Há quanto tempo você não faz sexo?
(A saga continua...)
Nos meus passeios dominicais pelo “Facebook, deparei-me, ontem, com uma
inusitada “pesquisa”, idealizada por um “amigo” virtual. Indagava ele, com
certa dose de humor, há quanto tempo os seus amigos não faziam sexo. Eu preferi
não dar a minha resposta, não por pudores e amenidades elegantes, nem por falso
moralismo, mas porque tal indagação, em que pese a intimidade que se revela,
merece um texto mais aprofundado. Resolvi, então, escrever algumas linhas sobre
o tema, examinando-o sob a minha perspectiva.
Antes de dizer o que penso e a quantas
anda a minha sexualidade sublimada, eu digo aos meus leitores que nove entre
dez pessoas que responderam eram homens e, a esmagadora maioria, narrava feitos
heroicos, bravatas e peripécias sexuais: — estou há meia-hora, diziam aos mais
mentirosos; outros, mais realistas, diziam ter feito sexo na noite anterior.
Alguns poucos, por chacota, falavam em anos, despertando, de imediato, a veia
tragicômica dos amigos, um sentimento cruel que os alemães chamam de “Schadenfreude”.
Ainda não compreendo a exata extensão
desse prazer, mas podemos ser cruéis em alguns momentos da vida, muitas vezes
sem perceber. Não raro, encontramos uma estranha e perversa felicidade na
miséria e no infortúnio de outrem. Como a plateia de um cinema virtual,
saboreamos as dores mais amargas de um “amigo” com pipocas doces.
E são tão universais essas situações, e
acontecem com tanta frequência, que deveríamos ter uma palavra específica, em
língua portuguesa, para descrever este sentimento mórbido e mesquinho, como
existe no alemão ("Schadenfreude")
e no grego ("epikhairekakia").
Alguns dizem: – Bem feito, ele mereceu!
Acontece, por exemplo, quando rimos de
alguém que tropeça na calçada ou comete uma gafe ou, ainda, quando ficamos
tristes ao saber que um amigo conquistou algo que não temos ou comprou o carro
dos nossos sonhos. Até facadas no intestino merecem comemorações ultimamente...
Civilização de merda, literalmente!...
Trata-se de um sentimento sádico e
cruel, quase uma vingança pelas situações em que também fomos vítimas de
brincadeiras cruéis, as famosas “alugações”, supostamente inofensivas, mas
carregadas de emoções negativas, que marcam as suas vítimas, mesmo quando
fingem não se importar.
Impulsos humanos, quase primitivos,
sentimentos de desforra, presentes até nas crianças, que mostram o Mister Hyde dentro de nós, que só
aparece nos momentos em que deixamos cair a máscara do bondoso Doctor Jekyll.
Por isso, quando estou mergulhado na
autoindulgência, buscando a piedade dos "facefriends",
penso dez vezes antes de revelar as minhas dores mais amargas, pois elas são a
pipoca doce dos falsos amigos. Não que eu me incomode com o preconceito alheio;
afinal, cadáveres em construção, depressivos “quase” psicóticos, como eu,
zombeteiros de si próprios, seres do esgoto, habitantes do subsolo, pouco se
importam com o destino, salvo se significar vida longa. Ainda bem que sou — ou
me tornei! — um masoquista emocional: dor é o meu sobrenome; morte, a minha companheira
inseparável, a bela dama que, num surto qualquer de “lucidez” ou “loucura”, eu convidarei
para dançar... Esperança é algo que realmente não tenho, só se for em dias
piores.
Ainda bem que sou esse projeto mal-acabado
de escritor, um homem com muitas personas,
traços que se disfarçam, tornando-se indistintos em meio à névoa das minhas narrativas
supostamente fictícias. Tenho os meus personagens, para fazer a catarse dos
males ocultos, para fingir que sou normal, bem ajustado e mentalmente são. Suicido-me
aqui e ali, num conto trágico, sem que os leitores percebam a beira do abismo em
que caminho todos os dias. O fio da minha navalha emocional está sempre
afiado!... Contudo, a verdade é uma só: quem escreve os seus males espanta!, e
os espanta disfarçados de mitos e fantasias. O leitor acaba imaginando que eu
sou um homem confiável...
Mas ontem — com a tal pesquisa sobre a
sexualidade dos “facefriends” —, eu
me senti tentado a fazer (mais) uma das minhas infindáveis confissões. Não me
importo com os risinhos debochados, que muitos darão em silêncio, nem com a
hipocrisia dos que se mostrarem solidários.
Começarei pela notícia bombástica: eu
completo, neste mês de setembro de 2018, exatamente 4 (quatro) anos e oito
meses sem sexo, salvo uma tentativa que, examinada em retrospectiva, foi um ato
falho (falarei dela em outro texto.). Na verdade, solidão absoluta, sem amigos
ou conhecidos, uma vida de completa ascese monástica, que seria irônica, se não
fosse trágica, em se tratando de um ateu “incurável”, como sou, sempre fui e continuarei
sendo.
Abro aqui um parêntese: não acredito em
nada, nem em Deus nem nos humanos! Aceite e aprenda a lidar com isso; é só o
que lhe resta.
