sábado, 31 de janeiro de 2015

Valores e necessidades nas sociedades do consumo

Valores e necessidades nas sociedades do consumo

É a sociedade do espetáculo, que cultua a imagem e não a essência, que valoriza os costumes e tendências da moda, reproduzindo os modos de ser de outras culturas. Tendências importadas acabam sendo impostas, como produtos de mídia, por modernos instrumentos da tecnologia e por meios de comunicação subservientes, que alienam as consciências, amortecendo-lhes o senso crítico.

Produzem-se pseudonecessidades e pseudovalores, que constroem uma sociedade de aparências, em que a dialética do ter e do parecer moldam o ser e a ele se sobrepõem.

São multidões sempre solitárias, que vagam pelas redes sociais, isoladas em seus castelos e alienadas, numa simulação de convívio social em que as reais necessidades do indivíduo e os seus valores importam menos do que a aparência de sucesso.

É a cultura da imagem, essencialmente narcísica, que atribui valor aos indivíduos pelo que eles aparentam ser, segundo padrões estéticos estranhos às suas reais necessidades.


Nessa lógica consumista, em que tratamos pessoas como objetos, simplesmente exploramos o outro, consumimos a sua energia vital e o descartamos, reiniciando o ciclo de exploração em outra vítima, que nos dará prazer instantâneo até que também seja descartada, numa fila que anda mais rápido que a nossa felicidade, que nunca alcançamos verdadeiramente.


A pressa incontida. . .

A pressa incontida. . .

Consumidos pela urgência, deixamos de dar às nossas recordações a sua exata dimensão. Não apreciamos os caminhos já percorridos, como fazia o grande Marcel Proust, recorrendo a analepses profundas, que recuavam no tempo das suas memórias. Esquecemos os cheiros da casa materna, os sons e paisagens da infância, os pequenos momentos da vida, que importam muito mais do que o destino final, que é sempre a morte. A vida é o caminho, e não o ponto de chegada; é o trem, e não a estação!

Hipnotizados pela fantasia da felicidade no consumo, vivemos a perseguir sonhos que nunca alcançamos, como Tântalo, Rei da Frigia, o personagem mitológico, filho de Zeus e da princesa Plota, que trocou o manjar dos Deuses do Olimpo pela carne de seu próprio filho, Pélope, sendo condenado a nunca mais ter a sua fome e sede saciadas. Sempre que se aproximava da água ou de uma árvore frutífera, elas se afastavam, num suplício eterno, que o permitia sentir a proximidade do alimento e da água, sem que pudesse alcançá-los: tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe!


Refugiamo-nos na fantasia, para não ver a realidade.


Aos que se alimentam da infelicidade alheia...

Aos que se alimentam da infelicidade alheia. . .

Inseguros com o que somos, preferimos esconder os podres da existência, buscando a aceitação dos falsos amigos, quase todos virtuais, que só nos seguem para ver os deslizes que cometemos nos caminhos da vida.

Cada tropeço que cometemos confere um prazer misterioso e instantâneo aos que se nutrem da desgraça alheia, aos abutres humanos, vampiros de alma que se sentem superiores quando nos vem por baixo, e não quando sobem, eles próprios, os degraus da felicidade.

E aquela indiferença metafísica nos domina, transformando pessoas de carne e osso em autômatos, seres solitários e antissociais, conectados na ilusão e desconectados da felicidade real, vivendo um tédio fantasiado de glamour.


Entorpecidos, anestesiados, mudamos o canal, com os dedos aflitos, percorrendo as teclas do controle remoto, em busca de sentido para a vida tediosa a que nos condenamos. . .



Vamos conversar?

Vamos conversar?

Sem conteúdos profundos e desconhecendo o nosso próprio "self", supervalorizamos a diversão fútil e sem compromisso com os neurônios. Só queremos negar os dramas da vida, sublimar as dores e sofrimentos. . .

Existir é fácil; o difícil é ser feliz nos pequenos gestos, é escutar silêncios, quando os sons te sufocam! É pisar no freio e contemplar a beleza perene, que se perdeu na pressa incontida de chegar a nenhum lugar!

Esqueça o reality Show, largue o “smartphone” e converse com o ser humano que está ao seu lado, antes que ele perceba que você é uma concha sem eco. . .




Homogeneizados e sem identidade própria

Homogeneizados e sem identidade própria

A multidão absorve-nos em suas correntes homogêneas, que nos fazem pensar horizontalmente, sabendo pouco de tudo e tudo de nada.

