terça-feira, 11 de setembro de 2018

A menina que roubava homens... (Segunda edição revista e corrigida)


A menina que roubava homens...

(Segunda edição revista e corrigida)

Vocês certamente já ouviram falar da “menina que roubava livros”, aquela do escritor australiano Markus Zusak, mas duvido que conheçam a “menina que roubava homens”... Renunciem aos pudores e conheçam-na:

— Jorge, aquela puta me roubou o Ricardo! Bem que eu desconfiei, quando ele me disse que era só uma colega de trabalho...

— Marinete, deixe-me ver se entendi: ela o roubou de você na cara dura e à luz do dia? E o Ricardo, "coitadinho"!, deixou-se levar, assim, hipnotizado, sem vontade própria, tão inocente!, arrebatado por um encantamento a que não podia resistir? Quem é essa feiticeira? Quero a receita dessa poção do amor!...

— Mulher que não presta é assim mesmo! Rouba o homem da outra, acaba o casamento alheio, porque não tem capacidade de conquistar o seu próprio.

— É essa a sua ilusão?

— Ilusão? Eu tenho certeza!

— Ilusões tornam-se certezas, quando negamos a realidade. Você se protege numa dimensão paralela e confortável, em que o objeto da sua paixão — normalmente idealizado e cheio de amor por você — acaba sendo roubado, contra a vontade, pelas mulheres sem caráter desse mundo!... E você, sempre autoindulgente, a pobre vítima da concupiscência alheia, o cordeiro que espia os pecados do mundo das putas, acaba desolada e espoliada do que, por direito inalienável e eterno, deveria ser apenas seu!...

— O Ricardo era meu, sim!

— Não se roubam pessoas, minha amiga! Elas se vão por vontade própria. Na verdade, ninguém é de ninguém. Quando a ideia de posse transita pelo amor e justifica a perenidade do laço, o que subiste, na tessitura do afeto, é a carência afetiva. Porque não sabe lidar com a sua própria solidão, você o imagina como sua propriedade, e não como um ser humano livre. Esse enlaçar o outro numa relação que aprisiona e castra a liberdade não é ato de amor, mas mecanismo de defesa do ego de quem se projeta no parceiro em busca de completude. Como o seu ego — carente de afetos — projeta no parceiro a sua própria metade faltante, você conclui, iludida, que ele é seu. Afinal, a metade faz parte do todo. Ele é apenas a metade que se deslocou para fora do seu corpo, e não um ser humano inteiro, cheio de desejos e pulsões que não passam por você e suas carências.

— Mas todo mundo age assim!

— Só agem assim os que se iludem com prisões sem grades. Na verdade, o parceiro nunca foi seu! Ele era dele mesmo.

— E o que fazer agora?

— Aprender que nada é para sempre, nem a vida!

— Nada disso! Eu não desisto fácil. Lutarei até o fim, para reconquistá-lo.

— Mendigar afetos é como implorar por algo que deveria estar em você. Ame-se, verdadeiramente, e não precisará de amores fingidos. Meninas que roubam maridos e namorados só existem na sua carência. Se ele a trocou por outra, é ilusão imaginar que não agiu por vontade própria, que não refletiu, ao sepultar a relação apodrecida, o sentimento de desprezo, indiferença ou desamor que cultivava por você.

— Jorge, você realmente não entende o que é o amor!

— Marinete, ele deseja seguir outro caminho; deixe-o ir e aproveite para nunca mais aceitá-lo. Você não pode ser o porto seguro de ninguém; se o Ricardo escolheu enfrentar mares bravios, conhecer novos mundos, que arroste, sozinho, as suas tempestades e naufrágios. Assegure-se, apenas, de não estar lá, cativa da esperança, para reabastecer, com a sua carência afetiva, o navio existencial de quem se foi por vontade própria. Não se deixe encantar por esse Narciso: ele só sente a sua falta, quando precisa dos seus serviços, quando se dá conta de que você está sempre disposta a satisfazer os desejos mesquinhos que ele cultiva no coração. Nessas horas, ele se lembra do velho ancoradouro do seu porto...

— Mas sem ele eu não sei quem eu sou... Na verdade, não sou ninguém!

— Sem ele, você não sabe quem é? Amadureça, abandone essa relação obsessiva e se descubra! Depois dessa epifania existencial, e por piores que sejam as descobertas sobre si própria, nunca mais permita que alguém a defina; o significado da sua existência é você que deve propor ao mundo. O que você sente não é amor, é obsessão

— Não sei mais o que fazer, Jorge!

— Apenas sorria dessa pobre “ladra”, e ela perceberá, tarde demais, que há algo de podre no produto desse “roubo”... No fim, quem roubou foi você: a felicidade dela...

Jorge Araken Filho, apenas um coletor de palavras perdidas nos ermos do tempo.


(*) A frase de Shakespeare, citada na imagem que ilustra o texto, foi dita pelo Doge de Veneza a Brabâncio, Otelo, Desdêmona, Iago e ao Primeiro Senador, no Ato I, Cena III, da Tragédia Otelo. A frase completa é a seguinte: "o roubado que ri, rouba ao ladrão; o que chora, a si rouba outra porção" (O fala do Doge varia conforme a tradução do inglês para o português).







Porto seguro, mas tedioso? Ou mar revolto, porém inesperado? Eis a questão!


Porto seguro, mas tedioso? Ou mar revolto, porém inesperado? Eis a questão!


Será mesmo que você o ama? Este aparente sentimento, revolvido em suas camadas mais profundas, não refletiria, apenas, uma obsessão, fruto da carência afetiva? Esse homem “perfeito”, idealizado na sua zona de conforto, não seria um porto seguro no mar revolto dos seus afetos dolorosos? Mais ainda: aferrar-se a ele não seria o jeito mais fácil, embora menos eficaz, de lidar com o medo de amar? Enfim, uma forma de se aprisionar a um porto aparentemente seguro e tranquilo, para não enfrentar mares bravios, porém desconhecidos?