Voltando à minha sexualidade castrada...
Eu até poderia criar narrativas
fantásticas, sobre as conquistas que realizei nos últimos tempos. Sei escrever
razoavelmente, e não seria difícil enganar até o menos incauto dos leitores.
Mas eu prefiro lidar com a realidade...
Feita a confissão inicial — de que
estou há 4 (quatro) anos e oito meses sem sexo —, que poderá chocar os homens com
testosterona à flor da pele, eu confesso, também, que não saí do armário;
continuo gostando, apenas, de mulheres! Homens jamais me preencherão, seja no
sentido mecânico da coisa, seja no sentido figurado. Sou “hetero”, e exclusivamente “hetero”,
embora isso não me torne melhor nem pior dos que os que preferem carinhos
homoafetivos. Se eu resolvesse sair do armário, ninguém me impediria: eu seria
uma bicha louquíssima e, provavelmente, “pintosa”, quase uma “mancha”! Na boa,
eu estou realmente me lixando para o que as pessoas pensam da minha sexualidade
e, se fosse “gay”, não me importaria
com a sua opinião sobre o “uso alternativo” do meu ânus... Ninguém define as
minhas escolhas nem diz o que eu devo fazer com os meus órgãos sexuais e
orifícios de entrada e saída. Contudo, sempre fui heterossexual e assim
pretendo continuar. Portanto, não foi por conflitos internos sobre a minha
sexualidade, “ATÉ AQUI!” bem definida, que eu passei tanto tempo sem sexo e
carinho. A minha solidão tem outros motivos. Expô-los-ei, a miúdo, antes que a
curiosidade mate um gato inocente...
Depois de percorrer caminhos
diferentes, muitas vezes em direções opostas, chega um dia, nos relacionamentos
humanos (entre amantes, pais e filhos, etc.), em que não importa mais saber
quem está ao seu lado, quem está contra ou indiferente.
A necessidade de perdoar, para ser
perdoado, quando se encarcera na santidade de um e maldade atávica do outro,
acaba encontrando o ódio ou a indiferença como destino. As emoções e
sentimentos, a pouco e pouco, vão se enlaçando em um novelo de orgulho e
ressentimento, que nunca mais se desfaz.
A partir do momento em que as mágoas se
tornam essa bola gigantesca e monstruosa, que rola montanha abaixo, nada mais
importa: nem a possibilidade de se reconectarem os afetos, nem a necessidade de
paz e segurança para as horas difíceis, que chegam — frias e inexoráveis —,
quando a velhice cobra seu preço, e a vida, esse estranho caminho entre o
nascimento e a morte, escorre entre os dedos. Acabamos sós, sem reconstruir os
afetos que foram alquebrados pela culpa. É ilusão imaginar que nunca é tarde,
amigo leitor!
Às mulheres que me desejarem ao perto (não
me iludo com a existência de seres, assim, de fases, com tão notável mau-gosto!),
eu me apresento: sou o ser humano que me tornei, só mudo por mim mesmo e quando
me aprouver! Então, eu me permito mudar? Eventualmente, sim, mas não porque
vocês me queiram diferente do que sou. Eu realmente não sou o seu projeto de
homem! Às mulheres que me desejarem ao longe (muitas!), eu oferecerei o meu
singelo foda-se. A quem sequer me conhece ou, infelizmente, conheceu quem eu
fingia ser, eu rogarei que siga o seu próprio caminho. Se não nos encontrarmos
nas curvas do destino, que a sorte seja lançada, e cada um carregue a sua pedra
montanha acima, como Sísifo.
Para morrer, que é o meu destino
inevitável, eu não preciso de colo. Posso simplesmente cair na primeira cova
que aparecer. Até lá, qualquer calçada será o meu castelo.
Eu tenho sobrevivido sem qualquer
contato com algumas pessoas que amo muito. Elas sabem de quem estou falando,
sem que eu precise expô-las, não por mim, mas por elas. Eu não acho justo
aparecer do nada, depois de havê-las “abandonado”. Após tanto tempo de ausência
— causada por escolhas erradas que eu mesmo fiz —, eu comecei a perceber que
muitas cicatrizes nunca desaparecem, por mais que, de coração sangrando,
alimentemos ilusões de concórdia e perdão. Na verdade, o que não tem remédio,
remediado está! Só não posso dizer que sou feliz sem essas pessoas. Mas eu
tenho um grave defeito: não sei perdoar e não desejo ser perdoado por ninguém.
Um dia quem sabe... Mas não carrego expectativas: elas são como a pedra de
Sísifo, de que falei acima.
