Cordialidade é tratar o próximo com o coração. . .
A cada dia que passa mais me espanto com a intolerância
nas redes sociais! Tudo é desculpa para reduzir o outro a um arquétipo universal,
do bem ou do mal, como se não convivessem em todos nós a imagem de Deus e do
diabo. Tudo é motivo para o “apartheid” virtual: a religião ou a sua ausência,
a opção política ou sexual, o time de futebol; tudo divide os homens, segrega
os inconformados e excluídos da fortuna ou desconectados dos padrões uniformes
de beleza; qualquer divergência basta para castrar os espaços de liberdade, reduzindo
as pessoas a categorias desumanizadas e excludentes, que se desconectam umas
das outras.
O mito da cordialidade do povo brasileiro, tão
decantado em prosa e verso, não resiste ao mais breve passar de olhos pelo Facebook
ou pelo Twitter.
No trânsito, não seria exagero reconhecer um genocídio
disfarçado de modernidade, uma competição desenfreada e neurótica pelo espaço
das ruas, uma corrida para ter a preferência e chegar alguns segundos antes do
outro. Ninguém percebe que o destino é sempre a morte. . . Quanto mais rápido
se caminha, menos se percebe o percurso. E a vida é o caminho, e não o destino!
Nas calçadas, matam-se pessoas por bicicletas e celulares, que
são vendidos por alguns tostões a compradores, pretensiosamente
"espertos", que acabam sendo vítimas da própria "esperteza"
mais adiante. Alimentam o "monstro" que um dia haverá de devorá-los.
. .
Nos estádios, o jogo é o que menos importa; na verdade é um mero
detalhe nessa guerrilha sem causa a quem não é da minha turma. Muitos sequer
sabem o resultado da partida. . .
Os que tombam pelo caminho, vencidos pela violência,
transformam-se em estatística para os meios de comunicação. Surgem
especialistas em previsões do passado, profetas da tragédia acontecida, sábios
de gabinete que desafiam autoridades, questionam modelos, mas não oferecem alternativas
concretas, algo além das bravatas na televisão e nas redes sociais.
Pessoas dignas, mas imaturas; indignadas, mas tolerantes às suas
próprias falhas, avessas ao espelho que revela além das fantasias que alimentam
sobre si mesmas; gente que troca ofensas por questões mínimas, quase sempre falta
de diálogo e, não raro, simples arrogância ou, talvez, para compensar a baixa
autoestima.
Por mais que tente encontrar um traço humano em certas
manifestações de agressividade gratuita, ainda me impressiono com a obsessão
preconceituosa de algumas pessoas nas redes sociais.
Palavrões e ofensas que sepultam a interação criativa,
demonstrando que a falta de argumentos e, sobretudo, de civilidade e tolerância
pode levar à desconstrução do humano que havia em nós. Num simples comentário,
esvai-se a fraternidade e ficam os ódios por saciar. . .
“A crueldade tem humano coração,
E tem a intolerância humano rosto;
O terror a divina humana forma,
O secretismo humano traje posto.
O humano traje é ferro forjado,
A humana forma, forja incendiada,
O humano rosto, fornalha bem selada,
Humano coração, abismo seu esfaimado. “
(Uma Imagem Divina. Poema de William Blake, in "Canções da Experiência". Tradução
de Hélio Osvaldo Alves )
Ao invés da interação criativa, que une os contrários,
revelando a diversidade, muitos preferem acirrar os conflitos entre os seres
humanos, aprofundando o fosso que nos separa em pobres e ricos ou que nos
define pela sexualidade, cor da pele, opção política ou religiosa e por outras
formas de segregação.
A visão multicultural, que transita pela diversidade, não
implica na aceitação cega do pensamento dominante, mas no reconhecimento da
dúvida como elemento essencial à evolução humana. Se os homens não
questionassem o conhecimento monolítico do seu tempo, ainda estaríamos nas
cavernas, imaginando que a Terra seria o centro do Universo ou que voar seria
um sonho impossível.