E se esses mares revoltos — que você se nega a arrostar —revelarem, além do horizonte, a terra fértil e calma de um novo continente, com experiências surreais, sequer imaginadas na sua ilha de horizontes já conhecidos, porém limitados?

Minha cara leitora, o mesmo porto que lhe oferece segurança impede-a de gozar a vida que corre além da arrebentação. Você prefere o tédio de uma baia serena, porém de horizontes limitados? Ou o prazer caótico e inusitado dos mares abertos, mas de possibilidades infinitas? O que você se nega a enfrentar em si mesma será sempre o seu destino!

Ancorar-se no porto é uma escolha, mas será a melhor delas? Você só saberá quando levantar as âncoras que a prendem ao porto e içar as velas do seu barco existencial...

Jorge Araken Filho, apenas um observador dos subterrâneos da humanidade.







segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Há quanto tempo você não faz sexo? (A saga continua...)


Há quanto tempo você não faz sexo?

(A saga continua...)

Nos meus passeios dominicais pelo “Facebook, deparei-me, ontem, com uma inusitada “pesquisa”, idealizada por um “amigo” virtual. Indagava ele, com certa dose de humor, há quanto tempo os seus amigos não faziam sexo. Eu preferi não dar a minha resposta, não por pudores e amenidades elegantes, nem por falso moralismo, mas porque tal indagação, em que pese a intimidade que se revela, merece um texto mais aprofundado. Resolvi, então, escrever algumas linhas sobre o tema, examinando-o sob a minha perspectiva.

Antes de dizer o que penso e a quantas anda a minha sexualidade sublimada, eu digo aos meus leitores que nove entre dez pessoas que responderam eram homens e, a esmagadora maioria, narrava feitos heroicos, bravatas e peripécias sexuais: — estou há meia-hora, diziam aos mais mentirosos; outros, mais realistas, diziam ter feito sexo na noite anterior. Alguns poucos, por chacota, falavam em anos, despertando, de imediato, a veia tragicômica dos amigos, um sentimento cruel que os alemães chamam de “Schadenfreude”.

Ainda não compreendo a exata extensão desse prazer, mas podemos ser cruéis em alguns momentos da vida, muitas vezes sem perceber. Não raro, encontramos uma estranha e perversa felicidade na miséria e no infortúnio de outrem. Como a plateia de um cinema virtual, saboreamos as dores mais amargas de um “amigo” com pipocas doces.

E são tão universais essas situações, e acontecem com tanta frequência, que deveríamos ter uma palavra específica, em língua portuguesa, para descrever este sentimento mórbido e mesquinho, como existe no alemão ("Schadenfreude") e no grego ("epikhairekakia"). Alguns dizem: – Bem feito, ele mereceu!

Acontece, por exemplo, quando rimos de alguém que tropeça na calçada ou comete uma gafe ou, ainda, quando ficamos tristes ao saber que um amigo conquistou algo que não temos ou comprou o carro dos nossos sonhos. Até facadas no intestino merecem comemorações ultimamente... Civilização de merda, literalmente!...

Trata-se de um sentimento sádico e cruel, quase uma vingança pelas situações em que também fomos vítimas de brincadeiras cruéis, as famosas “alugações”, supostamente inofensivas, mas carregadas de emoções negativas, que marcam as suas vítimas, mesmo quando fingem não se importar.

Impulsos humanos, quase primitivos, sentimentos de desforra, presentes até nas crianças, que mostram o Mister Hyde dentro de nós, que só aparece nos momentos em que deixamos cair a máscara do bondoso Doctor Jekyll.

Por isso, quando estou mergulhado na autoindulgência, buscando a piedade dos "facefriends", penso dez vezes antes de revelar as minhas dores mais amargas, pois elas são a pipoca doce dos falsos amigos. Não que eu me incomode com o preconceito alheio; afinal, cadáveres em construção, depressivos “quase” psicóticos, como eu, zombeteiros de si próprios, seres do esgoto, habitantes do subsolo, pouco se importam com o destino, salvo se significar vida longa. Ainda bem que sou — ou me tornei! — um masoquista emocional: dor é o meu sobrenome; morte, a minha companheira inseparável, a bela dama que, num surto qualquer de “lucidez” ou “loucura”, eu convidarei para dançar... Esperança é algo que realmente não tenho, só se for em dias piores.

Ainda bem que sou esse projeto mal-acabado de escritor, um homem com muitas personas, traços que se disfarçam, tornando-se indistintos em meio à névoa das minhas narrativas supostamente fictícias. Tenho os meus personagens, para fazer a catarse dos males ocultos, para fingir que sou normal, bem ajustado e mentalmente são. Suicido-me aqui e ali, num conto trágico, sem que os leitores percebam a beira do abismo em que caminho todos os dias. O fio da minha navalha emocional está sempre afiado!... Contudo, a verdade é uma só: quem escreve os seus males espanta!, e os espanta disfarçados de mitos e fantasias. O leitor acaba imaginando que eu sou um homem confiável...

Mas ontem — com a tal pesquisa sobre a sexualidade dos “facefriends” —, eu me senti tentado a fazer (mais) uma das minhas infindáveis confissões. Não me importo com os risinhos debochados, que muitos darão em silêncio, nem com a hipocrisia dos que se mostrarem solidários.

Começarei pela notícia bombástica: eu completo, neste mês de setembro de 2018, exatamente 4 (quatro) anos e oito meses sem sexo, salvo uma tentativa que, examinada em retrospectiva, foi um ato falho (falarei dela em outro texto.). Na verdade, solidão absoluta, sem amigos ou conhecidos, uma vida de completa ascese monástica, que seria irônica, se não fosse trágica, em se tratando de um ateu “incurável”, como sou, sempre fui e continuarei sendo.