Nunca aprofundamos o conhecimento e a discussão das ideias que nos vendem como pensamento monolítico. Permanecemos amordaçados com os limites de palavras das redes sociais, que não desejam formar pensadores, mas legiões de seguidores, seres mudos e conformados, quase monossilábicos, que falam tudo, mas nunca dizem nada.


Basta uma fotografia no “Instagram”. Os “selfies” nos definem: seres vazios por dentro e egocêntricos, anestesiados em contemplação narcísica, buscando desviar para a imagem os olhares alheios, antes que percebam a criancinha indefesa e triste que se esconde por dentro.




Enfeitiçados

Enfeitiçados

Enfeitiçados pelo brilho da televisão, perdemos a magia do encontro, da interação criativa, olho no olho, a capacidade de escutar o outro, de partilhar e compartilhar sonhos e desenganos ou simplesmente amar.

Ficamos homogeneizados na mesmice, pasteurizados na futilidade, vivendo outras vidas, longe do nosso “self”.

Domesticados e assépticos, castamente vestidos com a arrogância do politicamente correto, somos prisioneiros de uma existência sem sabor, sem sons, sem cores e sem a contemplação ociosa da natureza. Estamos longe daquele estado de paz e brandura, quase letárgico, que nos permite o encontro com as nossas sombras. . .

Aflitos e angustiados, muitos nem reparam nas praças e ruas, que atravessam mecanicamente, absortos em seus fones de ouvido, mergulhados nas "redes antissociais", interagindo com seres distantes, raramente humanos, que chamam de “amigos”. Empobrecidos no espírito, só desejam enganar a solidão.

Como aqueles pequenos insetos que circundam as luminárias, ou como animais ofuscados pelos faróis de um carro, permanecemos estáticos, quase mudos, hipnotizados com as luzes do aparelho de 50 polegadas, “ULTRA HD”, com “zilhões” de pixels, que sequer percebemos com a nossa pobre visão, frágil e contingente, como tudo que é humano.

Perdemos a visão além do olhar, aquela capacidade de paralisar a agitação do cotidiano, de abstrair a pressa de não fazer nada, para ouvir o canto de um pássaro ou contemplar as acácias em um Parque urbano.




Curtidas e carências

Curtidas e carências


Carentes de afeto autoestima, acalmamos o espírito com a estranha ilusão de pertencimento, a sensação de estar incluído em um grupo social, de ser notado e “curtido” nas redes sociais.


Quando amaldiçoamos o outro

Quando amaldiçoamos o outro

É sempre doloroso o processo de conscientização das sombras, os aspectos obscuros da personalidade. Surgem resistências invencíveis, que sequer percebemos de forma consciente. E, assim, acabamos cegos às sombras, sempre apontando o dedo para o outro e buscando a exoneração das nossas culpas, num mecanismos de defesa que sabota o amadurecimento.

Quando se trata de julgar o outro, porém, podemos perceber os aspectos negativos do seu caráter, sem resistências inconscientes ou barreiras morais. E nos tornamos juízes severos.

Estragamos, tragicamente, a nossa vida, amaldiçoando o mundo "cruel" e as pessoas que encontramos pelo caminho, sem perceber que alimentamos a tragédia.


Jorge Araken Faria da Silva Filho


A busca por harmonia: as antíteses de mim mesmo

A busca por harmonia: as antíteses de mim mesmo

Depois de tantos desvios e falsos atalhos, só desejo caminhar em direção ao meu próprio eu, narrar histórias sobre a riqueza múltipla e subjetiva da minha própria existência, as verdades e ocorrências interiores que constituem a singularidade da minha vida e a distinguem de outras.

Ao traçar o caminho para mim mesmo, processo que Carl Jung chama de individuação, quero revelar a experiência que estou tendo como totalidade, unindo as diferentes "personas" e facetas da minha personalidade, notadamente as antagônicas, para me reconciliar, equilibrando as alegrias e os sofrimentos da vida, a tristeza e a felicidade, na eterna busca por harmonia.

Viver não é negar a infelicidade e o desamparo, é equilibrar e harmonizar as diversas faces da nossa existência, inclusive as antagônicas, para nos experimentarmos como totalidade.


Jorge Araken Faria da Silva Filho.


quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Planos. . .

Planos. . .

Tinha tantos planos e sonhos. . .
Por que não consegui realizá-los?

A vida simplesmente aconteceu. . .


O Mito de Sísifo

O Mito de Sísifo

Condenamos-nos, não raro, a uma vida de Sísifo, o personagem da mitologia grega que desafiou os Deuses do Olimpo e foi condenado a empurrar uma pedra até o topo de uma montanha, enquanto estivesse vivo.