Como uma boa conversa é melhor do que
mil ensaios, eu resolvi imaginar um personagem e, com ele, iniciar um diálogo
sobre a minha própria existência, tendo sempre como perspectiva a sexualidade
que há tantos anos sublimei ou, se preferirem, castrei. Chamarei o meu
interlocutor de “alter ego feminino”; sem pudores, eu representarei o meu
próprio personagem, de cara limpa e sem máscaras ou disfarces:
Alter ego feminino: — Jorge, você sabe
por que está sozinho?!... Não se finja de desentendido! Eu sempre falei para
você mudar as suas atitudes. Não foi por falta de aviso. Mas, não, você sempre escolheu
mulheres jovens e imaturas, para testar a sua masculinidade fragilizada e mostrar
ao mundo que tinha garras afiadas. Com essas jovens a tiracolo, você desejava parecer
um garanhão puro-sangue, um ser desejante, mas, também, desejado. Nunca foi
amor, ao menos da sua parte; na melhor das hipóteses, obsessão. Você as enganava
e seduzia com um dinheiro que nunca teve, embora fingisse ter, com uma vida glamorosa
que não vivia, embora aparentasse viver; tudo para reafirmar o seu ego de macho carente. Você tentava comprá-las,
pensando, narcisicamente, que estavam à venda, como sonhos, numa padaria
qualquer; embalde, você tentava reduzi-las a mercadorias de uso e descarte
rápido... Ledo engano!... Bem mais maduras do que você — mais espertas, talvez,
apesar da idade —, elas descartavam-no antes... Jorge, o lixo emocional era
você, e não elas! Aliás — custa-me dizer isso! —, elas estão melhores, hoje, sem
você, do que estiveram, algum dia, ao seu lado, e estão ainda mais felizes, por
certo, do que estariam, na sua companhia, depois que você se tornou “um cadáver
em construção”, e aqui as palavras são suas. Passe os olhos pela linha do tempo
das mulheres da sua vida, nas redes sociais, e veja por si próprio! Eu sou uma
das jovens que você, inutilmente, tentou seduzir... O pé na bunda que eu lhe
dei foi autodefesa... E eu não fui a única! Creio que falo por todas as outras.
Jorge: — Quem é você, afinal? Uma
treinadora de vidas? Depois que inventaram essa porra de “life coaching”, qualquer idiota se acha no direito de ministrar
receitas de bem-aventurança. Faz dois ou três cursinhos de merda, lê dois ou
três livros de autoajuda e já se imagina como um guru indiano, que veio ao
mundo para dizer aos outros como devem ou não viver as suas próprias vidas.
Ora, vá à merda!
Alter ego feminino: Você tem a boca
suja, Jorge! Isso é sintoma de falta do que dizer...
Jorge: — A dama politicamente correta
não gosta de palavrões? Eu machuco os seus ouvidinhos sensíveis? Deixe de ser
hipócrita! O seu moralismo de rameira arrependida não me comove. Você quer dar
aulas de bem viver aos outros, porque não sabe como viver a sua própria “fucking life”. Já manjei a sua parada
de “life coaching”, a “treinadora de vidas” que diz como as
pessoas devem agir, escreve roteiros a serem seguidos, diz como eu devo me
comportar, decide para onde eu posso ir e com quem devo ir. Você nunca está
errada e tem sempre a última palavra, até mesmo sobre o que eu devo fazer da minha
própria existência, no que eu devo trabalhar, o de que eu devo abdicar, para
merecer a bênção divina que é estar ao seu lado.
Alter ego feminino: — Jorginho, meu
amigo, que Deus perdoe a sua insanidade!
Jorge: — “Amigo”?! Sabe de uma coisa?
Na minha vida mando eu; o meu caminho eu mesmo escolho. Se eu quiser me matar
ou pular do Grand Canyon, eu mesmo decidirei isso, e não você. Não serei jamais
o seu projeto de vida, a cobaia do seu narcisismo, o refém com síndrome de Estocolmo
que se apaixona pelo seu algoz. Vá treinar a vida da sua mãe, porra!
Continuarei bebendo a minha cerveja no botequim do Seu Chico (se e quando tiver
dinheiro!), não abrirei mão dos meus pouquíssimos amigos para satisfazer o seu ego. Quer mais? Eu não sei dançar, aliás
nem gosto, embora tenha tentado aprender durante muitos anos, não para me
sentir bem ou feliz, mas para agradar a quem não se importava comigo. O pior é
que eu ainda me sentia culpado pela minha descoordenação psicomotora,
envergonhado por envergonhá-la. Como eu era besta!
Alter ego feminino: — Eu sempre quis
que você aprendesse a dançar, não apenas por mim, mas para o seu próprio bem.
Além disso, não me acuse de obrigá-lo a fazer algo que eu nunca soube que você
não gostava. Cabia a você estabelecer esse limite, dizendo, claramente, que
nunca gostou de dançar. A mim só me cabia decidir se aceitava ou não a sua escolha.
Se eu não aceitasse, e isso fosse essencial para mim, eu o deixaria. Se não
fosse, cederia em nome da relação. Mas eu nunca tive chance de saber a sua
vontade. Você sempre foi covarde e omisso. Cara, isso não é coisa de homem! Eu
gosto de macho alfa, e não de lobo
sem dentes, que se acovarda no meio da matilha. O lobo mais forte fica por trás
de todos os outros, no final da fila, vigiando a matilha, para que ela se sinta
segura, sabendo que tem um verdadeiro macho alfa
por trás. Eu quero um homem assim, de decisão, um homem que me proteja, que
rasgue a minha calcinha com os dentes e me jogue na parede como lagartixa!...