Abro aqui um parêntese: não acredito em nada, nem em Deus nem nos humanos! Aceite e aprenda a lidar com isso; é só o que lhe resta.

Voltando à minha sexualidade castrada...

Eu até poderia criar narrativas fantásticas, sobre as conquistas que realizei nos últimos tempos. Sei escrever razoavelmente, e não seria difícil enganar até o menos incauto dos leitores. Mas eu prefiro lidar com a realidade...

Feita a confissão inicial — de que estou há 4 (quatro) anos e oito meses sem sexo —, que poderá chocar os homens com testosterona à flor da pele, eu confesso, também, que não saí do armário; continuo gostando, apenas, de mulheres! Homens jamais me preencherão, seja no sentido mecânico da coisa, seja no sentido figurado. Sou “hetero”, e exclusivamente “hetero”, embora isso não me torne melhor nem pior dos que os que preferem carinhos homoafetivos. Se eu resolvesse sair do armário, ninguém me impediria: eu seria uma bicha louquíssima e, provavelmente, “pintosa”, quase uma “mancha”! Na boa, eu estou realmente me lixando para o que as pessoas pensam da minha sexualidade e, se fosse “gay”, não me importaria com a sua opinião sobre o “uso alternativo” do meu ânus... Ninguém define as minhas escolhas nem diz o que eu devo fazer com os meus órgãos sexuais e orifícios de entrada e saída. Contudo, sempre fui heterossexual e assim pretendo continuar. Portanto, não foi por conflitos internos sobre a minha sexualidade, “ATÉ AQUI!” bem definida, que eu passei tanto tempo sem sexo e carinho. A minha solidão tem outros motivos. Expô-los-ei, a miúdo, antes que a curiosidade mate um gato inocente...

Depois de percorrer caminhos diferentes, muitas vezes em direções opostas, chega um dia, nos relacionamentos humanos (entre amantes, pais e filhos, etc.), em que não importa mais saber quem está ao seu lado, quem está contra ou indiferente.

A necessidade de perdoar, para ser perdoado, quando se encarcera na santidade de um e maldade atávica do outro, acaba encontrando o ódio ou a indiferença como destino. As emoções e sentimentos, a pouco e pouco, vão se enlaçando em um novelo de orgulho e ressentimento, que nunca mais se desfaz.

A partir do momento em que as mágoas se tornam essa bola gigantesca e monstruosa, que rola montanha abaixo, nada mais importa: nem a possibilidade de se reconectarem os afetos, nem a necessidade de paz e segurança para as horas difíceis, que chegam — frias e inexoráveis —, quando a velhice cobra seu preço, e a vida, esse estranho caminho entre o nascimento e a morte, escorre entre os dedos. Acabamos sós, sem reconstruir os afetos que foram alquebrados pela culpa. É ilusão imaginar que nunca é tarde, amigo leitor!

Às mulheres que me desejarem ao perto (não me iludo com a existência de seres, assim, de fases, com tão notável mau-gosto!), eu me apresento: sou o ser humano que me tornei, só mudo por mim mesmo e quando me aprouver! Então, eu me permito mudar? Eventualmente, sim, mas não porque vocês me queiram diferente do que sou. Eu realmente não sou o seu projeto de homem! Às mulheres que me desejarem ao longe (muitas!), eu oferecerei o meu singelo foda-se. A quem sequer me conhece ou, infelizmente, conheceu quem eu fingia ser, eu rogarei que siga o seu próprio caminho. Se não nos encontrarmos nas curvas do destino, que a sorte seja lançada, e cada um carregue a sua pedra montanha acima, como Sísifo.

Para morrer, que é o meu destino inevitável, eu não preciso de colo. Posso simplesmente cair na primeira cova que aparecer. Até lá, qualquer calçada será o meu castelo.

Eu tenho sobrevivido sem qualquer contato com algumas pessoas que amo muito. Elas sabem de quem estou falando, sem que eu precise expô-las, não por mim, mas por elas. Eu não acho justo aparecer do nada, depois de havê-las “abandonado”. Após tanto tempo de ausência — causada por escolhas erradas que eu mesmo fiz —, eu comecei a perceber que muitas cicatrizes nunca desaparecem, por mais que, de coração sangrando, alimentemos ilusões de concórdia e perdão. Na verdade, o que não tem remédio, remediado está! Só não posso dizer que sou feliz sem essas pessoas. Mas eu tenho um grave defeito: não sei perdoar e não desejo ser perdoado por ninguém. Um dia quem sabe... Mas não carrego expectativas: elas são como a pedra de Sísifo, de que falei acima.

Como uma boa conversa é melhor do que mil ensaios, eu resolvi imaginar um personagem e, com ele, iniciar um diálogo sobre a minha própria existência, tendo sempre como perspectiva a sexualidade que há tantos anos sublimei ou, se preferirem, castrei. Chamarei o meu interlocutor de “alter ego feminino”; sem pudores, eu representarei o meu próprio personagem, de cara limpa e sem máscaras ou disfarces:

Alter ego feminino: — Jorge, você sabe por que está sozinho?!... Não se finja de desentendido! Eu sempre falei para você mudar as suas atitudes. Não foi por falta de aviso. Mas, não, você sempre escolheu mulheres jovens e imaturas, para testar a sua masculinidade fragilizada e mostrar ao mundo que tinha garras afiadas. Com essas jovens a tiracolo, você desejava parecer um garanhão puro-sangue, um ser desejante, mas, também, desejado. Nunca foi amor, ao menos da sua parte; na melhor das hipóteses, obsessão. Você as enganava e seduzia com um dinheiro que nunca teve, embora fingisse ter, com uma vida glamorosa que não vivia, embora aparentasse viver; tudo para reafirmar o seu ego de macho carente. Você tentava comprá-las, pensando, narcisicamente, que estavam à venda, como sonhos, numa padaria qualquer; embalde, você tentava reduzi-las a mercadorias de uso e descarte rápido... Ledo engano!... Bem mais maduras do que você — mais espertas, talvez, apesar da idade —, elas descartavam-no antes... Jorge, o lixo emocional era você, e não elas! Aliás — custa-me dizer isso! —, elas estão melhores, hoje, sem você, do que estiveram, algum dia, ao seu lado, e estão ainda mais felizes, por certo, do que estariam, na sua companhia, depois que você se tornou “um cadáver em construção”, e aqui as palavras são suas. Passe os olhos pela linha do tempo das mulheres da sua vida, nas redes sociais, e veja por si próprio! Eu sou uma das jovens que você, inutilmente, tentou seduzir... O pé na bunda que eu lhe dei foi autodefesa... E eu não fui a única! Creio que falo por todas as outras.