Toda vez que se aproximava do cume, depois de muitas expiações e sacrifícios, a pedra rolava montanha abaixo, até o ponto de partida, por meio de uma força irresistível que tornava inútil o seu sofrimento.

Mas Sísifo nunca desistia da vida, repetindo a mesma tarefa todos os dias, sem aceitar que, diante da sua pena, só a morte significaria a liberdade, impossível de se alcançar em sua vida inútil e sem recompensas.

Mesmo assim, buscava dar sentido à própria existência, apegando-se à paixão pela vida, quase absurda naquelas circunstâncias, obtendo a felicidade na própria busca, enfim, no caminho, e não no objetivo, que se revelava sem sentido e inútil.

A sua felicidade era um revolta contra os Deuses.


Jorge Araken faria da Silva Filho, um velho Escrevinhador sem Folhas.


Perspectivas. . .

Perspectivas. . .


Diferentes perspectivas para um mesmo dilema. É a teoria da relatividade de Albert Einstein: tudo é relativo, inclusive o tempo e o espaço, mas tudo está sempre entrelaçado. O que se faz ali altera aqui, mas o que percebemos, em cada fenômeno ou situação, depende da perspectiva do observador.


Os 70 anos da libertação de Auschwitz pelos soviéticos

Os 70 anos da libertação de Auschwitz pelos soviéticos

"De Auschwitz só se sai pela chaminé. . ."

Essas eram as primeiras palavras que os prisioneiros escutavam das Waffen-SS, quando desembarcavam dos trens na chegada ao Campo de extermínio de Auschwitz.

Lembre-se disso, sempre que pensar na democracia e na liberdade.

Nós, seres humanos, somos capazes das maiores atrocidades diante do poder absoluto.

Perdoem-me as fotografias, que revelam a face oculta da crueldade humana, mas as imagens falam mais do que as minhas palavras! Se elas te torturam, imagine o que esses inocentes sofreram. . .


O Mister Hyde está dentro de cada um de nós. . .





As relatividades da vida e as perspectivas do olhar. . .

As relatividades da vida e as perspectivas do olhar. . .


É a riqueza da multiplicidade, dos infinitos significados e da diversidade, que se perderia, se todos as nossas angústias e desenganos fossem resolvidos. A vida seria um tédio. . .


Julgamos no outro as nossas sombras

Julgamos no outro as nossas sombras


Na verdade, julgamos no outro as nossas sombras, enfim, os conteúdos que recalcamos em nós mesmos, porque seria doloroso admitir que os temos dentro de nós, em estado de hibernação, a espera da primavera. . .


Vida que passa. . .

Vida que passa. . .


Enquanto você sonha e faz planos, a vida acontece lá fora, inexorável e breve. . .


domingo, 25 de janeiro de 2015

Em mente pequena só cabe o preconceito. . .

Em mente pequena só cabe o preconceito. . .

Costumo ler nas redes sociais, sobretudo no Facebook, algumas postagens que me assustam, e até me intrigam pela imaturidade dos seus autores, que acabam infectando a liberdade de expressão com o preconceito de certos comentários.

Ainda não compreendo a exata extensão desse prazer, mas podemos ser cruéis em alguns momentos da vida, muitas vezes sem perceber. Não raro, encontramos uma estranha e perversa felicidade na miséria e no infortúnio de outrem.

E são tão universais essas situações, e acontecem com tanta frequência, que deveríamos ter uma palavra específica, em língua portuguesa, para descrever este sentimento mórbido e mesquinho, como existe no alemão ("Schadenfreude") ou no grego ("epikhairekakia").

Alguns dizem:­ — bem feito, ele mereceu! Acontece, por exemplo, quando rimos de alguém que tropeça na calçada ou comete uma gafe ou, ainda, quando ficamos tristes ao saber que um amigo conquistou algo que não temos.

É um sentimento sádico e cruel, quase uma vingança pelas situações em que também fomos vítimas de brincadeiras cruéis, as famosas “alugações”, supostamente inofensivas, mas carregadas de emoções negativas, que marcam as suas vítimas, mesmo quando fingem não se importar. Impulsos humanos, quase primitivos, sentimentos de desforra, presentes até nas crianças, que mostram o Mister Hyde dentro de nós, que só aparece nos momentos em que deixamos cair a máscara do bondoso Doctor Jekyll.