Jorge: — Hoje em dia, eu só não estou
cagando e andando para você e o mundo, para as suas receitas do macho alfa que eu deveria ser, porque ainda
não aprendi a cagar andando. Na boa, eu quero mesmo é que você encontre outro
idiota deslumbrado, como eu fui um dia, alguém com a mesma autoestima na lama
para ser o brinquedinho do seu gozo narcísico. Ninguém haverá de mudar o que eu
me tornei, sem que eu mesmo o deseje. Nem por você nem por ninguém, eu abandono
os meus defeitos preferidos, como esse orgulho filho da puta que eu tanto amo
em mim mesmo. Não abro uma vírgula do que sou por ninguém nessa porra de mundo.
Não mais!... Tenho tantas sombras dentro de mim, tantos desvios de caráter e fraquezas
morais, que nem o próprio Lúcifer me desejaria ao seu lado. Sou bem pior do que
o seu pior pesadelo! Os meus vícios e máculas morrerão comigo; passei a vida
cultivando torpezas, e não irei lançá-las na fogueira da sua Santa Inquisição,
só porque você as considera indesejáveis. Não tenho medo da sua faceta de
Torquemada! Sou desajustado, e com orgulho! Certo ou errado, bondoso ou
diabólico, esse sou eu, um cara orgulhoso, que morrerá sozinho, mas de pé,
nariz altivo e cabeça erguida.
Alter ego feminino: — Ainda bem que
você sabe que o seu destino é morrer sozinho em um sofá, e só ser encontrado
dias depois, como aconteceu com a sua mãe. Com os seus próprios pés, você está
cavando a sepultura em que será enterrado. Eu era a última chance da sua vida!
Fui bondosa ao aturá-lo por tanto tempo. Por amor, esse estranho e inexplicável
amor, eu só pensava em o salvar desse destino inexorável. Agora, eu preciso
pensar em mim mesma, para variar.
Jorge: — Não pense que a sua crueldade
me comove, nem que a sua hipocrisia me convence! Eu não perdoo ninguém, mas
também não peço perdão, mesmo quando estou errado. As minhas cagadas foram
muitas, algumas irreversíveis; muitas pessoas eu magoei, mas não abaixo a
cabeça. Sofro sozinho, morro sozinho, sem pedir perdão e sem perdoar. Prefiro
carregar a minha culpa como Sísifo, rolando ladeira acima, numa montanha sem
fim, a renunciar uma vírgula do meu orgulho filho da puta. Esse sou eu, ou
melhor, o que me tornei, gostando o mundo ou não.
Alter ego feminino: — Os pecados que
cometemos servem para nos fazer amadurecer, quando admitimos o erro, pedimos
perdão e nos perdoamos.
Jorge: — “Quem dentre vós, não tiver pecado, atire a primeira pedra”! Sabe
quem disse isso? Pois é... E repare que eu sou ateu; é você que vive na Igreja,
tentando negociar os pecados com Deus em troca de salvação. Você passou a vida
fazendo merda e, agora, no crepúsculo da sua existência, quer apagar tudo com
duas missas por semana. Antes que eu me esqueça: vá à puta que pariu!
Alter ego feminino: — Que vocabulário
estreito para alguém que se diz escritor!...
Jorge: — Estou farto de gente
hipócrita, que julga nos outros o que falta em si próprio, que comete
atrocidades e pecados vis, para depois se fingir de arrependido diante do
altar. A quem você acha que está enganando? Se esse Deus existisse, estaria
arrependido da sua própria criação, farto de tanta hipocrisia e falsidade.
Sendo tão poderoso, ele certamente haveria de saber que você faz o sinal da
cruz na intenção de que Ele envie outro filho, para morrer pela salvação da
humanidade, expiando, assim, os pecados desse mundo vil e cruel, incluindo, no
primeiro lote de perdões divinos, os seus próprios pecados. A mesma boca que reza
o “Pai nosso” é a que pragueja
intolerância nas redes sociais (Se você for evangélico, não fuja da raia!: também
vale para você, que faz orações recheadas de pedidos...). Hoje em dia, eu sou o
que me tornei, e não o que dizem; faço o que quero, quando quero e como quero,
e não o que esperam de mim. Quem me quiser vai ter que levar o pacote fechado,
como a Caixa de Pandora.
Alter ego feminino: — E o que tem
dentro da sua Caixa de Pandora, Jorge?
Jorge: — Nem eu mesmo sei... Para dizer
a verdade, eu só sei que, ao contrário do Mito de Pandora, dentro de mim não
restou sequer a esperança. Os meus males, eu os espargirei pelo universo, para revelar
o de que sou feito. Não pense que calarei os meus demônios interiores, para
agradá-la; não imagine que me tornarei um carneiro, para você me tosquiar. Quem
me quiser, que se aguente com os comigos de mim mesmo. Não abrirei mão de quem
eu me tornei, para ser outra pessoa, mesmo que, assim agindo, eu me condene a
morrer sozinho. Para morrer, eu não preciso de companhia!
Alter ego feminino: — Você se tornou
amargo e insuportável! Por isso, está sozinho. Nem os seus filhos querem vê-lo.