Jorge: — Quem é você, afinal? Uma treinadora de vidas? Depois que inventaram essa porra de “life coaching”, qualquer idiota se acha no direito de ministrar receitas de bem-aventurança. Faz dois ou três cursinhos de merda, lê dois ou três livros de autoajuda e já se imagina como um guru indiano, que veio ao mundo para dizer aos outros como devem ou não viver as suas próprias vidas. Ora, vá à merda!

Alter ego feminino: Você tem a boca suja, Jorge! Isso é sintoma de falta do que dizer...

Jorge: — A dama politicamente correta não gosta de palavrões? Eu machuco os seus ouvidinhos sensíveis? Deixe de ser hipócrita! O seu moralismo de rameira arrependida não me comove. Você quer dar aulas de bem viver aos outros, porque não sabe como viver a sua própria “fucking life”. Já manjei a sua parada de “life coaching”, a “treinadora de vidas” que diz como as pessoas devem agir, escreve roteiros a serem seguidos, diz como eu devo me comportar, decide para onde eu posso ir e com quem devo ir. Você nunca está errada e tem sempre a última palavra, até mesmo sobre o que eu devo fazer da minha própria existência, no que eu devo trabalhar, o de que eu devo abdicar, para merecer a bênção divina que é estar ao seu lado.

Alter ego feminino: — Jorginho, meu amigo, que Deus perdoe a sua insanidade!

Jorge: — “Amigo”?! Sabe de uma coisa? Na minha vida mando eu; o meu caminho eu mesmo escolho. Se eu quiser me matar ou pular do Grand Canyon, eu mesmo decidirei isso, e não você. Não serei jamais o seu projeto de vida, a cobaia do seu narcisismo, o refém com síndrome de Estocolmo que se apaixona pelo seu algoz. Vá treinar a vida da sua mãe, porra! Continuarei bebendo a minha cerveja no botequim do Seu Chico (se e quando tiver dinheiro!), não abrirei mão dos meus pouquíssimos amigos para satisfazer o seu ego. Quer mais? Eu não sei dançar, aliás nem gosto, embora tenha tentado aprender durante muitos anos, não para me sentir bem ou feliz, mas para agradar a quem não se importava comigo. O pior é que eu ainda me sentia culpado pela minha descoordenação psicomotora, envergonhado por envergonhá-la. Como eu era besta!

Alter ego feminino: — Eu sempre quis que você aprendesse a dançar, não apenas por mim, mas para o seu próprio bem. Além disso, não me acuse de obrigá-lo a fazer algo que eu nunca soube que você não gostava. Cabia a você estabelecer esse limite, dizendo, claramente, que nunca gostou de dançar. A mim só me cabia decidir se aceitava ou não a sua escolha. Se eu não aceitasse, e isso fosse essencial para mim, eu o deixaria. Se não fosse, cederia em nome da relação. Mas eu nunca tive chance de saber a sua vontade. Você sempre foi covarde e omisso. Cara, isso não é coisa de homem! Eu gosto de macho alfa, e não de lobo sem dentes, que se acovarda no meio da matilha. O lobo mais forte fica por trás de todos os outros, no final da fila, vigiando a matilha, para que ela se sinta segura, sabendo que tem um verdadeiro macho alfa por trás. Eu quero um homem assim, de decisão, um homem que me proteja, que rasgue a minha calcinha com os dentes e me jogue na parede como lagartixa!...

Jorge: — Hoje em dia, eu só não estou cagando e andando para você e o mundo, para as suas receitas do macho alfa que eu deveria ser, porque ainda não aprendi a cagar andando. Na boa, eu quero mesmo é que você encontre outro idiota deslumbrado, como eu fui um dia, alguém com a mesma autoestima na lama para ser o brinquedinho do seu gozo narcísico. Ninguém haverá de mudar o que eu me tornei, sem que eu mesmo o deseje. Nem por você nem por ninguém, eu abandono os meus defeitos preferidos, como esse orgulho filho da puta que eu tanto amo em mim mesmo. Não abro uma vírgula do que sou por ninguém nessa porra de mundo. Não mais!... Tenho tantas sombras dentro de mim, tantos desvios de caráter e fraquezas morais, que nem o próprio Lúcifer me desejaria ao seu lado. Sou bem pior do que o seu pior pesadelo! Os meus vícios e máculas morrerão comigo; passei a vida cultivando torpezas, e não irei lançá-las na fogueira da sua Santa Inquisição, só porque você as considera indesejáveis. Não tenho medo da sua faceta de Torquemada! Sou desajustado, e com orgulho! Certo ou errado, bondoso ou diabólico, esse sou eu, um cara orgulhoso, que morrerá sozinho, mas de pé, nariz altivo e cabeça erguida.

Alter ego feminino: — Ainda bem que você sabe que o seu destino é morrer sozinho em um sofá, e só ser encontrado dias depois, como aconteceu com a sua mãe. Com os seus próprios pés, você está cavando a sepultura em que será enterrado. Eu era a última chance da sua vida! Fui bondosa ao aturá-lo por tanto tempo. Por amor, esse estranho e inexplicável amor, eu só pensava em o salvar desse destino inexorável. Agora, eu preciso pensar em mim mesma, para variar.

