomos de herança, mas escrevem os seus próprios
caminhos.
E
você, minha linda filha, a mulher mais terna e humana que já conheci, você é o
meu presente de todos os dias, o meu orgulho e a minha realização enquanto pai.
Com
amor, dedico a você o dia 24 de setembro, que é seu, muito mais do que os
outros.
O que
esse dia significa, além de uma data no calendário gregoriano? Na verdade,
simboliza o único dia do ano em que o calendário indica a passagem do tempo sob
a sua perspectiva, minha amada e querida filha, amante da arte e da cultura.
Este dia é seu, muito mais do que os outros 364 dias do ano. . .
Muitas
datas podem ter significado especial para mim: o dia em que dei o primeiro
beijo, em que disse “te amo” pela primeira vez, o dia em que me formei, a
primeira desilusão que tive no amor. . . Mas o seu aniversário, minha filha, é
mais do que tudo isso. . .
Depois
de um ano e meio longe do Acre, é um momento de muitas saudades, de lembranças
nostálgicas, de doces reminiscências de um tempo que não volta mais. É o dia em
que você veio ao mundo. . .
Nada
se compara ao dia 24 de setembro! Sem ele, não haveria existência, para você,
Hannah Lydia, que não seria essa sequência específica e única de genes, que
formam o seu DNA, presente nos 23 pares de cromossomos contidos em cada uma das
100 trilhões de células que constituem o seu ser, concebidas na alcova dos seus
pais e dotadas de energia vital. Sem você, minha filha, o mundo não seria
assim, tão colorido.
É o
único dia que você pode celebrar como símbolo da sua breve passagem pelo
universo. Nesse dia especial, você pode comemorar o dom da vida, essa mistura
de aminoácidos e moléculas que formam a complexidade mutante em que você se
transformou nesses 19 anos de caminhada, evoluindo e se recriando, para
sobreviver à aspereza do ambiente e às provações da vida. Até a mim, você
sobreviveu. . .
A sua
simples existência, depois que tantos se foram, nos últimos 12 meses, já me
consola dos males da vida, fazendo desse dia uma data festiva, a único no
calendário que possui um significado pessoal, só seu, que a torna especial para
os que compartilham com você os mistérios da vida. Você sobreviveu à
negligência do seu pai, sem perder a força vital que sempre a distinguiu dos
mortais, sem perder o ânimo e a alegria de viver.
Todos
os anos, você celebra o fato de haver nascido, lembrando que a vida é um frágil
mistério, que tenta desvendar enquanto caminha, sempre pregando o bem, nessa
linha tênue que separa a vida da morte. Nem sabemos se haverá outro
aniversário, mas esse imponderável da existência é que nos anima a caminhar sem
abandonar os sonhos. Ainda pior do que a morte, contudo, seria a morte com dia
certo. . .
Enquanto
se vive, é melhor aproveitar a vida em cada dia (“Carpe Diem”), vivendo os segundos, como se fossem os últimos.
O
aniversário, mais do que a simples passagem do tempo, indica que a vida é um
caminho sempre por percorrer, um roteiro que deve ser escrito e reescrito
continuamente, num processo que se inicia na data em que nascemos, mas se
encerra a qualquer momento, bem antes, muitas vezes, de se alcançar a
realização dos sonhos. Todo aniversário pode ser o último. . .
Fazer
aniversário não é só lembrar o início da caminhada, naquela sala de parto
distante no tempo das nossas vidas; é saber que o percurso ainda não se
completou no ciclo da existência; é ter plena consciência de que as nossas
relações e escolhas, que formam a teia da vida, devem ser construídas
permanentemente, até o derradeiro suspiro.
Na
verdade, um momento especial, que se renova a cada passagem nessa viagem
cósmica em torno do sol, quando podemos refazer os caminhos da vida, repensando
os desvios que nos levaram a perder segundos preciosos na busca da felicidade!
Quem sabe descobrir novos atalhos e refletir sobre as nossas falhas, que
confundimos, não raro, com virtudes. Pensar nos culpados a quem atribuímos as
nossas desventuras, para fazer mais e culpar menos os outros. . .
Fazer
aniversário, mais do que tudo, é reconhecer que o tempo continua passando por
nós, inexorável e indiferente às nossas emoções, sonhos, tristezas, alegrias,
compensações e desenganos, contentamentos e dissabores. Como dizia o poeta,
“Passem-se
dias, horas, meses, anos
Amadureçam
as ilusões da vida
Prossiga
ela sempre dividida
Entre
compensações e desenganos.
Faça-se
a carne mais envilecida
Diminuam
os bens, cresçam os danos
Vença
o ideal de andar caminhos planos
Melhor
que levar tudo de vencida.
Queira-se
antes ventura que aventura
À
medida que a têmpora embranquece
E fica
tenra a fibra que era dura.
E eu
te direi: amiga minha, esquece...
Que
grande é este amor meu de criatura
Que vê
envelhecer e não envelhece.”
(Soneto de aniversário, de Vinicius de Moraes Rio,
1942. Texto extraído da antologia "Vinicius de Moraes - Poesia completa e
prosa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, p. 451).
Feliz
aniversário, minha querida filha, Hannah Lydia, exemplo de vida para os que
tiveram a honra de compartilhar com você os mistérios da existência.
Se
hoje caminho de cabeça erguida, é porque aprendi com você e seu irmão, Leandro
Pontes, a bondade das pessoas simples e humanas, a beleza franciscana dos que
vivem para dar amor e colorir o mundo.
Obrigado
por sua vida ter tocado a minha própria vida, iluminando as sombras do meu ser
imperfeito e cheio de dúvidas. Você é um porto seguro para as tormentas do meu
coração!
Pena
que você, minha amada e doce filha, não haverá de herdar nada além das palavras
que escapam dos meus devaneios; mas isso é tudo que posso deixar. . . Esse
é o meu único legado!
Bem
sei que você sempre nos carrega a todos no colo, dando exemplos, muito mais do
que palavras, como eu . Tens a fibra das Amazonas, das guerreiras que nunca
desistem de viver e de fazer o bem!
Nunca
esqueça nem duvide que eu a amo, minha linda filha, orgulho para este velho
pai, quase sempre ingrato, mas sempre digno, como você!!!
Vida
longa, porque ainda precisamos de você nessa vida sem cores. . .
Com
amor,
Jorge
Araken Filho, seu velho e orgulhoso pai!