Em mente pequena só cabe o preconceito. . .
Costumo ler nas redes sociais, sobretudo no Facebook, algumas postagens que me
assustam, e até me intrigam pela imaturidade dos seus autores, que acabam
infectando a liberdade de expressão com o preconceito de certos comentários.
Ainda não compreendo a exata extensão desse
prazer, mas podemos ser cruéis em alguns momentos da vida, muitas vezes sem
perceber. Não raro, encontramos uma estranha e perversa felicidade na miséria e
no infortúnio de outrem.
E são tão universais essas situações, e
acontecem com tanta frequência, que deveríamos ter uma palavra específica, em
língua portuguesa, para descrever este sentimento mórbido e mesquinho, como
existe no alemão ("Schadenfreude")
ou no grego ("epikhairekakia").
Alguns dizem: — bem feito, ele mereceu!
Acontece, por exemplo, quando rimos de alguém que tropeça na calçada ou comete
uma gafe ou, ainda, quando ficamos tristes ao saber que um amigo conquistou
algo que não temos.
É um sentimento sádico e cruel, quase uma
vingança pelas situações em que também fomos vítimas de brincadeiras cruéis, as
famosas “alugações”, supostamente inofensivas, mas carregadas de emoções
negativas, que marcam as suas vítimas, mesmo quando fingem não se importar. Impulsos
humanos, quase primitivos, sentimentos de desforra, presentes até nas crianças,
que mostram o Mister Hyde dentro de
nós, que só aparece nos momentos em que deixamos cair a máscara do bondoso Doctor Jekyll.
Todos passaram por isso, como algozes ou como
vítimas. É inevitável em um mundo democrático, onde podemos expressar as nossas
ideias, e até a falta delas. Preconceito é exatamente isso: a opinião antes do
conhecimento, a boca que fala, quando os neurônios calam, enfim, é o medo de se
ver na realidade ou na pessoa que insultamos.
Não desejo censurar a liberdade de ninguém,
nem mesmo a dos idiotas, mas, sendo fechados à percepção das ideias contrárias,
à inteligência e à diversidade do pensamento, os preconceituosos acabam imunes
à evolução da espécie, que surge como remédio para a natural paralisia do homem
diante do seu destino.
Ilhados no preconceito e na ignorância, no
medo de perceber a própria imbecilidade, os preconceituosos deixam de saborear
as novas perspectivas que se abrem para os velhos desafios, a possibilidade de
ver no outro a riqueza do pensar, a beleza insubstituível da interação
criativa, o agir e reagir sem dogmas ou crenças irracionais e alheias, que se encastelam
em superstições e falsas premissas.
A dialética do ter e do ser, onde a razão
está sempre com quem tem mais riqueza ou, ainda, com quem grita, bate ou ofende
mais, serve de escudo contra os menos afortunados ou, quase sempre, contra os
que são livres para pensar diferente. Por trás da crueldade, esconde-se uma
criança indefesa e imatura, que se protege sob a carapaça do preconceito.
Meu grande irmão, você não precisa estar
sempre certo! Aliás, pouco importa se a razão está do seu lado ou não, porque o
seu destino será o mesmo da sua vítima: um caixão sob sete palmos de terra!
A vida é assim mesmo, nem sempre justa, nem
sempre bela, mas sempre um caminho cheio de encruzilhadas. Ainda bem. . . é
isso que nos salva do tédio desses clones humanos, que buscam homogeneizar as
consciências, pasteurizar o pensamento e engessar a diversidade da experiência
humana.
A riqueza está na multiplicidade e na
diferença, que nos instiga a avançar em direção ao outro e, nesse processo de
interação com a alteridade, em direção a nós mesmos, integrando as sombras, num
processo de individuação e autoconhecimento.
É só no diálogo que percebemos os nossos próprios
sentimentos e enfrentamos as angústias, dificuldades e medos, buscando, na
investigação interior, suscitada pelo confronto com a alteridade, a chave para
nós mesmos.