Jorge: — Não pense que a sua crueldade me comove, nem que a sua hipocrisia me convence! Eu não perdoo ninguém, mas também não peço perdão, mesmo quando estou errado. As minhas cagadas foram muitas, algumas irreversíveis; muitas pessoas eu magoei, mas não abaixo a cabeça. Sofro sozinho, morro sozinho, sem pedir perdão e sem perdoar. Prefiro carregar a minha culpa como Sísifo, rolando ladeira acima, numa montanha sem fim, a renunciar uma vírgula do meu orgulho filho da puta. Esse sou eu, ou melhor, o que me tornei, gostando o mundo ou não.

Alter ego feminino: — Os pecados que cometemos servem para nos fazer amadurecer, quando admitimos o erro, pedimos perdão e nos perdoamos.

Jorge: — “Quem dentre vós, não tiver pecado, atire a primeira pedra”! Sabe quem disse isso? Pois é... E repare que eu sou ateu; é você que vive na Igreja, tentando negociar os pecados com Deus em troca de salvação. Você passou a vida fazendo merda e, agora, no crepúsculo da sua existência, quer apagar tudo com duas missas por semana. Antes que eu me esqueça: vá à puta que pariu!

Alter ego feminino: — Que vocabulário estreito para alguém que se diz escritor!...

Jorge: — Estou farto de gente hipócrita, que julga nos outros o que falta em si próprio, que comete atrocidades e pecados vis, para depois se fingir de arrependido diante do altar. A quem você acha que está enganando? Se esse Deus existisse, estaria arrependido da sua própria criação, farto de tanta hipocrisia e falsidade. Sendo tão poderoso, ele certamente haveria de saber que você faz o sinal da cruz na intenção de que Ele envie outro filho, para morrer pela salvação da humanidade, expiando, assim, os pecados desse mundo vil e cruel, incluindo, no primeiro lote de perdões divinos, os seus próprios pecados. A mesma boca que reza o “Pai nosso” é a que pragueja intolerância nas redes sociais (Se você for evangélico, não fuja da raia!: também vale para você, que faz orações recheadas de pedidos...). Hoje em dia, eu sou o que me tornei, e não o que dizem; faço o que quero, quando quero e como quero, e não o que esperam de mim. Quem me quiser vai ter que levar o pacote fechado, como a Caixa de Pandora.

Alter ego feminino: — E o que tem dentro da sua Caixa de Pandora, Jorge?

Jorge: — Nem eu mesmo sei... Para dizer a verdade, eu só sei que, ao contrário do Mito de Pandora, dentro de mim não restou sequer a esperança. Os meus males, eu os espargirei pelo universo, para revelar o de que sou feito. Não pense que calarei os meus demônios interiores, para agradá-la; não imagine que me tornarei um carneiro, para você me tosquiar. Quem me quiser, que se aguente com os comigos de mim mesmo. Não abrirei mão de quem eu me tornei, para ser outra pessoa, mesmo que, assim agindo, eu me condene a morrer sozinho. Para morrer, eu não preciso de companhia!

Alter ego feminino: — Você se tornou amargo e insuportável! Por isso, está sozinho. Nem os seus filhos querem vê-lo. O seu pai não se dá ao trabalho de tentar contatá-lo, ao menos para saber se você está vivo. E seria fácil, com as redes sociais: bastaria pedir a alguém... A sua mãe, pobre coitada, mergulhou na mesma depressão psicótica que o devora e, lentamente, se deixou morrer num velho e carcomido sofá; ela simplesmente abandonou o mundo e apodreceu em vida, exatamente como você tem feito. Ninguém o deseja, Jorge, nem por piedade! Você afasta as pessoas!

Jorge: — Sozinho eu já estou, e ainda não me matei!... Mas é verdade: a minha mãe tinha um velho sofá; eu nem isso... Na verdade, eu não preciso sequer de um caixão! Posso cair em qualquer lugar; os vivos que se incomodem com o meu corpo apodrecido.

Alter ego feminino: — Eu sei o que é melhor para você. Por isso, dou-lhe tantos conselhos. Eu fiz um curso de “Coaching” no ano passado. Eu me preocupo com você. Querido, você está doente!

Jorge: — Ainda bem que você reconhece que eu sou um homem doente, um homem mau, como aquele personagem de Dostoiévski. Ah, esqueci, você só lê memes no Facebook...

Alter ego feminino: — Jorge, você está mesmo doente!...

Jorge: — Esse é o seu problema e de todos os narcisistas que vomitam baboseiras autopiedosas e receitas de vida conformada e ajustada. O que vocês chamam de “coaching” é, na verdade, a tentativa egocêntrica e manipuladora de criar seres humanos ajustados e desejáveis, como ovelhas e vacas em um curral. “Coaching” é um embuste para modelar seres humanos bondosos e sem defeitos, algo que não passa de ilusão narcísica. Os seres limítrofes e indesejáveis — esses que flertam com o caos, que se desviam da estrada florida da felicidade conformista e homogênea, o chamado “American Way of Life” — são convidados ao adestramento pelos “treinadores de vida”, os “Life Coaches”, sendo banidos da sociedade, no caso de fracasso em suas metas. ou você imagina que é por mero acaso que a expressão — “Coaching” — se escreve em inglês? Hoje são “Coaches”, antigamente eram “Santinhos do Pau Oco”...