Todos passaram por isso, como algozes ou como vítimas. É inevitável em um mundo democrático, onde podemos expressar as nossas ideias, e até a falta delas. Preconceito é exatamente isso: a opinião antes do conhecimento, a boca que fala, quando os neurônios calam, enfim, é o medo de se ver na realidade ou na pessoa que insultamos.

Não desejo censurar a liberdade de ninguém, nem mesmo a dos idiotas, mas, sendo fechados à percepção das ideias contrárias, à inteligência e à diversidade do pensamento, os preconceituosos acabam imunes à evolução da espécie, que surge como remédio para a natural paralisia do homem diante do seu destino.

Ilhados no preconceito e na ignorância, no medo de perceber a própria imbecilidade, os preconceituosos deixam de saborear as novas perspectivas que se abrem para os velhos desafios, a possibilidade de ver no outro a riqueza do pensar, a beleza insubstituível da interação criativa, o agir e reagir sem dogmas ou crenças irracionais e alheias, que se encastelam em superstições e falsas premissas.

A dialética do ter e do ser, onde a razão está sempre com quem tem mais riqueza ou, ainda, com quem grita, bate ou ofende mais, serve de escudo contra os menos afortunados ou, quase sempre, contra os que são livres para pensar diferente. Por trás da crueldade, esconde-se uma criança indefesa e imatura, que se protege sob a carapaça do preconceito.

Meu grande irmão, você não precisa estar sempre certo! Aliás, pouco importa se a razão está do seu lado ou não, porque o seu destino será o mesmo da sua vítima: um caixão sob sete palmos de terra!

A vida é assim mesmo, nem sempre justa, nem sempre bela, mas sempre um caminho cheio de encruzilhadas. Ainda bem. . . é isso que nos salva do tédio desses clones humanos, que buscam homogeneizar as consciências, pasteurizar o pensamento e engessar a diversidade da experiência humana.

A riqueza está na multiplicidade e na diferença, que nos instiga a avançar em direção ao outro e, nesse processo de interação com a alteridade, em direção a nós mesmos, integrando as sombras, num processo de individuação e autoconhecimento.

É só no diálogo que percebemos os nossos próprios sentimentos e enfrentamos as angústias, dificuldades e medos, buscando, na investigação interior, suscitada pelo confronto com a alteridade, a chave para nós mesmos.

Escute o outro, desfaça as suas próprias certezas, quando não houver caminho mais sensato, senão reconhecer que ele tem razão. Mesmo que não o tenha, responda com os neurônios esquecidos, e não com os músculos ou com as armas da violência e do preconceito.

É inútil gritar, bater, espernear, ofender, falar mal ou perder o prumo da razão. . . Ninguém vai aceitar os seus argumentos pela força. Você os aceitaria? Claro que não!

Tenho pena de quem  se imagina senhor da razão e do destino, que se considera no centro do universo. Todos estão errados, menos ele, o arauto da moralidade, senhor feudal das grandes ideias.

Desqualificar o interlocutor, com palavrões e adjetivos vagos, quase sempre suposições preconceituosas, para fugir ao diálogo construtivo, é o primeiro sinal de vitória do seu interlocutor que se manteve no plano das ideias.

Seus argumentos não se tornam mais fortes ou incisivos, quando você altera o tom da voz, nem quando reduz a sua linguagem aos palavrões e expressões ofensivas. O português é bem mais rico do que a sua pequena e triste imaginação. . .

Na verdade, para os observadores mais atentos, sobretudo para os que possuem neurônios e sinapses, você não passa de um ser humano frágil, que usa uma armadura de troglodita para esconder uma pessoinha assustada e sem ideias próprias: um gatinho vira-latas que se olha no espelho e vê um leão.

Ofender não é argumentar! Se você não sabe debater com ideias, o silêncio é o único caminho que o salva do seu próprio veneno.

Pense pelo menos uma vez na vida! Você ainda não percebeu que o preconceito fala mais sobre você do que sobre a sua vítima? É você que tira a roupa, quando fala mal de alguém, quando debocha das suas crenças. É você que fica nu, revelando a sua personalidade narcísica, a fragilidade de quem precisa diminuir o outro para se sentir alguém, de quem não tolera perceber que não é melhor do que a vítima da própria língua.

Quando faz comentários que depreciam o interlocutor, na verdade, você menospreza a si mesmo, defendendo-se contra o outro, resistindo às suas ideias, na tentativa de esconder o seu vazio interior.