O seu pai não se dá ao trabalho de tentar contatá-lo, ao menos para saber se
você está vivo. E seria fácil, com as redes sociais: bastaria pedir a alguém...
A sua mãe, pobre coitada, mergulhou na mesma depressão psicótica que o devora
e, lentamente, se deixou morrer num velho e carcomido sofá; ela simplesmente abandonou
o mundo e apodreceu em vida, exatamente como você tem feito. Ninguém o deseja,
Jorge, nem por piedade! Você afasta as pessoas!
Jorge: — Sozinho eu já estou, e ainda
não me matei!... Mas é verdade: a minha mãe tinha um velho sofá; eu nem isso...
Na verdade, eu não preciso sequer de um caixão! Posso cair em qualquer lugar;
os vivos que se incomodem com o meu corpo apodrecido.
Alter ego feminino: — Eu sei o que é
melhor para você. Por isso, dou-lhe tantos conselhos. Eu fiz um curso de
“Coaching” no ano passado. Eu me preocupo com você. Querido, você está doente!
Jorge: — Ainda bem que você reconhece
que eu sou um homem doente, um homem mau, como aquele personagem de
Dostoiévski. Ah, esqueci, você só lê memes
no Facebook...
Alter ego feminino: — Jorge, você está
mesmo doente!...
Jorge: — Esse é o seu problema e de
todos os narcisistas que vomitam baboseiras autopiedosas e receitas de vida
conformada e ajustada. O que vocês chamam de “coaching” é, na verdade, a tentativa egocêntrica e manipuladora de
criar seres humanos ajustados e desejáveis, como ovelhas e vacas em um curral. “Coaching” é um embuste para modelar
seres humanos bondosos e sem defeitos, algo que não passa de ilusão narcísica.
Os seres limítrofes e indesejáveis — esses que flertam com o caos, que se desviam
da estrada florida da felicidade conformista e homogênea, o chamado “American Way of Life” — são convidados
ao adestramento pelos “treinadores de
vida”, os “Life Coaches”, sendo
banidos da sociedade, no caso de fracasso em suas metas. ou você imagina que é por mero acaso que
a expressão — “Coaching” — se escreve
em inglês? Hoje são “Coaches”,
antigamente eram “Santinhos do Pau Oco”...
Alter ego feminino: — Eu só queria usar
o meu treinamento, para aprimorar o seu desempenho profissional
e de vida. Você abandonou a advocacia, deu um salto na escuridão desse abismo
existencial, mas não tem nada de concreto que o permita sobreviver com
dignidade. Não se vive só de sonho, mas de sonho e dinheiro. É verdade que
dinheiro não traz felicidade, mas a sua pobreza (permita-me usar o seu
linguajar chulo), a sua pobreza franciscana de hoje não traz porra nenhuma.
Jorge, não seja romântico e ingênuo! Não se larga o certo pelo duvidoso. Essa
capacidade de aprender a lidar com os desafios profissionais, esse treinamento
constante das suas habilidades sociais é o que eu queria para a sua vida. Eu
poderia treiná-lo, e o faria sem cobrar honorários.
Jorge: — Vá adestrar a sua mãe, “fucking bitch”! Você jamais irá mudar o
que me tornei! Morro só, mas de pé! Jamais mendigarei o que quer que seja, de
quem quer que seja, nem comida, nem dinheiro, nem afeto. Espere sentada pelo
meu pedido de socorro! Prefiro um cálice de veneno... Escreva no meu epitáfio:
“Aqui jaz um homem que virou suco e morreu por orgulho!”
Alter ego feminino: — Eu realmente temo
que você acabe se suicidando...
Jorge: — Que assim seja, então! Apareça
logo essa vontade insuperável de aniquilar um ser humano que já está
aniquilado! Quando morre, o homem se liberta.
Alter ego feminino: — Você deseja realmente
a liberdade? Então, morra, Jorge! Morra agora! Eu compro o veneno. Ninguém se
importa, se você morre ou vive... Então, simplesmente morra! Como você mesmo
disse, só é livre o homem morto! A liberdade, para você, deve ser uma ilusão
dos vivos. Morto e livre, você aprenderá a ter piedade de quem, como eu, ainda tem
coragem de viver. Morrer é fácil, o difícil é sobreviver!
Jorge: — Só os vivos pranteiam os
mortos, imaginando-se venturosos por sobreviverem a eles. Mal sabem eles que o
bom da vida é morrer. Sob sete palmos de terra, comido pelos vermes, enfim, serei
livre! Mas não se iluda com isso que você chama de vida: você me seguirá em breve!
As aves de rapina já sobrevoam o seu espectro...
Depois desse diálogo imaginário, retomarei
o fio da meada...
Diante de tantas descobertas que ando
fazendo sobre mim mesmo, eu achei melhor me afastar das pessoas e do mundo,
permanecendo recluso nesses quatro anos e oito meses de solidão. Não queria
arrastar para o meu abismo existencial quem, por ilusão ou resiliência, ainda
tenta sobreviver às intempéries.
Apesar da seca saariana em que eu me
encontro — um deserto de afetos e lubricidade... sem oásis —, eu não recomendo
a ninguém se manter casto por tanto tempo. É muito difícil, quase insuportável!