Alter ego feminino: — Eu só queria usar o meu treinamento, para aprimorar o seu desempenho profissional e de vida. Você abandonou a advocacia, deu um salto na escuridão desse abismo existencial, mas não tem nada de concreto que o permita sobreviver com dignidade. Não se vive só de sonho, mas de sonho e dinheiro. É verdade que dinheiro não traz felicidade, mas a sua pobreza (permita-me usar o seu linguajar chulo), a sua pobreza franciscana de hoje não traz porra nenhuma. Jorge, não seja romântico e ingênuo! Não se larga o certo pelo duvidoso. Essa capacidade de aprender a lidar com os desafios profissionais, esse treinamento constante das suas habilidades sociais é o que eu queria para a sua vida. Eu poderia treiná-lo, e o faria sem cobrar honorários.

Jorge: — Vá adestrar a sua mãe, “fucking bitch”! Você jamais irá mudar o que me tornei! Morro só, mas de pé! Jamais mendigarei o que quer que seja, de quem quer que seja, nem comida, nem dinheiro, nem afeto. Espere sentada pelo meu pedido de socorro! Prefiro um cálice de veneno... Escreva no meu epitáfio: “Aqui jaz um homem que virou suco e morreu por orgulho!”

Alter ego feminino: — Eu realmente temo que você acabe se suicidando...

Jorge: — Que assim seja, então! Apareça logo essa vontade insuperável de aniquilar um ser humano que já está aniquilado! Quando morre, o homem se liberta.

Alter ego feminino: — Você deseja realmente a liberdade? Então, morra, Jorge! Morra agora! Eu compro o veneno. Ninguém se importa, se você morre ou vive... Então, simplesmente morra! Como você mesmo disse, só é livre o homem morto! A liberdade, para você, deve ser uma ilusão dos vivos. Morto e livre, você aprenderá a ter piedade de quem, como eu, ainda tem coragem de viver. Morrer é fácil, o difícil é sobreviver!

Jorge: — Só os vivos pranteiam os mortos, imaginando-se venturosos por sobreviverem a eles. Mal sabem eles que o bom da vida é morrer. Sob sete palmos de terra, comido pelos vermes, enfim, serei livre! Mas não se iluda com isso que você chama de vida: você me seguirá em breve! As aves de rapina já sobrevoam o seu espectro...

Depois desse diálogo imaginário, retomarei o fio da meada...

Diante de tantas descobertas que ando fazendo sobre mim mesmo, eu achei melhor me afastar das pessoas e do mundo, permanecendo recluso nesses quatro anos e oito meses de solidão. Não queria arrastar para o meu abismo existencial quem, por ilusão ou resiliência, ainda tenta sobreviver às intempéries.

Apesar da seca saariana em que eu me encontro — um deserto de afetos e lubricidade... sem oásis —, eu não recomendo a ninguém se manter casto por tanto tempo. É muito difícil, quase insuportável! Em certos dias, dá vontade de pular do Empire State Building; em outros, reconforta-me a ilusão de que uma linda mulher me aguarda nalguma curva do destino.

Nesse instante, formulo outra indagação meramente retórica: vale qualquer sacrifício em nome do amor?

Começo a resposta por um diálogo entre pai e filho, na véspera de natal, em um filme romântico cujo nome não me recordo. Lembro-me, porém, do enredo e irei reproduzi-lo com as minhas próprias palavras, mantendo, contudo, a ideia original da obra cinematográfica:

Pai: — Há dois tipos de sacrifício que um homem faz por uma mulher: o bom e o mau!

Filho: — E como saber qual sacrifício nós estamos fazendo?

Pai: - Depende de como a história acaba...

Antes deste diálogo, o personagem do filho, jovem bem-sucedido que deixara o lar paterno para estudar na Cidade grande, revelara ao pai a sua intenção de abandonar a carreira e retornar à cidade natal, no interior dos EUA, para transformar em realidade o amor platônico que dedicava a uma jovem, amiga de infância, a quem conhecia desde os 5 anos de idade.

Abstraindo a falta de criatividade do roteiro, que revela, em sua tessitura narrativa, um clichê dos filmes do gênero, podemos observar os arquétipos da mocinha inocente, sonhadora e romântica e do garoto idealista, boa praça e bem-sucedido. Repetindo velhos modelos da “Sessão da Tarde”, eles se conheceram na infância, amaram-se em silêncio por muitos anos, mas nunca viveram esse amor "impossível".

Suspeito que esse "amor platônico" nunca se concretizou, justa e precisamente, porque eles sabiam tudo um do outro, não só as qualidades visíveis, como os defeitos insondáveis. Sem os mistérios do outro a serem desvendados, tudo virou uma longa amizade, escondendo um amor latente! Na verdade, amamos no outro o ser ideal que projetamos nele, e não a realidade que ele esconde ou revela; amamos no outro o nosso próprio desejo. Todo amor tem um quê de narcisismo, amigo leitor!

Apesar dos clichês, o diálogo entre pai e filho remete-nos a um dilema existencial: se a consciência de que o sacrifício em nome do amor foi bom ou mau só virá no final da história, vale a pena sacrificar o presente, mesmo sem saber se o prêmio futuro compensará a imolação de ambos os amantes? Somos o único animal que tem consciência da inevitabilidade da morte, e isso nos faz temer o adiamento dos desejos. Uma hora qualquer será tarde demais para tentar aquele amor platônico...

Não existe uma resposta única e objetiva, que sirva de modelo para todos nós! A subjetividade dos nossos medos e a resiliência para suportar eventuais fracassos é que define se o risco de tentar é maior do que a dor por não tentar. Numa vida tão curta, pode ser preferível experimentar uma história de amor, mesmo sabendo-a improvável, a viver na ilusão de que bastaria haver tentado.

Entretanto, toda decisão tem o seu preço: arriscar o meu pescoço nem sempre dá certo! Tentar e quebrar a cara pode ser ainda pior, se eu, no afã de saciar a minha carência afetiva, elevar demasiado alto as minhas expectativas. Quanto maior o salto, maior a queda! Mas, por outro lado, com a cara a quebrada eu já estou, se a falta desse amor já me angustia tanto assim...