Ao invés de amadurecer e mudar-se a si próprio, iluminando os caminhos obscuros do inconsciente, você começa a odiar o espelho, isto é, o outro, que reflete as suas próprias sombras, mostrando tudo que você detesta em si mesmo. As suas palavras ferem mais a você do que à sua vítima. . . Você está falando de si próprio, quando ironiza ou debocha dos sentimentos ou deficiências de alguém, mostrando que não se aceita, enfim, que não consegue lidar com os conteúdos reprimidos no inconsciente, que acabam sendo percebidos no outro, como a imagem refletida no espelho.

A verbalização dos preconceitos pode ser uma tentativa, irreal e infrutífera, do inconsciente de se libertar de conteúdos recalcados. É mais fácil debochar das atitudes, pensamentos e conteúdos em que nos reconhecemos, atribuindo-os a outrem, do que lidar com eles em nós próprios.

Por isso, antes de soltar seus demônios nas redes sociais, menosprezando quem sofre ou quem pensa diferente, use seus neurônios para, em silêncio e confrontando-se consigo mesmo, fazer a catarse dos males que estão reprimidos no seu próprio inconsciente.

Ninguém precisa ser vítima do seu processo de autoconhecimento e conscientização das sombras. Os seus tormentos obscuros não podem ser lançados ao vento, ou acabam no seu próprio rosto.

Assim, quando bater a vontade de debochar de alguém, olhe-se no espelho: é você mesmo a vítima! Esse é você por dentro. . .


Jorge Araken Faria da Silva Filho, apenas um Escrevinhador sem Folhas, alguém que deixou pelo caminho as suas certezas e dogmas.


Por que é mais fácil escrever sobre o que sentimos do que falar para alguém?

Por que é mais fácil escrever sobre o que sentimos do que falar para alguém?

A primeira explicação está nos mecanismos de defesa do ego, barreiras inconscientes que visam assegurar a sua integridade, harmonizando os impulsos do id com os imperativos do superego ("consciência moral") e as exigências da realidade externa. As defesas egoicas, em sua função protetora do equilíbrio psíquico, interferem no processo de vocalização dos tormentos e conflitos que carregamos nas profundezas da psique, mas não conseguimos perceber no plano da consciência, e menos ainda externalizar, sobretudo na presença castradora do outro.

Ao contrário, quando escrevemos, a própria solidão da escrita cria o distanciamento do outro, afastando os seus julgamentos sobre as nossas ações e reações. Não percebendo nem interagindo com o leitor, que se torna uma névoa indistinta, quase difusa, em nossos caminhos, nos censuramos menos. Com esse distanciamento do leitor, que permanece mudo do outro lado do texto, e não está ali, ao vivo, nos julgando e interagindo conosco, verbalizando a sua oposição ao que idealizamos sobre nós próprios, acabamos libertando certos conteúdos que ficaram presos na garganta.

O outro, neste caso o leitor, deixa de ser a realidade externa, para se tornar a nossa realidade psíquica: nós mesmos, enquanto escritores, pensamos o que ele deve pensar sobre nós, e isso anestesia as barreiras do ego, gratificando o desejo de mostrar as sombras, mais conhecido como "chutar o pau da barraca".

Ao contrário, se o interlocutor está diante de nós, capturando-nos com os seus olhos e sentidos, erguem-se os mecanismos de defesa do ego. Acabamos travando as confissões e reprimindo a sua verbalização ou, quando muito, falando nas entrelinhas, falhas e silêncios. Prova disso é que preferimos o telefone ao contato pessoal direto, olho no olho, quando desejamos falar algo que vá alterar as nossas emoções além do que podemos controlar.

Por isso, creio que o texto, a palavra impressa ou virtual, cria um alheamento salutar entre o escritor e o julgamento do outro, ao menos no momento mágico da criação, da expressão dos afetos, no instante em que as emoções transbordam em palavras. Enfim, ele tem liberdade para se aproximar de si mesmo, sem a máscara que usa em suas interações com o mundo.

É claro que nada é absoluto, e certas pessoas, menos reprimidas, talvez, haverão de preferir o bom e velho olho no olho.

Mas a verdade, que perpassa na solidão da escrita, é que desejamos alguém que concorde, e não que escute. . . e no papel, imaginamos, iludidos, mas aliviados, que todos nos confortam com a sua piedade!

Qualquer atitude estranha e demoníaca, qualquer sentimento desprezível será sempre confundido com a máscara do personagem. Como autor, sempre estarei livre para flertar com o abismo, deixando à imaginação do leitor distinguir-me das personas que criei.


Jorge Araken Faria da Silva Filho, apenas um Escrevinhador sem Folhas , alguém que escreve sobre os seus dilemas, na tentativa de conhecê-los.