Em certos dias, dá vontade de pular do Empire State Building; em outros,
reconforta-me a ilusão de que uma linda mulher me aguarda nalguma curva do
destino.
Nesse instante, formulo outra indagação
meramente retórica: vale qualquer sacrifício em nome do amor?
Começo a resposta por um diálogo entre
pai e filho, na véspera de natal, em um filme romântico cujo nome não me
recordo. Lembro-me, porém, do enredo e irei reproduzi-lo com as minhas próprias
palavras, mantendo, contudo, a ideia original da obra cinematográfica:
Pai: — Há dois tipos de sacrifício que
um homem faz por uma mulher: o bom e o mau!
Filho: — E como saber qual sacrifício
nós estamos fazendo?
Pai: - Depende de como a história
acaba...
Antes deste diálogo, o personagem do
filho, jovem bem-sucedido que deixara o lar paterno para estudar na Cidade
grande, revelara ao pai a sua intenção de abandonar a carreira e retornar à
cidade natal, no interior dos EUA, para transformar em realidade o amor
platônico que dedicava a uma jovem, amiga de infância, a quem conhecia desde os
5 anos de idade.
Abstraindo a falta de criatividade do
roteiro, que revela, em sua tessitura narrativa, um clichê dos filmes do
gênero, podemos observar os arquétipos da mocinha inocente, sonhadora e
romântica e do garoto idealista, boa praça e bem-sucedido. Repetindo velhos
modelos da “Sessão da Tarde”, eles se
conheceram na infância, amaram-se em silêncio por muitos anos, mas nunca
viveram esse amor "impossível".
Suspeito que esse "amor
platônico" nunca se concretizou, justa e precisamente, porque eles sabiam
tudo um do outro, não só as qualidades visíveis, como os defeitos insondáveis.
Sem os mistérios do outro a serem desvendados, tudo virou uma longa amizade,
escondendo um amor latente! Na verdade, amamos no outro o ser ideal que
projetamos nele, e não a realidade que ele esconde ou revela; amamos no outro o
nosso próprio desejo. Todo amor tem um quê de narcisismo, amigo leitor!
Apesar dos clichês, o
diálogo entre pai e filho remete-nos a um dilema existencial: se a consciência
de que o sacrifício em nome do amor foi bom ou mau só virá no final da
história, vale a pena sacrificar o presente, mesmo sem saber se o prêmio futuro
compensará a imolação de ambos os amantes? Somos o único animal que tem
consciência da inevitabilidade da morte, e isso nos faz temer o adiamento dos
desejos. Uma hora qualquer será tarde demais para tentar aquele amor
platônico...
Não existe uma resposta única e
objetiva, que sirva de modelo para todos nós! A subjetividade dos nossos medos
e a resiliência para suportar eventuais fracassos é que define se o risco de
tentar é maior do que a dor por não tentar. Numa vida tão curta, pode ser
preferível experimentar uma história de amor, mesmo sabendo-a improvável, a
viver na ilusão de que bastaria haver tentado.
Entretanto, toda decisão tem o seu
preço: arriscar o meu pescoço nem sempre dá certo! Tentar e quebrar a cara pode
ser ainda pior, se eu, no afã de saciar a minha carência afetiva, elevar
demasiado alto as minhas expectativas. Quanto maior o salto, maior a queda!
Mas, por outro lado, com a cara a quebrada eu já estou, se a falta desse amor
já me angustia tanto assim...
Seja como for, de uma coisa eu não posso
abrir mão: do meu amor próprio. Quem não se ama é incapaz de amar e busca no
outro um motivo para viver. Mas esse motivo, seja ele qual for, deve estar dentro
de mim, e não no outro. A vida é minha, e não das mulheres que cruzaram os meus
caminhos. Devo encontrar eu mesmo um sentido para a minha vida! O
sacrifício em nome do amor é sempre uma escolha, mas nem toda escolha me
convém!
Você queria uma resposta objetiva da
minha parte? Lamento dizer que o amor é um livro aberto, com folhas em branco.
Não existem receitas para a felicidade. De fato, só existe uma regra: escreva
você mesma a sua história! E por mais intenso que se torne esse desejo de amor,
nunca entregue a outrem a caneta do seu destino.
No meu caso, eu decidi cortar as
amarras com o mundo, para não levar comigo, no meu naufrágio, pessoas que ainda
estão tentando navegar. Enquanto eu não encarar o meu próprio abismo
existencial, só a solidão monástica poderá poupar mulheres inocentes do destino
que eu escolhi para mim, que, nesse momento, é o de alguém que já desistiu da
vida. Dar a mão pode aniquilar a ambos! Diz um velho ditado cuja origem
desconheço: “quem quer ir rápido, melhor ir sozinho; quem quer ir
longe, melhor ir em boa companhia.”. Eu caminho sozinho, ao menos por
enquanto! Para mim, só existe uma
escolha: ficar sozinho, à margem da estrada, com o meu próprio fardo! Eu
insisto: não seria justo depositar o peso da minha renúncia sobre os ombros de
quem ainda está tentando caminhar. Mas estou aberto...