Seja como for, de uma coisa eu não posso abrir mão: do meu amor próprio. Quem não se ama é incapaz de amar e busca no outro um motivo para viver. Mas esse motivo, seja ele qual for, deve estar dentro de mim, e não no outro. A vida é minha, e não das mulheres que cruzaram os meus caminhos. Devo encontrar eu mesmo um sentido para a minha vida! O sacrifício em nome do amor é sempre uma escolha, mas nem toda escolha me convém!

Você queria uma resposta objetiva da minha parte? Lamento dizer que o amor é um livro aberto, com folhas em branco. Não existem receitas para a felicidade. De fato, só existe uma regra: escreva você mesma a sua história! E por mais intenso que se torne esse desejo de amor, nunca entregue a outrem a caneta do seu destino.

No meu caso, eu decidi cortar as amarras com o mundo, para não levar comigo, no meu naufrágio, pessoas que ainda estão tentando navegar. Enquanto eu não encarar o meu próprio abismo existencial, só a solidão monástica poderá poupar mulheres inocentes do destino que eu escolhi para mim, que, nesse momento, é o de alguém que já desistiu da vida. Dar a mão pode aniquilar a ambos! Diz um velho ditado cuja origem desconheço: “quem quer ir rápido, melhor ir sozinho; quem quer ir longe, melhor ir em boa companhia.”. Eu caminho sozinho, ao menos por enquanto!  Para mim, só existe uma escolha: ficar sozinho, à margem da estrada, com o meu próprio fardo! Eu insisto: não seria justo depositar o peso da minha renúncia sobre os ombros de quem ainda está tentando caminhar. Mas estou aberto...

Não que eu viva sonhando. Nunca desejei uma princesa de contos de fada, uma mocinha fútil e banal que pense em sapatinhos de cristal, que espere encontrar príncipes em lagoas cheias de sapos. Na verdade, eu quero uma mulher que me olhe nos olhos e diga simplesmente:

— Você é cheio de problemas, nunca atravessou os meus sonhos, mas eu preciso conhece-lo, apesar de tudo.

Insistirei nesse ponto: eu falei mulher, e não homem! Não custa reforçar a minha heteroafetividade, depois que uma ex-namorada, talvez ressentida, acusou-me de estar casado com um homem, e ainda disse que ele era barbado e viril. Respeitem a minha hemorroida, amiguinhos!

Mais importante: tem que estar aberta ao amor sem jogos de azar, sem piedade ou carência, sem buscar em mim o que lhe falta. Ela deve ser ela mesma, ainda que me desagrade; deve ter opinião própria, mesmo que me desafie; deve reagir, mesmo que eu a queira submissa.

Quero alguém que me faça ser melhor do que eu sou, e não um espelho que me devolva a minha própria imagem.

Quero um anjo que desperte os meus demônios, e não uma Deusa que me leve ao tédio! Quero uma “mulher-cabeça e desequilibrada”, uma mulher “confusa, de guerra e de paz”, como disse o Martinho da Vila; alguém que se permita entrelaçar as nossas sincronicidades, sem perder as diferenças; encontrar a nota comum nas nossas dissonâncias; caminhar para a dualidade dos inteiros que interagem, mas não se anulam nem se fundem.

Sem idealizar sentimentos, só desejo a felicidade dos pequenos gestos, a alegria de voltar para casa e encontrar um sorriso, alguém que me aplauda, sem me acorrentar; que me respeite, mas não deseje moldar a minha vontade nem o meu caráter. Quero alguém que não precise matar a minha essência para existir, nem me capturar no seu desejo, para ser feliz. Desejo encontrar uma mulher que seja capaz de ser feliz sem mim, mas seja ainda mais feliz comigo.

Mulher ideal? Que nada, eu quero uma mulher sem verdades absolutas, sem a perfeição divina, alguém que se torne ela mesma e não conjugue o verbo ter com arrogância. Estou pedindo muito?

Deve ser por isso que estou sozinho. Mas não perdi a esperança! Sei que ela está por aí... Muitas passaram, eu passarinho...

“Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!”
 (Poeminha do Contra, de Mario Quintana).

Pode ser infantilidade! Hoje eu sei que o difícil não é amadurecer, mas continuar menino. Depois de dilacerar a alma, rasgando a pele sensível e me despojando dos falsos invólucros da persona, alcancei umas poucas verdades sobre mim mesmo. Como disse Hegel,

"O espírito só alcança sua verdade à medida que se encontra a si mesmo no dilaceramento absoluto." (Hegel, Georg Friedrich Wilhelm. Fenomenologia do Espírito. p. 16).

 A mesma chave que tranca o coração, ironicamente semeia a liberdade! Usá-la-ei sem medo. Finalmente, descobri que o essencial é viver!

O verdadeiro escritor deve sentir na pele o fogo das suas paixões, deve dar voz aos que morreram de tédio, dar um coração aos nostálgicos enclausurados no medo. É tempo de encontrar as histórias que se perderam, de libertar as memórias aprisionadas pela insensibilidade da negação.

Quando a saudade se fez sonho, um grito se libertou do silêncio. O silêncio se fez palavra; a palavra se fez luz; a luz mostrou o caminho, e comecei a escrever o que os heróis não contam: era uma vez, em um Reino muito distante, um escritor que se perdeu das palavras, e as encontrou, solitárias, nos ermos do tempo...

Aos puritanos hipócritas e defensores da castidade, eu ofereço, para caçar velas ao discurso, a “Balada da Castidade em Tom Maior”, cantada pelo amigo da noiva, na Peça “O Casamento do Pequeno Burguês”(“Die Kleinbürgerhochzeit”), Comédia em Ato único, escrita por Bertolt Brecht em 1919:

“Oh! No escuro um no outro se fundiu 
Oh! Estamos sós! Ela olhou e sentiu: 
Ela é minha! Com desejo, ele pensou 
A escuridão, o fogo da paixão, atiçou  
Mas ele só beijou a noiva no nariz: 
“Minha noiva não é uma reles meretriz!” 
Nisso, ele jamais pensou! 
  