Escute o outro, desfaça as suas próprias
certezas, quando não houver caminho mais sensato, senão reconhecer que ele tem
razão. Mesmo que não o tenha, responda com os neurônios esquecidos, e não com
os músculos ou com as armas da violência e do preconceito.
É inútil gritar, bater, espernear, ofender, falar
mal ou perder o prumo da razão. . . Ninguém vai aceitar os seus argumentos pela
força. Você os aceitaria? Claro que não!
Tenho pena de quem se imagina senhor da
razão e do destino, que se considera no centro do universo. Todos estão
errados, menos ele, o arauto da moralidade, senhor feudal das grandes ideias.
Desqualificar o interlocutor, com palavrões e
adjetivos vagos, quase sempre suposições preconceituosas, para fugir ao diálogo
construtivo, é o primeiro sinal de vitória do seu interlocutor que se manteve
no plano das ideias.
Seus argumentos não se tornam mais fortes ou
incisivos, quando você altera o tom da voz, nem quando reduz a sua linguagem
aos palavrões e expressões ofensivas. O português é bem mais rico do que a sua
pequena e triste imaginação. . .
Na verdade, para os observadores mais
atentos, sobretudo para os que possuem neurônios e sinapses, você não passa de
um ser humano frágil, que usa uma armadura de troglodita para esconder uma
pessoinha assustada e sem ideias próprias: um gatinho vira-latas que se olha no
espelho e vê um leão.
Ofender não é argumentar! Se você não sabe
debater com ideias, o silêncio é o único caminho que o salva do seu próprio
veneno.
Pense pelo menos uma vez na vida! Você ainda
não percebeu que o preconceito fala mais sobre você do que sobre a sua vítima?
É você que tira a roupa, quando fala mal de alguém, quando debocha das suas
crenças. É você que fica nu, revelando a sua personalidade narcísica, a
fragilidade de quem precisa diminuir o outro para se sentir alguém, de quem não
tolera perceber que não é melhor do que a vítima da própria língua.
Quando faz comentários que depreciam o interlocutor,
na verdade, você menospreza a si mesmo, defendendo-se contra o outro,
resistindo às suas ideias, na tentativa de esconder o seu vazio interior.
Ao invés de amadurecer e mudar-se a si próprio,
iluminando os caminhos obscuros do inconsciente, você começa a odiar o espelho,
isto é, o outro, que reflete as suas próprias sombras, mostrando tudo que você
detesta em si mesmo. As suas palavras ferem mais a você do que à sua vítima. .
. Você está falando de si próprio, quando ironiza ou debocha dos sentimentos ou
deficiências de alguém, mostrando que não se aceita, enfim, que não consegue
lidar com os conteúdos reprimidos no inconsciente, que acabam sendo percebidos
no outro, como a imagem refletida no espelho.
A verbalização dos preconceitos pode ser uma
tentativa, irreal e infrutífera, do inconsciente de se libertar de conteúdos
recalcados. É mais fácil debochar das atitudes, pensamentos e conteúdos em que
nos reconhecemos, atribuindo-os a outrem, do que lidar com eles em nós próprios.
Por isso, antes de soltar seus demônios nas
redes sociais, menosprezando quem sofre ou quem pensa diferente, use seus
neurônios para, em silêncio e confrontando-se consigo mesmo, fazer a catarse
dos males que estão reprimidos no seu próprio inconsciente.
Ninguém precisa ser vítima do seu processo de
autoconhecimento e conscientização das sombras. Os seus tormentos obscuros não
podem ser lançados ao vento, ou acabam no seu próprio rosto.
Assim, quando bater a vontade de debochar de
alguém, olhe-se no espelho: é você mesmo a vítima! Esse é você por dentro. . .
Jorge Araken Faria da Silva Filho, apenas um
Escrevinhador sem Folhas, alguém que deixou pelo caminho as suas certezas e
dogmas.