Não que eu viva sonhando. Nunca desejei
uma princesa de contos de fada, uma mocinha fútil e banal que pense em
sapatinhos de cristal, que espere encontrar príncipes em lagoas cheias de
sapos. Na verdade, eu quero uma mulher que me olhe nos olhos e diga
simplesmente:
— Você é cheio de problemas, nunca
atravessou os meus sonhos, mas eu preciso conhece-lo, apesar de tudo.
Insistirei nesse ponto: eu falei mulher,
e não homem! Não custa reforçar a minha heteroafetividade, depois que uma
ex-namorada, talvez ressentida, acusou-me de estar casado com um homem, e ainda
disse que ele era barbado e viril. Respeitem a minha hemorroida, amiguinhos!
Mais importante: tem que estar aberta
ao amor sem jogos de azar, sem piedade ou carência, sem buscar em mim o que lhe
falta. Ela deve ser ela mesma, ainda que me desagrade; deve ter opinião própria,
mesmo que me desafie; deve reagir, mesmo que eu a queira submissa.
Quero alguém que me faça ser melhor do
que eu sou, e não um espelho que me devolva a minha própria imagem.
Quero um anjo que desperte os meus
demônios, e não uma Deusa que me leve ao tédio! Quero uma “mulher-cabeça
e desequilibrada”, uma mulher “confusa, de guerra e de paz”,
como disse o Martinho da Vila; alguém que se permita entrelaçar as nossas
sincronicidades, sem perder as diferenças; encontrar a nota comum nas nossas
dissonâncias; caminhar para a dualidade dos inteiros que interagem, mas não se
anulam nem se fundem.
Sem idealizar sentimentos, só desejo a
felicidade dos pequenos gestos, a alegria de voltar para casa e encontrar um
sorriso, alguém que me aplauda, sem me acorrentar; que me respeite, mas não
deseje moldar a minha vontade nem o meu caráter. Quero alguém que não precise
matar a minha essência para existir, nem me capturar no seu desejo, para ser
feliz. Desejo encontrar uma mulher que seja capaz de ser feliz sem mim, mas
seja ainda mais feliz comigo.
Mulher ideal? Que nada, eu quero uma
mulher sem verdades absolutas, sem a perfeição divina, alguém que se torne ela
mesma e não conjugue o verbo ter com arrogância. Estou pedindo muito?
Deve ser por isso que estou sozinho.
Mas não perdi a esperança! Sei que ela está por aí... Muitas passaram, eu
passarinho...
“Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!”
(Poeminha do Contra, de Mario
Quintana).
Pode ser infantilidade! Hoje eu sei que
o difícil não é amadurecer, mas continuar menino. Depois de dilacerar a alma,
rasgando a pele sensível e me despojando dos falsos invólucros da persona,
alcancei umas poucas verdades sobre mim mesmo. Como disse Hegel,
"O
espírito só alcança sua verdade à medida que se encontra a si mesmo no
dilaceramento absoluto." (Hegel, Georg Friedrich Wilhelm.
Fenomenologia do Espírito. p. 16).
A mesma chave que tranca o
coração, ironicamente semeia a liberdade! Usá-la-ei sem medo. Finalmente,
descobri que o essencial é viver!
O verdadeiro escritor deve sentir na
pele o fogo das suas paixões, deve dar voz aos que morreram de tédio, dar um
coração aos nostálgicos enclausurados no medo. É tempo de encontrar as
histórias que se perderam, de libertar as memórias aprisionadas pela
insensibilidade da negação.
Quando a saudade se fez sonho, um grito
se libertou do silêncio. O silêncio se fez palavra; a palavra se fez luz; a luz
mostrou o caminho, e comecei a escrever o que os heróis não contam: era uma
vez, em um Reino muito distante, um escritor que se perdeu das palavras, e as
encontrou, solitárias, nos ermos do tempo...
Aos puritanos hipócritas e defensores
da castidade, eu ofereço, para caçar velas ao discurso, a “Balada da
Castidade em Tom Maior”, cantada pelo amigo da noiva, na Peça “O
Casamento do Pequeno Burguês”(“Die Kleinbürgerhochzeit”), Comédia em
Ato único, escrita por Bertolt Brecht em 1919:
“Oh! No escuro um no outro se
fundiu
Oh! Estamos sós! Ela olhou e
sentiu:
Ela é minha! Com desejo, ele
pensou
A escuridão, o fogo da paixão,
atiçou
Mas ele só beijou a noiva no
nariz:
“Minha noiva não é uma reles
meretriz!”
Nisso, ele jamais pensou!
Ah! Como é quente sua mão!
Ah! Como bate o coração!
Das bocas saem quentes gemidos
Cuidado! Não vá perder os
sentidos!
Ela só beijou o noivo no nariz:
“Eu não sou uma reles meretriz!”
Na hora, foi o que ela pensou!
Para ela ficar donzela
Uma puta ele foi procurar
Náusea e glória desta terra
A puta lhe soube ensinar
Mas o seu corpo era um abismo
Ele preferiu o ascetismo
E nisso ele não mais falou!