Ah! Como é quente sua mão! 
Ah! Como bate o coração! 
Das bocas saem quentes gemidos 
Cuidado! Não vá perder os sentidos! 
Ela só beijou o noivo no nariz: 
“Eu não sou uma reles meretriz!” 
Na hora, foi o que ela pensou! 
  
 Para ela ficar donzela 
Uma puta ele foi procurar 
Náusea e glória desta terra 
A puta lhe soube ensinar 
Mas o seu corpo era um abismo 
Ele preferiu o ascetismo 
E nisso ele não mais falou! 
  
Para apagar o fogo 
Que o puro noivo acendeu 
Ela abriu o jogo 
E, ao primeiro que veio, ela deu 
(Debaixo da escada 
Ela foi furada!) 
Não era freira, mas a carícia 
Mesmo brutal é sempre uma delícia 
E sua fome, ela matou! 
  
Hoje ele vive a se queixar: 
A folia: pra que evitar? 
Naquele mês de maio tão feliz 
Ele só beijou a noiva no nariz 
Ele como padre, ela como puta 
Agora dizem para quem gosta: 
‘A Castidade é uma bela bosta!’”
(BRECHT, Bertolt. “O Casamento do Pequeno Burguês” — “Die Kleinbürgerhochzeit”. ).

Você é casto e tem ouvidos e olhos sensíveis? A hipocrisia é sua, e não minha. Supere-a ou enterre a cabeça na areia!

Não pensem, portanto, que me mantive casto, nos últimos quatro anos e oito meses, porque sou ou me tornei moralista. Eu sou um devasso incorrigível e, nas horas vãs, escrevo contos eróticos bem apimentados — os mais suscetíveis e castrados chamam de pornográficos —, narrativas puramente ficcionais que trazem à tona o libertino que eu recalquei no inconsciente nos tempos em que, temeroso da civilização, eu ainda me importava com a resposta que o mundo dava à indagação sobre quem eu era. Não sou, portanto, moralista! Se você quiser mesmo saber o que eu penso da moral pequeno-burguesa e judaico-cristã, imagine-me como o seu pior pesadelo. Nos meus contos eróticos, eu penetro nas sombras do incesto e da traição consentida, da libertinagem e do sexo grupal. Nem queira saber o que se passa na minha cabeça. Mas a verdade é uma só: ao escrever os meus contos eróticos, eu me reconduzo aos sonhos, gratificando a libido que foi represada pela falta de uma fêmea da espécie, que pudesse saciá-la na realidade. Eu não faço sexo ou tenho qualquer relação física ou afetiva há exatos quatro anos e oito meses (salvo um ato falho, que explicarei em outro texto.)... E não enlouqueci! Por quê? Ora, exatamente por escrever os meus contos apimentados. Eles fazem transbordar a libido, descarregando-a na fantasia. Eu não precisaria confessar tal segredo no meu Blog, algo que, para alguns (não para mim!), depõe contra a minha masculinidade. Fi-lo, dentre outras razões, para demonstrar que a literatura erótica e, de resto, a arte libertina — aí incluindo o nu artístico — desempenham um papel nada desprezível na psique humana: eles liberam a energia pulsional acumulada. Não acusem de falso moralista nem de hipócrita a um escritor que se dedica à literatura libertina para sublimar o sexo!

Da minha parte, eu repito o que já disse várias vezes: estou casto há exatos quatro anos e oito meses, nem tanto por escolha própria, mas, sobretudo, por falta de opção! Ou melhor, as opções podem até existir, embora eu não acredite em milagres. Seja como for, porém, eu não desejo vê-las no meu abismo existencial. Aliás, verdade seja dita, eu ainda alimento a vaga ilusão de que alguém, nalgum lugar desse mundo, não se importaria com as minhas desistências, renúncias e rendições, se ao menos nos conhecêssemos...

A mulher que eu imagino para mim não é a que corresponda aos meus ideais projetivos, mas a que se revele com a sua persona verdadeira. Não sendo, eu próprio, o Romeu, de Shakespeare, seria injusto e narcísico desejar uma atriz, representando o papel de Julieta. Jamais aceitaria uma mulher que renunciasse à vida por mim, porque a essa mulher lhe faltaria amor próprio. Eu desejo uma que aceite o ser humano cheio de falhas que eu me tornei, mas que não precise reprimir ou recalcar a sua própria essência para me agradar. Pessoas servis, que agradam o tempo todo, são tediosas. Não valem o que o gato enterra... Que ela seja, pois, como se tornou, e que eu a aceite ou caia fora!

Invocando Nélson Rodrigues, mas indo além, eu diria que “só” os ginecologistas deveriam ser castos... A tentação é infinita, e o ego humano, demasiado débil para resistir. Os mortais — humanos como nós — devem cair na orgia. Não queiram ser como o noivo da “Balada da Castidade em Tom Maior”: defensores da castidade das suas esposas, mas cornos!

Como disse Bertolt Brecht,

“A Castidade é uma bela bosta!”

Mas existe uma luz no fim do meu túnel existencial. Só não sei se é a mulher da minha “receita” ou um trem desgovernado, vindo em sentido contrário...

Depois das guerras que andei enfrentando, lutas internas para me redescobrir, eu posso dizer, de peito aberto e coração impávido, que o amor tem os seus encantos e mistérios, abismos insondáveis e obscuros onde não existem seres humanos invencíveis. Perdi algumas batalhas, mas ainda estou na guerra!

Jorge Araken Filho, apenas um filho da puta que nasceu para encher o saco dos hipócritas desse mundo, principalmente o dos que se fantasiam de santo.