Pessoas inocentes, manipuladas sem perceber, aprisionam-se aos
interesses da mídia e de políticos matreiros, quase sempre alugados ao poder
econômico. Julgam as atitudes e o caráter dos "amigos virtuais" e
ofendem a honra de autoridades que sequer conhecem, por motivos que apenas
supõem ser verdadeiros. E dizem amém a outros, não raro de caráter duvidoso. . .
Muitos não passam de palpiteiros mal amados, sem lastro
intelectual e, muitas vezes, moral, gente tosca e de poucos neurônios que não
percebe a irrelevância dos seus comentários raivosos. Nada acrescentam, nada constroem
e ainda tentam desconstruir o que os outros fazem. Simples papagaios que
repetem impropérios que não compreendem por motivos que desconhecem.
Mergulhados no próprio umbigo e bebendo o veneno que destilam
pela boca, sempre cheia de palavras alheias, buscam saciar seus desejos de
reconhecimento e aceitação, menosprezando os que ousam viver a felicidade que
não alcançam. Tentam reduzir o outro à sua própria estatura, para dar significado
à sua vida esmaecida e sem cores.
Quando encontram eco para os seus gritos e suposições vagas,
sequer percebem que o "amigo" virtual, que curte ou compartilha as
suas tolices, possui interesses inconfessáveis, quase sempre econômicos, para
fazer ecoar a mentira que o inocente útil repete com a aparência de verdade.
Cheios de certeza, enfastiados do próprio ego, opinam por ouvir
dizer que tal pessoa é a personificação do mal ou que determinado político é
intrínseca e inevitavelmente corrupto. E outro, sabe-se lá por que mecanismo
obsessivo e maniqueísta, é representado como a humanização do divino, sempre
certo e bondoso.
Tratam os políticos como pais e mães da pátria, que devem ser
religiosamente seguidos ou visceralmente odiados. Não há o meio termo onde
transitam os humanos, com falhas e virtudes, o espaço do confronto dialético
para a construção de algo melhor.
Quando lhes perguntamos por que chegaram a essas conclusões,
respondem, pela boca e ouvidos alheios, que os jornais disseram isso e aquilo
ou, confessam alguns, leram no Facebook, o guardião das certezas, o repositório
das verdades eternas.
E essas versões da realidade, filtradas pela
maledicência ou, não raro, por intenções escusas, passam a ser a única
realidade possível para essas pessoas manipuladas e egocêntricas, que se
encastelam numa visão excludente e preconceituosa da realidade que não
conhecem.
Essa dicotomia maniqueísta, em que tudo que vem de um lado é bom
e tudo que vem do outro é mau, além de egocêntrica e narcísica, revela uma
obsessão pelo controle da verdade. Estou sempre certo, e todos os que sigo personificam
a santidade!
Iludidos por essa sensação de superioridade intelectual e moral,
muitos fazem da mente um depósito de suposições alheias, raramente
transformadas por reflexão própria. Simplesmente arquivam verdades e certezas!
Em um dia de fúria, tiram-nas do armário, despejando nas redes sociais o seu doce
veneno. . .
Essas personalidades egocêntricas precisam de tratamento
psicológico e, para os mais empedernidos, talvez psiquiátrico!
Se você tem sempre muitas certezas, acha que está sempre certo,
que as suas opiniões são sempre as melhores, que o seu caráter é digno de
canonização, que os outros estão sempre errados, quando não refletem o Narciso
que você vê no seu espelho, vou revelar um segredo: você raramente está certo!
Isso é transtorno de personalidade!
Pense bem, isso não mata, mas redime. . .
Você já percebeu que é sempre o mais honrado dos homens? Que
está sempre certo? Que todos estão errados ou merecem as suas censuras morais e
intelectuais?
Sabe o que é isso?
É megalomania, mas conhecida como transtorno de personalidade
narcisista.
Ficou complicado?
Eu traduzo: é esse delírio ou fantasia de onipotência, grandeza,
poder e relevância que se descola da realidade medíocre da sua vida interior,
exagerando crenças, virtudes e competências que você não possui.
Leia o texto que escrevi sobre a linguagem silenciosa
do preconceito e procure os sintomas do seu mal. Ele tem cura!