Para apagar o fogo
Que o puro noivo acendeu
Ela abriu o jogo
E, ao primeiro que veio, ela deu
(Debaixo da escada
Ela foi furada!)
Não era freira, mas a carícia
Mesmo brutal é sempre uma delícia
E sua fome, ela matou!
Hoje ele vive a se queixar:
A folia: pra que evitar?
Naquele mês de maio tão feliz
Ele só beijou a noiva no nariz
Ele como padre, ela como puta
Agora dizem para quem gosta:
‘A Castidade é uma bela bosta!’”
(BRECHT, Bertolt. “O Casamento do
Pequeno Burguês” — “Die Kleinbürgerhochzeit”. ).
Você é casto e tem ouvidos e olhos
sensíveis? A hipocrisia é sua, e não minha. Supere-a ou enterre a cabeça na
areia!
Não pensem, portanto, que me mantive
casto, nos últimos quatro anos e oito meses, porque sou ou me tornei moralista.
Eu sou um devasso incorrigível e, nas horas vãs, escrevo contos eróticos bem
apimentados — os mais suscetíveis e castrados chamam de pornográficos —,
narrativas puramente ficcionais que trazem à tona o libertino que eu recalquei
no inconsciente nos tempos em que, temeroso da civilização, eu ainda me importava
com a resposta que o mundo dava à indagação sobre quem eu era. Não sou,
portanto, moralista! Se você quiser mesmo saber o que eu penso da moral pequeno-burguesa
e judaico-cristã, imagine-me como o seu pior pesadelo. Nos meus contos
eróticos, eu penetro nas sombras do incesto e da traição consentida, da
libertinagem e do sexo grupal. Nem queira saber o que se passa na minha cabeça.
Mas a verdade é uma só: ao escrever os meus contos eróticos, eu me reconduzo
aos sonhos, gratificando a libido que foi represada pela falta de uma fêmea da
espécie, que pudesse saciá-la na realidade. Eu não faço sexo ou tenho qualquer
relação física ou afetiva há exatos quatro anos e oito meses (salvo um ato
falho, que explicarei em outro texto.)... E não enlouqueci! Por quê? Ora, exatamente
por escrever os meus contos apimentados. Eles fazem transbordar a libido,
descarregando-a na fantasia. Eu não precisaria confessar tal segredo no meu
Blog, algo que, para alguns (não para mim!), depõe contra a minha
masculinidade. Fi-lo, dentre outras razões, para demonstrar que a literatura
erótica e, de resto, a arte libertina — aí incluindo o nu artístico —
desempenham um papel nada desprezível na psique humana: eles liberam a energia
pulsional acumulada. Não acusem de falso moralista nem de hipócrita a um
escritor que se dedica à literatura libertina para sublimar o sexo!
Da minha parte, eu repito o que já
disse várias vezes: estou casto há exatos quatro anos e oito meses, nem tanto
por escolha própria, mas, sobretudo, por falta de opção! Ou melhor, as opções
podem até existir, embora eu não acredite em milagres. Seja como for, porém, eu
não desejo vê-las no meu abismo existencial. Aliás, verdade seja dita, eu ainda
alimento a vaga ilusão de que alguém, nalgum lugar desse mundo, não se
importaria com as minhas desistências, renúncias e rendições, se ao menos nos
conhecêssemos...
A mulher que eu imagino para mim não é
a que corresponda aos meus ideais projetivos, mas a que se revele com a sua persona verdadeira. Não sendo, eu
próprio, o Romeu, de Shakespeare, seria injusto e narcísico desejar uma atriz,
representando o papel de Julieta. Jamais aceitaria uma mulher que renunciasse à
vida por mim, porque a essa mulher lhe faltaria amor próprio. Eu desejo uma que
aceite o ser humano cheio de falhas que eu me tornei, mas que não precise
reprimir ou recalcar a sua própria essência para me agradar. Pessoas servis,
que agradam o tempo todo, são tediosas. Não valem o que o gato enterra... Que
ela seja, pois, como se tornou, e que eu a aceite ou caia fora!
Invocando Nélson Rodrigues, mas indo
além, eu diria que “só” os ginecologistas deveriam ser castos... A tentação é
infinita, e o ego humano, demasiado débil para resistir. Os
mortais — humanos como nós — devem cair na orgia. Não queiram ser como o noivo
da “Balada da Castidade em Tom Maior”: defensores da castidade das
suas esposas, mas cornos!
Como disse Bertolt
Brecht,
“A Castidade é uma bela bosta!”
Mas existe
uma luz no fim do meu túnel existencial. Só não sei se é a mulher da minha
“receita” ou um trem desgovernado, vindo em sentido contrário...
Depois das guerras que andei
enfrentando, lutas internas para me redescobrir, eu posso dizer, de peito
aberto e coração impávido, que o amor tem os seus encantos e mistérios, abismos
insondáveis e obscuros onde não existem seres humanos invencíveis. Perdi
algumas batalhas, mas ainda estou na guerra!
Jorge
Araken Filho, apenas um filho da puta que nasceu para encher o saco dos
hipócritas desse mundo, principalmente o dos que se fantasiam de santo.